Política
Workaholics de todo o mundo, uni-vos!
A sociedade comprou a ilusão de bem-estar proporcionada pelas maravilhas tecnológicas que nos permitem estar virtualmente presentes no escritório em qualquer horário. Não é bem assim
Contos do vigário, em todas as modalidades conhecidas, baseiam-se sempre no mesmo enredo: uma vantagem, em geral indevida, é oferecida a alguém em troca de algo. No fim, a vítima percebe ter pago demais ou recebido de menos. Nesse embrulho, à moda de bilhete premiado, a sociedade comprou a ilusão de bem-estar proporcionada pelas maravilhas tecnológicas que nos permitem estar virtualmente presentes no escritório a partir de qualquer lugar e em qualquer horário.
Ao sancionar, no apagar das luzes de 2011, uma lei que permite à Justiça reconhecer como trabalho efetivo as atividades realizadas pelo empregado fora do ambiente profissional, a presidenta Dilma Rousseff se mostrou, mais uma vez, alinhada à mudança no eixo do capitalismo mundial que se anuncia desde a crise financeira de 2008. À parte a cegueira ideológica, está mais do que evidente para todos, hoje, a falta de limites para o apetite de acumulação de riqueza no universo corporativo.
A filosofia do trabalho à distância serviu como uma luva aos propósitos dos anos 1990, os tempos do downsizing e da flexibilização das leis trabalhistas (onda na qual o Brasil, felizmente, ainda não surfou). De um lado, vendia-se a ideia de que quase todos poderíamos um dia trabalhar de casa, munidos de apetrechos que nos manteriam constantemente conectados. Enquanto isso, as empresas eliminavam postos de trabalho e aumentavam a “produtividade” dos funcionários remanescentes, a quem restava alargar o expediente e acumular as funções dos ex-colegas.
A depender de como se vê a situação, ela parece até cômoda: para quê terminar antes do fim do expediente aquele aborrecido relatório que o chefe pediu para ontem, e você topou fazer, mesmo sabendo que o prazo era curto? Dá para fazer em casa, depois que as crianças dormirem, e assim provar sua lealdade à empresa.
E foi assim, nessa espécie de acordo tácito, que nos acostumamos a misturar a rotina do trabalho com a do lar. Quantos nunca tomaram decisões profissionais importante no trânsito, entre a escola dos filhos e o escritório, enviaram e-mails durante a festa de escola das crianças ou trocaram o romance de cabeceira pelo notebook?
O Ipea trabalha, há algum tempo, em uma extensa pesquisa para medir o tamanho da invasão da vida privada pelo trabalho entre os brasileiros. No ano passado, o presidente do instituto, Márcio Pochmann, citou em artigo um trabalho internacional que mostrava que o descanso de fim de semana dos ingleses se reduzira de 48 para 27 horas. Se alguém “perdeu” essas horas, é porque alguém as ganhou, não?
À época, procurei Pochmann para falar sobre o assunto, e desse papo nasceu uma reportagem de capa de CartaCapital, intitulada A jornada sem fim. “O funcionário que recebe da empresa um celular, ou um notebook, vê o objeto como um sinal de status, e não percebe que tudo isso é trabalho, gera um valor que muitas vezes é repartido. O Estado não tributa, os sindicatos tampouco se dão conta dessa situação, o que favorece a concentração de riqueza e poder nas mãos das empresas”, explicou o especialista.
Vale lembrar, como descrevi na reportagem, que essa primeira conversa com Pochmann ocorreu numa noite de quarta-feira, após o expediente. Enquanto ele esperava o embarque num saguão de aeroporto, eu estava fechado no quarto torcendo para que meu entrevistado não ouvisse os chamados de meu filho pequeno, que queria brincar com o papai. Ossos do ofício? Ok, mas que sejam exceção, e não regra.
É até possível, como argumentam as entidades de classe empresariais, que a nova legislação traga mais confusão a uma área já nebulosa. Mas creio, sinceramente, que dessa discussão podem sair novas regras de etiqueta profissional a estabelecer limites mais claros para ambos os lados da relação de trabalho.
Em reportagem sobre o tema, a Folha de S. Paulo conta que a Volkswagen, na Alemanha, aboliu o envio de e-mails profissionais aos funcionários fora do expediente. Não custa lembrar que aquele país se destaca entre os vizinhos europeus pela alta produtividade de sua indústria e pela robustez da economia no continente mais atingido pela crise. Que ninguém se engane: não é essa trégua aos trabalhadores que irá torná-los menos competitivos.
