Política

Silêncio de Cid frustra estratégia de governistas, mas quebras de sigilo dão ânimo

Base de Lula queria convencer o militar a fazer um relato que contaminasse terceiros

Cid deverá tratar das informações fornecidas pelo ex-comandante do Exército, Freire Gomes. Foto: Roque de Sá/Agência Senado
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O silêncio do tenente-coronel Mauro Cid na CPMI do 8 de Janeiro, nesta terça-feira 11, frustrou a estratégia que alguns governistas haviam traçado em reunião da base na véspera.

Sob a tese de que Cid foi abandonado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), parlamentares cogitaram convencer o militar a não assumir sozinho as responsabilidades a ele atribuídas.

Ex-chefe da Ajudância de Ordens do último governo, Cid está preso desde 3 de maio por acusações de fraude em cartões de vacinação da Covid-19, tanto o dele próprio quanto o de familiares e o de Bolsonaro.

Ele foi convocado como testemunha pela CPMI porque a Polícia Federal apreendeu conversas virtuais de teor golpista mantidas com o coronel Jean Lawand Júnior, que já depôs aos parlamentares.

Segundo uma das avaliações feitas à reportagem, Bolsonaro tem a difícil tarefa de não se associar a Cid, enquanto precisa agir para que o tenente-coronel não decida comprometê-lo em seus relatos.

Por isso, o ex-presidente atua em duas frentes. Em maio, disse “cada um siga a sua vida” ao se referir a Cid, gesto interpretado como desamparo ao ex-braço direito. Por outro lado, seus advogados compareceram à CPMI para demonstrar apoio ao militar.

Para governistas, as declarações públicas de Fábio Wajngarten em favor de Cid demonstram a preocupação de Bolsonaro em manter os afagos ao tenente-coronel para não se prejudicar. Esse jogo duplo dá a esperança de que, em algum momento, o militar ceda informações relacionadas a Bolsonaro.

O tenente-coronel Mauro Cesar Barbosa Cid na CPMI. Foto: Bruno Spada / Câmara dos Deputados

Ao se manter em silêncio, Cid, alvo de oito inquéritos, baseou-se em decisão da ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, em atendimento a um habeas corpus. A magistrada permitiu que ele ficasse calado se fosse questionado sobre temas que poderiam incriminá-lo.

Apesar da ressalva, o tenente-coronel levou a decisão ao ápice e se negou até mesmo a informar a sua idade, após questionamento da deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ).

Diante da postura, o presidente da CPMI, Arthur Maia (União-BA), prometeu denunciá-lo ao STF por descumprimento das condições impostas por Cármen Lúcia.

Ao contrário de quem disse que o projeto de convencê-lo a falar não funcionou, alguns parlamentares da base do governo minimizaram a surpresa e disseram já prever que ele se recusaria a responder a perguntas. Além disso, reforçaram a defesa ao direito constitucional exercido por Cid de se manter calado.

Segundo essas impressões, o resultado político de se recusar a argumentar publicamente para se proteger seria, no fim das contas, depor contra si mesmo.

Arthur Maia (União-BA) e Eliziane Gama (PSD-MA), presidente e relatora da CPMI. Fotos: Divulgação

Em determinado momento da sessão, o deputado federal Henrique Vieira (PSOL-SP) evidenciou a tentativa de mostrar a Cid que estava sendo abandonado por Bolsonaro ao chamá-lo de “bode expiatório”.

“Defender-se agora, na minha opinião, é dizer a verdade sobre todas as pessoas que participaram disso, porque o senhor está deixando de ser fiel assessor para bode expiatório”, persuadiu o deputado. “Na minha opinião, quanto mais responsabilidade sobre o senhor, maior a sua pena. Quanto mais o senhor reconhecer uma arquitetura política e coletiva, menor a sua pena.”

Com a carência de informações cedidas pelo militar, Vieira recorreu a outra tentativa: apegar-se ao discurso inicial de Cid, em que apresentou o próprio currículo e descreveu as atribuições de um ajudante de ordens.

Na ocasião, Cid frisou que atuava como um secretário-executivo do presidente, na execução de agendas, recepção em reuniões, atendimento de ligações, recebimento de correspondências, impressão de documentos e auxílio em almoços, viagens e demais atividades pessoais.

