Justiça
AGU defende indenização a religiosos que tiveram terreiro de jarê destruído pelo ICMBio
Templo localizado em Lençóis (BA) e construído há quase meio século foi demolido em operação que mirava desmatamento e construções irregulares
Braço jurídico do governo Lula (PT), a Advocacia-Geral da União deu aval a uma indenização por danos morais e materiais à comunidade religiosa do terreiro de jarê Peji Pedra Branca de Oxóssi, em Lençóis, na Bahia. O templo religioso foi demolido por equipes do ICMBio em julho. O valor da reparação ainda não foi definido.
A destruição do terreiro chegou a ser considerada um ato de racismo religioso pela Defensoria Pública da União. O parecer da AGU, obtido por CartaCapital, reconhece a compatibilidade entre o direito à liberdade religiosa e a proteção ambiental em unidades de conservação. O documento tem mais de trinta páginas e foi encaminhado ao ICMBio no final de outubro.
O templo está localizado no Parque Nacional da Chapada Diamantina, na mata do Vale do Curupati, distante cerca de 420 km de Salvador. No dia da demolição, as equipes do órgão federal apuravam denúncias de desmatamento e ocupações irregulares nas margens de rios importantes para o ecossistema local. Dez construções vistoriadas foram abaixo na ocasião.
O parecer ressalta ainda que a possibilidade de ressarcimento só se aplica neste caso. Também há uma recomendação para que o ICMBio avalie a possibilidade de criar meios formais – como termos de compromisso – para compatibilizar os direitos dos usos religiosos no interior do parque ambiental para prática do jarê ou de outras manifestações culturais ou religiosas tradicionais.
O templo de 20 metros quadrados foi erguido há cerca de 45 anos pelo pai de Damaré
O jarê é uma religião única da Chapada Diamantina, que mistura elementos do espiritismo, do catolicismo e da diáspora africana disseminados na região no auge do garimpo de diamantes, no século XIX. O templo destruído pelo ICMBio tinha 20 metros quadrados e foi erguido há quase cinquenta anos, antes da criação do parque de preservação ambiental.
O líder religioso Gilberto Tito de Araújo, conhecido como Damaré, herdou o terreno de seu pai. O material de construção foi trazido a pé por moradores e as imagens que compõem o interior do templo são heranças de famílias locais, passadas entre gerações. Três dias após a ocorrência, o órgão federal reconheceu o erro.
Na semana passada, o Ministério Público baiano realizou audiência pública para discutir os desafios enfrentados pelos adpetos do jarê e definir políticas que assegurem a preservação e valorização dessa tradição religiosa. Promotores do órgão também se mobilizam na iniciativa de reconhecer a religião como patrimônio imaterial do estado, apurou CartaCapital.
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