Política
Sem sossego
Apesar do enorme favoritismo, Lula enfrenta dificuldades para consolidar os palanques estaduais no Nordeste


A poucos dias do prazo final a para realização das convenções partidárias, o ex-presidente Lula tem exercitado ao máximo a sua veia de estrategista para administrar problemas, evitar rusgas e atender todas as forças políticas que o apoiam, mesmo em regiões onde é franco favorito, como no Nordeste, onde lidera com cerca de 60% das intenções de voto. Esse favoritismo, inclusive, fez a campanha de Bolsonaro agir com pragmatismo, deixar um pouco de lado o voto nordestino e priorizar o maior colégio eleitoral, o Sudeste, na tentativa de ampliar a votação. É no Sudeste também onde está o maior problema da campanha lulista neste momento, mais especificamente no Rio de Janeiro, onde o PSB apresentou a candidatura de Alessandro Molon para senador, descumprindo um acordo com o PT, que vai lançar André Ceciliano, presidente da Assembleia Legislativa. Agora, o PT ameaça retirar o apoio a Freixo.
Nos eventos de campanha com pessebistas, Lula tem mandado seu recado: “O PT vai cumprir os acordos com o PSB, para o PSB cumprir o que acordou com o PT. Sou do tempo que não precisava de documento para se cumprirem acordos. Eles eram feitos no bigode”, discursou o petista, em cima do palanque de Danilo Cabral, candidato a governador em Pernambuco. Visivelmente incomodado, o recado de Lula foi uma resposta ao PSB por ter lançado Molon no Rio e porque a legenda vinha cobrando a presença de Lula em Pernambuco para reforçar a campanha de Cabral e se contrapor ao palanque de Marília Arraes, do Solidariedade, líder nas pesquisas para o governo do estado e que vem fazendo campanha casada com o presidenciável do PT.
Lula fez sua parte e pediu voto para Danilo nos três atos em que participou no estado, embora não tenha feito nenhum aceno hostil a Marília, até porque grande parte do seu eleitorado também vota na neta de Miguel Arraes. Nos eventos em Pernambuco, inclusive, Lula passou momentos constrangedores por conta da disputa entre Marília e Cabral. Foi um dos poucos a não serem vaiados por grande parte do público presente, contrário à aliança do PT com o PSB.
As rusgas entre o PT e o PSB atrapalham em vários estados
“A tendência é de que o PT e o ex-presidente continuem apostando em Danilo Cabral, o que não significa que Marília deixe de associar seu nome ao de Lula”, destaca o cientista político e pesquisador da Fundaj Túlio Velho Barreto, lembrando que a candidata do Solidariedade conta com o apoio de parte do PT no estado. “Todos lembram o apoio e o voto de Danilo Cabral na sessão que golpeou Dilma Rousseff, sem falar na virulenta disputa entre o PT e o PSB pela prefeitura do Recife. Mas isso não deverá atrapalhar a previsível e acachapante vitória que se desenha para Lula em Pernambuco.”
Como se nota, a preferência do eleitor nordestino por Lula não lhe assegura palanques tranquilos na região. Menos de 15 dias depois de ter passado por Pernambuco, o ex-presidente retorna ao Nordeste no sábado 30, quando deve lançar a candidatura de Elmano Freitas para governador do Ceará, depois do rompimento da aliança histórica com o PDT de Ciro Gomes. Após uma disputa interna com a governadora Izolda Cela, o PDT cearense escolheu o ex-prefeito de Fortaleza, Roberto Cláudio, para disputar o governo do estado. O PT não aceita o nome dele por considerá-lo antipetista, com discursos nos moldes de Ciro, e defendia a reeleição de Cela.
“A montagem do palanque foi contaminada pela disputa nacional e um dos motivos pelos quais Roberto Cláudio foi escolhido é que ele garantiria para Ciro no estado um palanque fiel”, comenta a socióloga Monalisa Torres, professora da Universidade Estadual do Ceará. “Izolda seria um palanque híbrido, no qual ela estaria ali com apoio de Ciro e de Lula.”
