Sociedade

“Bolsonaro não esconde o objetivo de destruir a biodiversidade”

O mundo precisa impedir Bolsonaro de destruir a Amazônia, defende a ativista colombiana Francia Márquez

A vice-presidenta da ColArquivo Pessoal
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A colombiana Francia Márquez tornou-se um símbolo mundial da defesa do meio ambiente após liderar uma marcha contra um projeto de mineração em Cauca, seu estado natal. Agraciada com a medalha Goldman, uma das maiores honrarias do ativismo ambiental, Márquez une-se às vozes internacionais preocupadas com a destruição da Amazônia. “Estou indignada com o que acontece. Precisamos nos manter mobilizados para construir caminhos que garantam a vida.”

CartaCapital: Como o avanço das queimadas na Amazônia repercutiu na Colômbia?

Francia Márquez: Aqui, como em muitos lugares da América Latina, jovens, mulheres, indígenas e outros habitantes da Amazônia levantam a voz para rechaçar a postura do governo brasileiro, que não faz o suficiente para deter a destruição do pulmão do mundo. Bolsonaro não esconde o objetivo de destruir a biodiversidade e os povos indígenas ao estimular um modelo econômico de morte. Precisamos refletir sobre em quem votamos. Quando se elege um senhor que está contra os direitos das minorias, dos povos, do meio ambiente, suas decisões nefastas afetam toda a humanidade.

CC: Como a destruição da Amazônia afeta os países da região e o mundo?

FM: Uma vez destruídos os ecossistemas, crescerá ainda mais a exploração, a pecuária extensiva, a mineração. Mas de que desenvolvimento falamos? Um desenvolvimento que permita matar a vida não pode ser aceito, por isso precisamos pressionar os governos a assumir suas responsabilidades de garantir às próximas gerações uma vida digna. Que cada um possa respirar, que haja território para produzir alimentos e convivência com as outras espécies.

CC: No Brasil, o atual presidente constantemente estimula a atividade de garimpo em reservas indígenas e áreas de preservação. Quais foram as consequências desse tipo de experiência na Colômbia?

FM: A permissão para as empresas atuarem em nossos territórios mostrou que elas nunca chegaram sozinhas, mas com atores armados ou se beneficiando de conflitos nas regiões. A isso se seguiram violações de direitos humanos, remoções, ameaças e assassinato de líderes sociais. Na maioria das vezes, o Estado colombiano estava a favor da entrada dessas empresas e fazia concessões sem consultar as comunidades ou os povos étnicos afro e indígenas. Fui ameaçada e forçada a sair do meu território com meus filhos.

CC: A sua comunidade de Toma foi uma das que reagiram a essas violações, certo?

FM: Esses projetos terminam com prejuízos para as comunidades. O desenvolvimento é para os donos que se enchem de dinheiro, à custa de destruir vidas. Em minha localidade sempre tivemos consciência de que fomos desarraigados da África e que nos trouxeram para cá em condições de escravidão. Hoje precisamos falar de quem nos escravizou, pois vivemos as consequências do tempo escravagista, enquanto outros vivem da riqueza que o sistema gerou. Nossos velhos nos ensinaram que a terra não foi um presente, custou sofrimento, trabalho, luta e, portanto, devemos cuidar dela para as próximas gerações. Pensar em autonomia significa pensar em como defender o território e assumir a responsabilidade desde sempre, como fazem os povos indígenas.

CC: Tragédias ambientais têm se repetido na região. Na Colômbia houve Hidroituango, no Brasil os casos de Brumadinho e Mariana, para citar três das mais impactantes. Como a senhora avalia esse cenário?

FM: Hidroituango é a continuidade de Salvajina, hidrelétrica construída no Rio Cauca décadas atrás. Quando você fala com os avós que viveram aquele tempo, eles lembram que vendiam a obra como desenvolvimento, mas o resultado foi o empobrecimento, a contaminação das águas, a repressão, a mudanças do clima, a destruição das fontes de produção de alimentos e a corrosão da dinâmica social. O governo e setores políticos estão a serviço de interesses privados de empresas transnacionais e não se pode dizer que o Estado garanta o bem-estar social.

Márquez, vencedora do Prêmio Goldman/Foto: Premio Goldman.

CC: Há ainda muita desinformação e preconceito em relação às causas ambientais por parte de setores da sociedade?

FM: Quando nos levantamos para proteger o território, não lutamos por nós, mas pela humanidade. Em 2014, chegou à nossa comunidade uma ordem de despejo por conta de um projeto de mineração apoiado pelo governo. Estamos nessa terra desde 1636, antes de existir o Estado colombiano. A Suprema Corte reconheceu nossa ancestralidade territorial, revogando a concessão dos títulos de mineração, além de reforçar a necessidade legal do instrumento de consulta popular, por meio da qual os cidadãos decidem sobre projetos que desejarem se instalar em suas localidades. Apesar disso, muitos nos chamam de delinquentes e perturbadores. Os meios de comunicação nos qualificam como comunistas, cujas ideias precisam ser exterminadas. Em um país cheio de paramilitares, essa linguagem se transforma na morte de muita gente.

“Quando nos levantamos para proteger o território, não lutamos por nós, mas pela humanidade”

CC: Como os conflitos entre militares, paramilitares e grupos guerrilheiros afetam a vida nos territórios? O acordo de paz assinado chegou às comunidades?

FM: A paz não chega ao pacífico colombiano, trata-se de um discurso do governo que quer seguir na guerra. Vivemos sob a violência do conflito armado e por isso alçamos nossa voz na denúncia dessa realidade. Estamos mobilizando uma manifestação nacional de mulheres para que cessem as mortes. Oxalá todas as mulheres da América Latina, África e Europa se levantem, porque não somos as responsáveis pelas políticas de morte direcionadas pelo patriarcado e pelo machismo. Precisamos de um pacto para parir a liberdade dos nossos povos, sua dignidade e a garantia da existência. Nós damos à luz e sabemos o que isso significa. A Mãe Terra pariu essa humanidade e tudo o que existe neste planeta.

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