Política
Voto casado
Os candidatos do campo progressista agarram-se a Lula para deslanchar na reta final da campanha


Segundo maior colégio eleitoral do Brasil, com quase 42 milhões de votantes, o Nordeste firmou-se como a região onde, historicamente, o campo progressista tem seu melhor desempenho nas disputas estaduais. Agora, essa hegemonia está ameaçada, embora o ex-presidente Lula, do PT, continue liderando com folga em todas as pesquisas de intenções de voto para presidente, com 61% nas preferências do eleitorado. O favoritismo não tem, porém, favorecido os candidatos a governador apoiados pelo líder petista.
Dos nove estados nordestinos, os lulistas só aparecem à frente nas pesquisas em três: Rio Grande do Norte, com Fátima Bezerra (PT), Alagoas, com Paulo Dantas (MDB), e Maranhão, com Carlos Brandão (PSB). Em estados importantes, como Bahia, Ceará e Piauí, onde o PT está no comando há muitos anos, os candidatos de Lula enfrentam dificuldade para emplacar seus nomes e correm contra o tempo para reverter a desvantagem até 2 de outubro. A estratégia, na reta final, é colar ainda mais o palanque estadual à imagem de Lula, a fim de induzir o eleitor ao chamado “voto casado”.
Um dos maiores desafios é reverter a situação na Bahia, onde o PT governa desde 2007 e seu candidato, Jerônimo Rodrigues, está 21 pontos atrás do primeiro colocado, o ex-prefeito de Salvador ACM Neto, do União Brasil. Apesar da grande diferença, o cenário já foi pior. Em pesquisa Datafolha divulgada na quarta-feira 14, Rodrigues aparece com 28%, 12 pontos porcentuais a mais que o levantamento anterior, do fim de agosto. ACM Neto, por sua vez, caiu de 54% para 49%. Já o bolsonarista João Roma, do PL, continua estagnado, com parcos 7% das intenções de voto.
O ex-presidente possui, em média, 61% das intenções de voto na região
Caso o cenário seja mantido, a eleição pode ser liquidada no primeiro turno. Rodrigues acredita, porém, na força de Lula para chegar ao segundo turno. “Quando as pessoas entendem que sou o único candidato de Lula na Bahia, fazem a escolha pelo voto casado. A avaliação de Rui Costa, que tem aprovação de cerca de 80% dos baianos, é outro fator que tem fortalecido a nossa candidatura”, justifica o petista, lembrando que, nas últimas eleições, as pesquisas indicavam derrota dos candidatos petistas ao governo e as urnas deram vitória ao partido logo no primeiro turno.
Cláudio André de Souza, cientista político e professor da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), avalia que a tendência é o candidato petista crescer ainda mais. Mas ele aponta ao menos três motivos que colocam ACM Neto como favorito. O primeiro é o desconhecimento, por parte do eleitor, em relação a Jerônimo Rodrigues, ex-secretário de Educação do governo Rui Costa. Em oposição, ACM Neto desfruta de uma ampla visibilidade por ter sido ex-prefeito de Salvador por dois mandatos, deixou o governo com alta aprovação, fez seu sucessor e ainda elegeu prefeitos em grandes colégios eleitorais no estado, como Feira de Santana, Camaçari e Vitória da Conquista. Além disso, o candidato do União Brasil está há dois anos em campanha, desde que deixou a prefeitura, percorrendo todo o estado para amarrar alianças.
Em segundo lugar, o nome de Rodrigues para a disputa só surgiu em março deste ano, depois da desistência de Jaques Wagner de concorrer novamente ao posto, gerando um racha na aliança que governa a Bahia e levando o PP do vice-governador João Leão para o palanque de ACM Neto. Somando-se a esses dois fatores, conta ainda a favor do ex-prefeito o discurso moderado que ele resolveu adotar em relação a Lula, de olho no peso eleitoral do petista no estado. “Não existe isso de que o governador tem de ser do mesmo partido do presidente. Eu vou trabalhar com o próximo presidente do Brasil, seja quem for. Vamos acabar com essa história”, discursou o ex-prefeito de Salvador, em comício na noite da terça 12, no município de São Francisco do Conde. “Em nenhum momento ACM Neto partiu para o confronto, nem mesmo com o governo de Rui Costa. Ele sabe da força do 13”, explica Souza.