Sergipe. O candidato de Lula é o petista Rogério Carvalho, mas o ex-presidente não descarta apoio de Fábio Mitidieri (PSD) – Imagem: Janaína Santos e Redes sociais
Com o fim da aliança de 16 anos, o PT resolveu lançar o nome de Freitas, ao lado do também petista Camilo Santana para o Senado. Ex-governador do Ceará, Santana tornou-se uma das maiores lideranças políticas no estado e aparece com folga em todas as pesquisas para o cargo que disputa. No domingo 24, os dois se reuniram com Lula em São Paulo. O ex-presidente comprometeu-se a participar da negociação com outros partidos da aliança, como PSB e PSD, e também com não aliados, como PSDB e MDB, em torno da candidatura petista no estado. Há uma grande possibilidade de o ex-senador Eunício Oliveira, do MDB, ocupar ou indicar um nome para a vice na chapa petista.
“Precisamos ver o resultado das eleições, mas acredito que estamos presenciando o fim do ciclo político dos Ferreira Gomes”, opina Torres. Prevaleceu o projeto pessoal de Ciro no rompimento da frente liderada pelo PDT e PT. O presidenciável está em terceiro lugar nas pesquisas no seu próprio estado e acredita que ter um palanque local mais sintonizado com o seu poderá mudar esse quadro. Muito ligado a Camilo Santana, Cid Gomes, irmão de Ciro, também preferia a reeleição de Izolda Cela à indicação de Roberto Cláudio, tanto que nem compareceu à convenção do PDT no domingo 24. Passados dois dias, Izolda deixou o PDT e deve filiar-se ao PT para apoiar o palanque de Elmano Freitas e Camilo Santana.
Depois de passar pelo Ceará, Lula terá agendas no Piauí e na Paraíba. No Piauí, o PT conta com a força eleitoral do ex-governador Wellington Dias, candidato a senador, e tem na cabeça de chapa o ex-secretário da Fazenda Rafael Fonteles, também do PT. “O grande desafio é atrelar a imagem de Lula à de Rafael e fazer com que o eleitor enxergue no candidato alguém que trará algum ar de renovação. Porque existe na discussão política um certo cansaço do poder”, pontua Vitor Sandes, cientista político da Universidade Federal do Piauí. O maior adversário dele é Sílvio Mendes, do PP de Ciro Nogueira, que tentará se desvincular de Bolsonaro e estadualizar a disputa.
No Ceará, houve a implosão da aliança do PT com o PDT, que durou 16 anos
Na Paraíba, assim como em Pernambuco, há um acirramento na disputa pela imagem de Lula. O governador João Azevedo, do PSB, vincula sua reeleição ao presidenciável petista, mas o PT paraibano apoia o nome do senador emedebista Veneziano Vital do Rego, com Ricardo Coutinho na vaga de senador. Coutinho foi governador por dois mandatos pelo PSB, mas, recentemente, retornou às hostes petistas. “Os problemas em alguns estados devem-se muito a uma situação promovida pela direção do PSB. Seu atual presidente talvez tenha prometido a João Azevedo que Lula estaria no seu palanque, sabendo que não estaria, e começou a criar constrangimento lá atrás, quando o PSB não tinha nenhum interesse nas eleições majoritárias na Paraíba. Onde foi possível, o PT cedeu. Onde o partido tinha posição firmada, como na Paraíba, não foi possível”, diz Coutinho, aliado de Azevedo no passado.
O PT paraibano está dividido, assim como o PCdoB e o PV. Muitas lideranças das três legendas têm cargo na administração estadual e não apoiam Veneziano, candidato oficial da federação composta por esses partidos, e sim a reeleição de Azevedo. “O PSB foi tomado pelo grupo petista de Ricardo Coutinho e vinha mantendo o PT como satélite, o que gerou ressentimento de uma ala petista raiz, menos pragmática e que intenta construir um projeto de esquerda estadual comandado pelo partido. Como Veneziano foi intensamente rejeitado por essa ala em razão de seu apoio ao impeachment de Dilma, e como ele representa uma das mais longevas oligarquias regionais, o caminho desse grupo é rejeitar a aliança com o MDB e apoiar a reeleição de Azevedo”, explica José Artigas, cientista político e professor da Universidade Federal da Paraíba.
