Política

Violência política no Brasil preocupa ONU, alerta representante para a América do Sul

Um levantamento recente da UniRio mostrou que os casos de violência política no Brasil cresceram 335% nos últimos três anos

Jan Jarab, representante de Direitos Humanos da ONU para a América do Sul. Foto: Divulgação/ACNUDH América del Sur
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O cenário de polarização política no Brasil é motivo de grande preocupação das Nações Unidas, que vêm mantendo diálogos com as instituições do país para tentar reduzir a incidência de crimes e ataques, principalmente neste ano eleitoral. É o que revela Jan Jarab, representante de Direitos Humanos da ONU para a América do Sul.

Um levantamento recente da UniRio mostrou que os casos de violência política no Brasil cresceram 335% nos últimos três anos. Só no primeiro semestre desse ano, 45 lideranças políticas foram assassinadas e, ao todo, 214 casos de violência foram identificados. Há pouco mais de uma semana, um tesoureiro do PT foi assassinado por um apoiador do presidente Jair Bolsonaro. O fato, além de reforçar as estatísticas, acende o alerta para o ambiente de tensões no país.

No início do ano, a ONU chegou a encaminhar um comunicado às autoridades brasileiras alertando para a escalada de violência eleitoral e política. No texto, especialistas independentes manifestaram preocupação com episódios de agressões e ameaças, especialmente contra representantes afrodescendentes. Jan Jarab explica que foram solicitadas informações sobre as medidas tomadas para garantir que as pessoas defensoras dos direitos humanos, em particular aquelas que trabalham para combater o racismo, a discriminação, o sexismo, ou a discriminação baseada na orientação sexual e identidade de gênero possam trabalhar sem violência nem ameaças.

“A ONU tem diversas instituições e mecanismos independentes de direitos humanos que formam seções como a relatoria especial sobre formas contemporâneas de racismo, discriminação racial, homofobia e intolerância, o grupo de trabalho sobre afrodescendentes e a relatoria sobre a liberdade de opinião e expressão. Esses são os mecanismos formados por especialistas, que têm mandatos específicos, não pertencendo a uma estrutura do secretariado das Nações Unidas, mas que demostraram preocupação por meio de uma carta de alegação quanto a ameaças e situações de violência política perpetradas principalmente contra mulheres negras e trans no Brasil”, explica Jarab.

O representante da ONU conta que, além do alerta feito pelos especialistas independentes, o relator especial sobre a liberdade de reunião pacífica e de associação da organização, Clément Voule, fez uma visita oficial ao Brasil em março desse ano e manifestou preocupação com o ambiente polarizado.

“O contexto de ameaças, intimidações e violências, incluindo ameaças de morte contra candidatos, chamou sua atenção, e ele demonstrou ainda mais preocupação ao saber que o Brasil adotou recentemente uma legislação para facilitar o acesso às armas. Afirmou que quase todos os interlocutores demonstraram fortes preocupações com a violência em potencial durante o período eleitoral devido ao maior acesso às armas e munições. E, finalmente, nosso escritório também tem observado o aumento dos casos de violência política, e como isso afeta os grupos socialmente minoritários, como pessoas negras, mulheres, indígenas, LGBT’s e pessoas defensoras dos diretos humanos.”

“Essas ameaças não podem ficar na impunidade”

Perguntado sobre a reação do governo brasileiro aos alertas da ONU, Jarab declarou que existe um diálogo, mas que não pode dar detalhes sobre documentos que não são públicos. Ele informa, no entanto, que a ONU vem conversando ainda com os poderes Legislativo e Judiciário, também importantes nesse contexto.

“Recentemente, quando visitei o Brasil, me reuni com o ministro [Luís Roberto] Barroso, do Supremo Tribunal Federal. Temos também uma cooperação já institucionalizada com a Câmara dos Deputados, com sua comissão de direitos humanos e minorias. Então estamos em diálogo com todos os três poderes. Também é importante mencionar, nesse caso, o Ministério Público, porque essas ameaças não podem ficar na impunidade. Evidentemente que quando ocorre um assassinato, como esse crime terrível que aconteceu há alguns dias, há uma investigação, mas muitas ameaças, como as que ocorrem nas redes sociais, com discurso de ódio, estão em impunidade total. Nesse contexto, eu quero expressar a firme condenação do nosso escritório a esse recente homicídio, do Marcelo Arruda, militante do PT, no dia 10 de julho”, destacou.

Jarab fez ainda um pedido para que os ânimos se acalmem e que as atitudes sejam responsáveis, especialmente para lidar com a grande polarização. Em sua opinião, é exatamente a polarização a responsável pelo aumento da incidência de ameaças e ataques políticos. Ele explica ainda que não é possível afirmar se as Nações Unidas vão enviar novos alertas ao governo ou não, mas que a organização vai seguir atuando, construindo um diálogo com a sociedade civil e com as autoridades dos três poderes para que se cumpram as recomendações feitas por mecanismos internacionais e por comitês de direitos humanos.

“No ano passado tivemos 27 audiências públicas temáticas e vamos seguir cooperando com os nossos interlocutores da Câmara dos Deputados. Mas, evidentemente, a violência política é um tema muito importante e muito grave em ano eleitoral, mas não é o único. Temos também muita preocupação quanto à violência contra povos indígenas e há ainda a violência no contexto policial. Nos últimos anos no Brasil, a letalidade policial, que já era alta, aumentou, especialmente nas intervenções nas favelas, no Rio de Janeiro e outras cidades, e essa é também uma questão de muita preocupação”, finaliza Jarab.

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