Continuidade. No Ceará, Elmano de Freitas explora a boa avaliação do governo de Camilo Santana – Imagem: Redes sociais
No Piauí e no Ceará, os candidatos petistas também apostam todas as fichas em Lula, para garantir vaga no segundo turno. São dois estados com um amplo legado petista e que contam com o peso de ex-governadores bem avaliados e que disputam vagas para o senado, Wellington Dias e Camilo Santana, respectivamente. Depois da implosão da aliança entre PT e PDT que governava o Ceará por 16 anos, o nome petista ao governo, Elmano de Freitas, só foi lançado há pouco mais de um mês e não é ainda muito conhecido pelo eleitorado. Disputa a segunda colocação com o pedetista e ex-prefeito de Fortaleza Roberto Cláudio. Os dois aparecem tecnicamente empatados em todas as pesquisas, atrás de Capitão Wagner, do União Brasil, candidato que tenta se descolar de Bolsonaro, mas com histórico bolsonarista.
Na pesquisa Ipec de 9 de setembro, Capitão Wagner liderava com 35%, Freitas tinha 22% e Cláudio 21%. No Real Time Big Data do dia 12, o petista pontuava 26% e o pedetista 22%, enquanto o candidato do União Brasil tinha 36%, números similares ao Ipespe do dia 13: Capitão Wagner 36%, Freitas 23% e Cláudio 22%. Além do prestígio de Lula, que lidera com 57% das intenções de voto no Ceará, a campanha de Freitas aposta na liderança de Camilo Santana, que aparece com mais de 60% das preferências do eleitorado para senador. “O racha entre PT e PDT criou dois grupos que disputam a base governista. Elmano tem um palanque muito forte, o de Lula e Camilo, e tenho observado que essas movimentações têm começado a dar resultado. Elmano apresenta-se como candidato da continuidade, como herdeiro do Camilo, como verdadeiro nome governista”, salienta a socióloga Monalisa Torres, professora da Universidade Estadual do Ceará.
A pesquisadora destaca também a dificuldade enfrentada por Roberto Cláudio, candidato de Ciro Gomes, do PDT, terceiro lugar na disputa presidencial entre os cearenses, atrás até mesmo de Bolsonaro. Ela lembra que o nome de Cláudio não é consenso no PDT, nem mesmo no clã Ferreira Gomes. Cid e Ivo, irmãos de Ciro, preferiam a manutenção da aliança com o PT e, para isso, defendiam a indicação da governadora Izolda Cela para a reeleição. Depois de ser preterida, Cela desfiliou-se do PDT.
Em alguns estados, Lula conta com dois palanques: o da aliança local e o “extraoficial”
No Piauí, a queda de braço se dá entre o petista Rafael Fonteles, candidato de Lula, e de Wellington Dias, e Sílvio Mendes, do União Brasil, cujo principal padrinho é o ministro da Casa Civil de Bolsonaro, Ciro Nogueira. Há um choque nos números das pesquisas no Estado. No Ipec do dia 12, Mendes aparece com 43% e Fonteles com 29%. Na mesma data, o Instituto Amostragem divulgou um estudo em que o petista tem uma leve vantagem em relação Mendes, 38% e 36,75%, respectivamente. No DataMax, Fonteles também aparece na frente, com 40,95%, e Mendes pontua 36,85%. Segundo o Instituto Census, o candidato de Lula tem 35,07% das intenções de voto, porcentual que chega a 45,35% quando o nome dele é associado ao ex-presidente. Mendes aparece com 30,10%. “O resultado do Ipec destoa dos dados aferidos pelos demais institutos, com reconhecida credibilidade”, diz Chico Lucas, coordenador-geral da campanha.
“O tempo é um recurso precioso para Rafael Fonteles, pois, quanto mais ele consegue convencer os eleitores de que é o candidato de Lula, mais tende a subir nas pesquisas. Já para Sílvio Mendes, o foco é estadualizar a disputa, ou seja, tratar a eleição como um processo que acontece exclusivamente no Piauí. O problema é que o nosso modelo incentiva estratégias eleitorais e de campanha alinhadas. Lula, definitivamente, é um excelente ativo para a candidatura petista no estado. Rafael nunca foi candidato a cargos eletivos, diferentemente de Sílvio Mendes, que já foi prefeito de Teresina e candidato derrotado ao governo do estado”, avalia o cientista político Vítor Sandes, professor da Universidade Federal do Piauí. Wellington Dias lidera com folga a disputa para senador, com a média de 50% das preferências, e faz campanha casada para eleger Fonteles.