O militar também salientou que não participava nem questionava o conteúdo das agendas de Bolsonaro e acrescentou que não avaliava temas da gestão pública.

Para Vieira, a sustentação de Cid vinculou os seus atos às ordens de Bolsonaro, mas uma das avaliações colhidas pela reportagem na base do governo considerou que a tese é difícil de ser emplacada.

“Se a investigação concluir que há crime cometido por ele [Mauro Cid], esse primeiro parágrafo de hoje se torna fundamental, porque ele está dizendo para nós: não estou sozinho, não tinha competência de ir para além disso, eu estava cumprindo ordens. Talvez o parágrafo inicial seja histórico”, considerou Vieira.


Quebras de sigilo engrena CPMI

Governistas dizem ter mais motivos para comemorar com a aprovação de requerimentos de quebras de sigilo do que propriamente com o depoimento de Cid.

Segundo um dos membros da CPMI, os trabalhos até agora tinham como maioria dos subsídios as informações da imprensa, além dos dados concedidos pela Agência Brasileira de Inteligência.

Houve queixas de que a CPMI estaria funcionando ao contrário: em vez de recolher dados dos investigados e testemunhas antes de inquiri-los, os depoentes faziam seus relatos sem que os parlamentares tivessem as informações necessárias.

Uma das explicações é que a CPMI acreditava que já seria satisfatória a obtenção das cópias dos processos do STF. Depois, percebeu que os dados eram insuficientes. Segundo essa avaliação, o atraso não atrapalhou os avanços, porque “os trabalhos continuaram andando”.

Outro diagnóstico, no entanto, é que a demora para aprovar esses requerimentos teria impedido a CPMI de engrenar. Além disso, a falta de estudos prévios para as oitivas teria facilitado que depoentes relevantes apresentassem mentiras. Até agora, já compareceram à CPMI figuras como Silvinei Vasques, ex-chefe da PRF, e Jean Lawand Júnior, militar que aparece em diálogos golpistas.

São alvos dos requerimentos aprovados nesta terça:

  • Mauro Cid e oito funcionários do gabinete de Bolsonaro: quebra de sigilos telemáticos do tenente-coronel e mais oito funcionários;
  • Silvinei Vasques: quebra de sigilos bancário, fiscal, telefônico e telemático;
  • Jean Lawand Júnior: quebra de sigilos telefônico e telemático;
  • George Washington Sousa, responsável por tentativa de atentado a bomba em Brasília: quebra de sigilos bancário, fiscal e telefônico.

O ex-presidente Jair Bolsonaro. Foto: Sergio Lima/AFP

Deputada quer a convocação de Bolsonaro

Por um acordo de Arthur Maia com os governistas e a oposição, a CPMI não votou convocações para depoimentos nesta terça. Novas apreciações devem ocorrer somente após o recesso parlamentar.

Isso porque não havia consenso entre os parlamentares sobre os nomes propostos para as oitivas, o que demandaria discussões de cada sugestão, em uma sessão específica. Com o interesse da relatora Eliziane Gama (PSD-MA) de antecipar a apreciação das quebras de sigilo, Maia decidiu realizar votação simbólica antes do depoimento de Cid, sob a condição de não aprovar qualquer oitiva.

Contudo, na sessão de Mauro Cid, a deputada Erika Hilton (PSOL-SP) reivindicou a convocação de Bolsonaro como investigado, a partir de um requerimento que apresentou no mês passado. O comparecimento de Bolsonaro também foi sugerido pelo deputado Rogério Correia (PT-MG), mas por meio de um convite.

A jornalistas, a relatora disse avaliar que ainda não é o momento de convocá-lo.

A impressão é compartilhada por parlamentares da base. O entendimento é de que falta reunir os dados das quebras de sigilo para aumentar o arsenal contra o ex-presidente na inquirição. Além disso, os congressistas temem que a população ainda não tenha clareza sobre a ligação do ex-capitão com os atos.

Até o momento, os depoimentos mais esperados são os dos ex-ministros Anderson Torres (Justiça) e Gonçalves Dias (Gabinete de Segurança Institucional). Enquanto a expectativa dos governistas recai sobre o Torres, os bolsonaristas insistem pelos depoimentos de Dias e de aliados do presidente Lula (PT).

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