Assim como em Pernambuco e na Paraíba, em Sergipe também há uma disputa pela imagem de Lula. Embora oficialmente esteja no palanque do senador Rogério Carvalho, que disputa o governo do estado pelo PT, o presidenciável não despreza o apoio de Fábio Mitidieri, deputado federal pelo PSD e líder nas pesquisas para o governo, com o apoio do atual governador Belivaldo Chagas. Mitidieri tem feito sua campanha casada com a de Lula e não é interessante para o ex-presidente bater de frente com o candidato favorito.
Lula também tem evitado atacar palanques adversários no Nordeste, para não criar atritos com eles e manter ou ampliar o voto de seus apoiadores. O inverso também acontece: os adversários de Lula nos estados evitam bater no líder das pesquisas, para não perder votos. É o caso da Bahia, onde ACM Neto, do União Brasil e adversário histórico do PT, tem poupado Lula porque sabe que muitos de seus eleitores votam no petista. Recentemente, quando esteve no estado, Lula, cujo candidato a governador é o petista Jerônimo Rodrigues, também evitou atacar o ex-prefeito de Salvador. Não se pode dizer, porém, que poupá-lo seria um problema para Lula. O desconforto que o petista enfrenta na Bahia se dá pela opção política feita pelo Solidariedade, partido que o apoia em nível nacional, mas, localmente, está no palanque de ACM Neto.
Choque. No Rio, a candidatura de Molon ao Senado coloca PT e PSB em rota de colisão – Imagem: Gustavo Bezerra/PT na Câmara
Caso semelhante acontece no Rio Grande do Norte. A legenda de Paulinho da Força não só faz oposição à governadora Fátima Bezerra, candidata à reeleição do PT, mas ainda tem o ex-ministro de Bolsonaro, Rogério Marinho, do PL, como candidato a senador ao lado de Fábio Dantas, nome do Solidariedade ao governo potiguar. Apesar de tentar se desvencilhar da pecha de que seu palanque é bolsonarista, é inevitável dissociar a candidatura de Dantas do presidente da República, considerando a forte ligação de seu colega de chapa com o atual mandatário do País. Essa característica será explorada por Fátima Bezerra, que utiliza a mesma tática de Lula para tentar ganhar no primeiro turno: incorporou um adversário no seu palanque.
O senador da chapa petista será o ex-prefeito de Natal, Carlos Eduardo Alves, do PDT de Ciro Gomes, feito que irritou o PSB a ponto de o presidente nacional da legenda, Carlos Siqueira, acusar o PT de tratar melhor os adversários que os aliados. Alves seria o nome mais forte que Fátima Bezerra poderia enfrentar nas urnas. “Carlos Eduardo já foi aliado e adversário de Fátima no passado. Na eleição passada, ele apoiou Bolsonaro no segundo turno. Por ser do PDT, há um mal-estar entre os petistas, mas a governadora conseguiu ampliar seu arco de alianças”, explica o cientista político Anderson Santos, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Alagoas talvez seja o estado nordestino com a eleição mais nacionalizada. Não há espaço para meio-termo, tanto que o candidato do União Brasil, Rodrigo Cunha – apoiado por Arthur Lira –, vem perdendo cada vez mais força por defender a tese “nem Lula nem Bolsonaro”, apesar da sua ligação com os bolsonaristas locais. A polarização dá-se entre Paulo Dantas, candidato do MDB com o apoio de Renan Calheiros e Lula, e Fernando Collor, declaradamente candidato de Bolsonaro. “Desde que entrou na disputa, Collor assumiu o segundo lugar e todo seu discurso é na linha de valorizar o legado de Bolsonaro”, comenta Luciana Santana, cientista política da Universidade Federal de Alagoas. “Quem não decidir palanque fica sem força.” •
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1219 DE CARTACAPITAL, EM 3 DE AGOSTO DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Sem sossego”
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