Contos do vigário, em todas as modalidades conhecidas, baseiam-se sempre no mesmo enredo: uma vantagem, em geral indevida, é oferecida a alguém em troca de algo. No fim, a vítima percebe ter pago demais ou recebido de menos. Nesse embrulho, à moda de bilhete premiado, a sociedade comprou a ilusão de bem-estar proporcionada pelas maravilhas tecnológicas que nos permitem estar virtualmente presentes no escritório a partir de qualquer lugar e em qualquer horário.
Ao sancionar, no apagar das luzes de 2011, uma lei que permite à Justiça reconhecer como trabalho efetivo as atividades realizadas pelo empregado fora do ambiente profissional, a presidenta Dilma Rousseff se mostrou, mais uma vez, alinhada à mudança no eixo do capitalismo mundial que se anuncia desde a crise financeira de 2008. À parte a cegueira ideológica, está mais do que evidente para todos, hoje, a falta de limites para o apetite de acumulação de riqueza no universo corporativo.
A filosofia do trabalho à distância serviu como uma luva aos propósitos dos anos 1990, os tempos do downsizing e da flexibilização das leis trabalhistas (onda na qual o Brasil, felizmente, ainda não surfou). De um lado, vendia-se a ideia de que quase todos poderíamos um dia trabalhar de casa, munidos de apetrechos que nos manteriam constantemente conectados. Enquanto isso, as empresas eliminavam postos de trabalho e aumentavam a “produtividade” dos funcionários remanescentes, a quem restava alargar o expediente e acumular as funções dos ex-colegas.
A depender de como se vê a situação, ela parece até cômoda: para quê terminar antes do fim do expediente aquele aborrecido relatório que o chefe pediu para ontem, e você topou fazer, mesmo sabendo que o prazo era curto? Dá para fazer em casa, depois que as crianças dormirem, e assim provar sua lealdade à empresa.
E foi assim, nessa espécie de acordo tácito, que nos acostumamos a misturar a rotina do trabalho com a do lar. Quantos nunca tomaram decisões profissionais importante no trânsito, entre a escola dos filhos e o escritório, enviaram e-mails durante a festa de escola das crianças ou trocaram o romance de cabeceira pelo notebook?
O Ipea trabalha, há algum tempo, em uma extensa pesquisa para medir o tamanho da invasão da vida privada pelo trabalho entre os brasileiros. No ano passado, o presidente do instituto, Márcio Pochmann, citou em artigo um trabalho internacional que mostrava que o descanso de fim de semana dos ingleses se reduzira de 48 para 27 horas. Se alguém “perdeu” essas horas, é porque alguém as ganhou, não?
À época, procurei Pochmann para falar sobre o assunto, e desse papo nasceu uma reportagem de capa de CartaCapital, intitulada A jornada sem fim. “O funcionário que recebe da empresa um celular, ou um notebook, vê o objeto como um sinal de status, e não percebe que tudo isso é trabalho, gera um valor que muitas vezes é repartido. O Estado não tributa, os sindicatos tampouco se dão conta dessa situação, o que favorece a concentração de riqueza e poder nas mãos das empresas”, explicou o especialista.
Vale lembrar, como descrevi na reportagem, que essa primeira conversa com Pochmann ocorreu numa noite de quarta-feira, após o expediente. Enquanto ele esperava o embarque num saguão de aeroporto, eu estava fechado no quarto torcendo para que meu entrevistado não ouvisse os chamados de meu filho pequeno, que queria brincar com o papai. Ossos do ofício? Ok, mas que sejam exceção, e não regra.
É até possível, como argumentam as entidades de classe empresariais, que a nova legislação traga mais confusão a uma área já nebulosa. Mas creio, sinceramente, que dessa discussão podem sair novas regras de etiqueta profissional a estabelecer limites mais claros para ambos os lados da relação de trabalho.
Em reportagem sobre o tema, a Folha de S. Paulo conta que a Volkswagen, na Alemanha, aboliu o envio de e-mails profissionais aos funcionários fora do expediente. Não custa lembrar que aquele país se destaca entre os vizinhos europeus pela alta produtividade de sua indústria e pela robustez da economia no continente mais atingido pela crise. Que ninguém se engane: não é essa trégua aos trabalhadores que irá torná-los menos competitivos.
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