Diversidade

Semana da Visibilidade Trans é marcada por episódios de violência política contra vereadoras

Erika Hilton e Carolina Iara foram intimidadas no gabinete e em casa. ‘Quando ousamos sair das esquinas, somos alvos de ódio’, diz Hilton

Candidata a vereadora em São Paulo, Erika Hilton. Foto: reprodução.
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Dois episódios de violência contra vereadoras de São Paulo ocorridos nesta semana tiveram um fator comum: tanto Erika Hilton quanto Carolina Iara, ambas do PSOL, são mulheres transgênero eleitas com fortes bandeiras de defesa dos direitos da população LGBT+. Dentro de casa ou do gabinete, elas não foram poupadas de serem alvos no País que mais mata trans e travestis no mundo.

Carolina dormia em casa com a mãe e o irmão quando ao menos dois tiros foram disparados. Os projéteis ficaram alojados na parede e no muro. Já Hilton precisou se esconder dentro do próprio gabinete ao perceber uma movimentação alterada de um homem que a procurava. A assessora da parlamentar conseguiu convencer o homem, que usava uma máscara com os dizeres “Deus é fiel”, a deixar uma carta. Nela, ele admite ter ofendido Erika nas redes sociais.

Para Hilton, que foi a vereadora mais votada em todo o Brasil nas eleições 2020, o episódio de perseguição – que não é inédito em 2021 – mostra como os movimentos de ódio das redes sociais não se resumem a meros xingamentos, mas provas da polarização político-ideológica alimentada contra minorias.

“Quando ousamos sair das esquinas, do cárcere, do anonimato, da prostituição, nós somos alvo de um ódio que não tem explicação”, afirma Hilton. “Isso mostra a importância de nós pautarmos a visibilidade trans, e de olharmos para a realidade de pessoas trans no Brasil. Não podemos mais seguir sendo tratados como cidadãos de segunda classe, tendo nosso direito a vida ceifados”.

Nesta sexta-feira 29, celebra-se no Brasil o Dia da Visibilidade Trans. Para a advogada Maria Eduarda Aguiar, que atua na Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), os ataques contra as parlamentares demonstram como setores conservadores se sentem ameaçados à medida que lideranças e políticos do movimento ganham fôlego no debate público.

“A principal forma de violência é deslegitimar a identidade, ou atuar por ameaças e intimidação. Quanto mais as pautas de pessoas trans avançam, mais a resposta conservadora tende a ser violenta”.

As ações concretizam um cenário já turbulento no meio virtual: durante as eleições 2020, o projeto MonitorA, da revista AzMina e do Instituto InternetLab, mostraram que a Erika Hilton foi a candidata ao legislativo paulistano mais ofendida no Twitter.

“Eu faço um exercício de não ler, de não ficar vendo, para cuidar da minha saúde mental”, comenta, “mas eu me sinto muito preocupada. É quase um desespero. Nós tivemos Marielle Franco executada, e, desde então, os olhos se abriram e se voltaram para o risco de mulheres negras, trans, periféricas ocupando esses espaços”.

Maria Eduarda Aguiar pontua que, em um mês com um fechamento simbólico para a visibilidade trans, há importância em ressaltar como a representação de vereadoras como Hilton e Iara aparece. “São pessoas que entendem verdadeiramente o que uma pessoa travesti ou trans passa no seu cotidiano. Muitas vezes, [a violência] vem por parte de agentes políticos que se escondem no manto da imunidade parlamentar”.

Para além da violência política, Aguiar aponta que as parlamentares e demais aliados dentro dos espaços de poder precisam pautar projetos que envolvam empregabilidade, acesso à saúde, cidadania e direitos. Também destaca a necessidade de se articular a inserção de programas que combatam a LGBTfobia nas escolas como focos prioritários.

Na campanha eleitoral, o prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), chegou a afirmar a CartaCapital que incluiria propostas de políticas de promoção a direitos LGBT+ em seu plano de governo. A declaração foi feita quatro dias antes do 2º turno das eleições. Covas não se manifestou sobre os ataques contra as vereadoras – o prefeito encontra-se temporariamente de licença do cargo.

Eleitas, as parlamentares aguardam, agora, qual será a resposta do município de São Paulo e da presidência da Câmara em relação a segurança de ambas. Erika afirmou que já entrou em contato com Carolina para que, juntas, elas possam pressionar pela disponibilidade de guardas civis metropolitanos destacados para a proteção de políticos em situação de ameaças.

“Se algum desses descontrolados vai ao meu gabinete com o intuito de fazer alguma maldade, eu posso não estar lá ou posso ser preservada, mas vai saber o que acontece com quem senta na minha recepção, que também é uma travesti?”, diz Hilton.

CartaCapital entrou em contato com a Câmara Municipal e aguarda um retorno sobre o andamento da discussão.

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