Sociedade

“Grampo é episódio lamentável contra o direito de defesa”

Presidente da OAB-RJ, Felipe Santa Cruz diz que atitudes da Justiça carioca não são de um Estado democrático, mas nega comparações com a ditadura

Presidente da OAB questiona Justiça carioca
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O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil do Rio de Janeiro, Felipe Santa Cruz, diz que o grampo a dez telefones de advogados no Rio de Janeiro é o “episódio mais lamentável contra o direito de defesa desde a redemocratização”. Os defensores foram gravados em conversas com seus clientes e trechos delas foram utilizados na investigação que levou ao pedido de prisão de 23 manifestantes no Rio de Janeiro.

Santa Cruz disse que achou exagerado o pedido de asilo feito pela advogada Eloisa Samy ao Uruguai. Para ele, as comparações das prisões com a ditadura também não fazem sentido. Veja abaixo trechos da entrevista com a CartaCapital nesta quinta-feira 24:

CartaCapital: Qual a avaliação da OAB sobre o grampo feito a dez telefones de advogados?

Felipe Santa Cruz: É um acinte. Foi o episódio mais lamentável pós-redemocratização contra o direito de defesa, junto daquelas alterações pirotécnicas da Polícia Federal há quatro ou cinco anos [quando a polícia fez operações como a Castelo de Areia e a Satyagraha]. Há muitos anos não se via tamanha violência contra o exercício da advocacia.

Não há contra os advogados nenhuma acusação de ilegalidade, de ilícito. A conversa deles com seus clientes, que é inviolável por força do nosso estatuto e base do direito de defesa, está sendo usada como prova contra o cliente. Isso é ovo da serpente, perigosíssimo. Talvez por ignorância ou falta de informação do agente público, não se perceba o que está acontecendo. Mas isso não é da democracia, é de um estado de exceção.

CC: Os advogados enfrentaram outros problemas neste caso?

FSC: O advogado não conseguia sequer a copia inteira do inquérito, que foi aparecendo aos poucos. As pessoas passaram dias sem fazer os habeas corpus porque não tinham acesso ao que estava sendo acusado contra elas. Assim, a OAB botou um batalhão no tribunal para garantir que os advogados tivessem as copias da acusação contra os clientes.

CC: A ordem assumiu a defesa da advogada Eloisa Samy. A atividade dela teve algum problema?

FSC: Nós, da ordem, não verificamos qualquer problema no exercício dela da advocacia. Todos os especialistas que avaliaram isso aqui dentro concordam, nenhum verificou prática de ilegalidade. Ela exerceu a profissão, não é nem claro o crime que se pratica a ela. Não há precisão nos crimes que são imputados à advogada.

CC: Samy chegou a pedir asilo ao Uruguai, que foi negado. Como o senhor avalia este pedido?

FSC: Eu, pessoalmente, acho que é incabível. Temos que lutar em um estado democrático, contra o que é fora do paradigma legal, mas há meios para isso. O país funciona regularmente, na maior parte do tempo. Achei exagerado.

CC: Quais atitudes a OAB deve tomar contra isso?

FSC: Isso é um crime de abuso de autoridade. Como nós vamos proceder, a gente não decidiu. Estão tentando misturar o papel da ordem com o da advocacia. Não somos contra a investigação, deve haver punição a quem tiver que ser punido. Mas outra coisa é criminalizar a defesa e usar contra as pessoas, ninguém é obrigado a fazer prova contra si.

A OAB não tem problema de ficar em posição impopular ou ser crítica. Parte da opinião publica já criminalizou essas pessoas, porque parte do movimento black bloc tirou pessoas das ruas. Agora, quando a autoridade fala que vai fazer algo contra isso, a opinião pública acha que vale fazer qualquer coisa.

CC: O senhor falou que as ações da Justiça carioca não cabem em um estado de direito. Como vê a comparação que algumas pessoas fazem com a ditadura?

FSC: Perdi meu pai numa ditadura. Então acho um exagero, uma figura de linguagem exagerada. Agora, verdade que por ignorância ou não, várias pessoas desse inquérito escrevem coisas que lembram os habeas datas do meu pai. Tem peças que a polícia perde a mão, e aí vira polícia política. Não cabe a polícia verificar quem se manifesta contra o governo. Mas na democracia temos instrumentos para mudar isso, e liberdade de imprensa.

CC: Advogados em outros estados tem tido problemas semelhantes e reclamado que suas prerrogativas não estão sendo respeitadas. O senhor acha que este é um problema da advocacia em todo o país?

FSC: O autoritarismo sempre esteve dentro desse espírito do poder público brasileiro. A diferença agora é que existe um ritmo da mídia que é diferente do ritmo do processo, e um pré-julgamento perigoso que prejudica a advocacia. A advocacia boa tem que se preparar para esses termos.

Ainda não há um convencimento de toda a sociedade brasileira de abandonar um passado autoritário, que pede a punição imediata. Então é uma batalha permanente.

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