Luciana Santana, cientista política da Universidade Federal de Alagoas e integrante do Observatório das Eleições, classifica a disputa no Nordeste como atípica, considerando que candidatos ao Senado são puxadores de voto. E que essa falta de protagonismo dos cabeças de chapa tem levado o presidente Bolsonaro a tentar avançar na região, que é majoritariamente progressista, ainda que continue em desvantagem. Para ele, o que avançar é lucro. “Bolsonaro tenta minar a força do PT e isso está acontecendo de forma clara no Ceará, no Piauí e em Sergipe. O que não minimiza o papel de Lula, até porque os problemas dos candidatos nos estados são muito locais também, da própria articulação dos nomes para a disputa, um problema sério no Brasil, que é a renovação de lideranças. E ela precisa acontecer de forma mais antecipada, não apenas no período eleitoral.”
Queda de braço. No Piauí, Fonteles apoia-se em Lula e Dias para superar Sílvio Mendes, aliado de Ciro Nogueira – Imagem: Redes sociais
“Para entender a articulação entre os níveis nacional e local, ou regional, é preciso considerar uma das grandes dificuldades do federalismo brasileiro, que é marcado por assimetrias, por desigualdades, inclusive socioeconômicas. O segundo ponto é jogar luz para a dinâmica dos agrupamentos políticos em configurações específicas, se eles são fragmentados ou se têm uma grande concentração”, completa a socióloga Fernanda Rios Petrarca, da Universidade Federal de Sergipe, estado onde Lula tem 54% das intenções de voto. Lá, o candidato petista ao governo do estado é Rogério Carvalho, que briga com Fábio Mitidieri, do PSD, pelo segundo lugar nas pesquisas. Na Ipec do fim de agosto, Carvalho tinha 12% e o pessedista 16%. O candidato de Bolsonaro, Valmir de Francisquinho, do PL, aparece no levantamento com 29%, mas ele teve sua candidatura cassada pela Justiça Eleitoral, deixando o cenário em Sergipe indefinido.
Em Pernambuco e Paraíba, Lula tende a sair vitorioso, até porque o petista dispõe de dois palanques, um oficial e outro extraoficial. Marília Arraes, do Solidariedade, é a preferida dos pernambucanos, com 35% das intenções de voto, enquanto o candidato lulista, Danilo Cabral, do PSB, tem 12%, disputando a segunda colocação com o bolsonarista Anderson Ferreira, com 13%. Os dados são do Ipespe de 13 de setembro. “As alianças políticas num estado federativo não guardam simetria política, obedecem a outros critérios locais, a interesses, cálculos e conveniências eleitorais”, explica o cientista político Michel Zaidan, da Universidade Federal de Pernambuco.
Na Paraíba, o governador João Azevedo também não é o candidato de Lula, mas faz campanha casada com o presidenciável. Pontua 32%, segundo a pesquisa Ipec do fim de agosto, enquanto Veneziano Vital do Rêgo, do MDB e apoiado por Lula, tem 14%. Ele empata tecnicamente com o tucano Pedro Cunha Lima (16%) e o bolsonarista Nilvan Ferreira (15%). “O que houve foi um retardamento na percepção das pessoas no reconhecimento da candidatura de Veneziano como a do campo popular, apoiado por nós, pelo Lula e por mim”, justifica Ricardo Coutinho, do PT, ex-governador e candidato a senador, que lidera as pesquisas com 30%. “De alguma maneira, as candidaturas tanto de João Azevedo quanto de Veneziano Vital estão dentro do espectro da aliança de Lula. Se computarmos as intenções de voto dos dois, chegaríamos então na casa dos 46%, muito próximo dos 50% de indicações de voto em Lula apresentados na última pesquisa. Há uma verossimilhança entre as escolhas estaduais e nacional na Paraíba, e não um descompasso”, pontua José Artigas, cientista político e professor da UFPB. •
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1226 DE CARTACAPITAL, EM 21 DE SETEMBRO DE 2022.
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Muita gente esqueceu o que escreveu, disse ou defendeu. Nós não. O compromisso de CartaCapital com os princípios do bom jornalismo permanece o mesmo.
O combate à desigualdade nos importa. A denúncia das injustiças importa. Importa uma democracia digna do nome. Importa o apego à verdade factual e a honestidade.
Estamos aqui, há 30 anos, porque nos importamos. Como nossos fiéis leitores, CartaCapital segue atenta.
Se o bom jornalismo também importa para você, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal de CartaCapital ou contribua com o quanto puder.
Leia também

Mulheres e nordestinos são os eleitores que mais reprovam Bolsonaro, mostra PoderData
Por Getulio Xavier
Petróleo reaparece no Nordeste: Quais perguntas a mídia deixou de fazer?
Por Iara Moura, Nataly Queiroz, Patrícia Paixão de Oliveira Leite e Paulo Victor Melo
Obras do governo Bolsonaro são abandonadas e não levam água ao Nordeste, revela jornal
Por CartaCapital