Política

Se depender de Renato Freitas, Traiano não terá vida fácil na Alep em 2024

Um escândalo de corrupção envolvendo propina motiva um pedido de cassação encampado de forma solitária pelo deputado petista

Os deputados Renato Freitas (PT-PR) e Ademar Traiano (PSD-PR). Fotos: Divulgação/Alep
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O (até aqui) poderoso deputado Ademar Traiano (PSD-PR) vive a virada de ano mais complicada desde que chegou ao comando da Assembleia Legislativa do Paraná (Alep), em 2015, após ocupar por três anos a liderança do então governador Beto Richa (PSDB). Ele fechou o ano legislativo no comando da Casa de Leis estadual, mas sua manutenção no posto em 2024 é uma verdadeira incógnita.

O político, acostumado a ter vida tranquila nos corredores da Alep por conta de uma vasta rede de apoio angariado nos nove mandatos consecutivos como deputado, não é mais bem visto pelos seus pares desde que o novato Renato Freitas (PT) protagonizou uma das maiores viradas de mesa da política local. De ‘caça’, Freitas virou ‘caçador’ e reverteu uma longa perseguição política no Conselho de Ética da Alep ao revelar um escândalo de propina que afeta diretamente Traiano.

Na denúncia, Freitas mostrou dados de um sigiloso acordo firmado por Traiano em 2022 com o Ministério Público, em que o deputado admitiu ter pedido e recebido propina de um prestador de serviços da Alep. Nos termos do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), ele e o ex-deputado Plauto Miró fizeram a confissão, devolveram o dinheiro recebido indevidamente e pagaram uma multa. Em troca, não foram processados.

Os valores da propina somam 200 mil reais, 100 embolsados por Traiano e 100 por Miró. Tudo foi parar nas mãos do político em 2015, quando a TV Icaraí negociava a manutenção de um contrato vencido em 2012 para a produção de conteúdo para a TV Assembleia. A empresa tem como dono principal o empresário Joel Malucelli, que delegou seu primo Vicente Malucelli para convencer os políticos a manterem o contrato.

Foi Vicente quem ouviu o pedido – ou, mais precisamente, leu em um papel entregue em mãos por Traiano – de 300 mil reais para manter o contrato com a Icaraí. Após uma segunda conversa, o valor foi reduzido, a partir de uma contraproposta do empresário, para os 200 mil reais.

O pagamento, contou Vicente em um acordo de delação premiada firmado pelo MP e homologado pela Justiça em 2020, foi feito em duas partes de 50 mil: a primeira em espécie no gabinete da Alep e a segunda em cheques no hall do prédio em que Traiano mora. As comprovações vão de cheques a gravações feitas pelo próprio empresário.

Os detalhes da escabrosa história foram revelados em primeira mão pelos sites locais, Plural e G1, e também pela RPC, representante da TV Globo no Paraná. Os três veículos foram quase imediatamente censurados por uma decisão judicial. A decisão revelou outra faceta de poder de Traiano: o apoio do Judiciário, onde cultivou outra rede de influência, usando como cartas a liberação de aumentos salariais e criação de cargos no setor.

A liminar caiu dias depois e o tempo dos textos e vídeos fora do ar serviu apenas para subir a temperatura nos corredores da Alep. Nesse período, Renato Freitas viu um pedido de cassação contra ele ruir em uma clara tentativa de acalmar os ânimos do parlamentar. A punição por ter chamado Traiano de corrupto não passaria de uma reprimenda por escrito. Freitas, no entanto, diz que pretende recorrer até que nenhuma punição, ainda que simbólica, pese contra ele. O argumento: ele não faltou com a verdade.

“Como alguém que fala a verdade pode ser advertido por isso? Falar a verdade agora é indecoroso? Essa inversão de valores não pode prosperar ou vamos assumir que a Alep foi à falência”, tem dito Freitas sobre a situação desde então.

O deputado estadual Renato Freitas (PT-PR). Foto: Orlando Kissner/Alep

Ao mesmo tempo em que questiona a perseguição contra si, o deputado petista oficializou o que deve ser a maior dor de cabeça de Traiano no ano que se aproxima: um pedido de cassação. Com o vasto poder acumulado ao longo dos anos pelo ainda presidente da Alep, não é incomum a análise – de políticos e comentaristas locais – de que ele não perderá o mandato. A manutenção no cargo de comando da Casa e suas regalias, porém, não estariam garantidas.

Um aliado bastante próximo de Traiano, em condição de reserva, confidenciou em conversa com CartaCapital que esperava mais hombridade do “amigo” diante do escândalo. “Traiano se escondeu desde o primeiro dia. Penso que poderia ter se defendido com mais coragem ou se afastado da Presidência até que pudesse se recompor”. Ele alega, reforçando o pedido de anonimato, que a Casa de Leis fica “manchada enquanto Traiano estiver na cadeira”.

O presidente da Alep, de fato, nunca tratou do tema com afinco publicamente. Desde que foi colocado contra a parede, apenas deixou claro que se mantém no cargo e que não irá comentar o assunto por conta do sigilo dos atos processuais. Ele alega que os documentos foram vazados à imprensa de forma ilegal. Nos bastidores, porém, faz pressão sobre qualquer deputado que pisa fora da linha.

Persona non grata

A pressão que cerca Traiano já trouxe, também, saias justas para o político. Neste final de ano, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) esteve na Alep para receber o título de cidadão honorário do estado. Antes de ir ao local, porém, Bolsonaro fez chegar uma exigência: não ser visto ao lado de Traiano, que na ordem natural das coisas, entregaria a honraria e estaria sorridente, em lugar de destaque, ao lado do ex-capitão. Para faltar, alegou um conflito de agendas.

Em seu lugar, quem foi escalado para a missão de bajular o inelegível presidente de honra do PL foi o deputado Marcel Micheletto (PL), primeiro-vice-presidente da Assembleia. Ele, aliás, ainda que não admita publicamente, é o grande interessado na saída de Traiano. A campanha entre aliados, inclusive, estava a todo vapor nas últimas semanas de trabalho na Alep. Ricardo Arruda (PL) é um dos poucos que tem aberto a posição pelo afastamento do presidente da Alep quando questionado.

O posto, se entregue ao bolsonarista Micheletto, aumentaria seu prestígio no estado, cargos e influência política para galgar mais espaços num Paraná que se aproxima de uma eleição sem sucessor definido. Ratinho Jr. (PSD), em 2026, se “aposentará” da função de governador após ter ocupado o posto por dois mandatos. Presidir a Alep pode ser catapulta para um voo mais alto.

Traiano não está na foto com Bolsonaro durante entrega de título de cidadão do Paraná ao ex-capitão.
Foto: Valdir Amaral/Alep

Pedido solitário

O pedido contra Traiano chegou ao Conselho de Ética da Assembleia do Paraná no dia 8 de dezembro e é assinado unicamente por Freitas, apesar da oposição ao governo ser formada por outros seis parlamentares do PT e um do PDT.

A OAB, em um protocolo em separado, também solicitou o afastamento do parlamentar do cargo.

A ‘solidão’ de Freitas tem explicações, segundo circula desde a oficialização do pedido. A principal delas foi o pouco prazo dado pelo petista para que colegas avaliassem o documento, protocolado em uma sexta-feira, dia de menor atividade legislativa. O próprio Freitas já disse ter dado apenas 24 horas para que os seus pares lessem o documento e encampassem o pedido de forma conjunta. Não houve, naquele momento, resposta.

Outra parte dos parlamentares sustentou estar buscando ainda mais informações para que a “bala de prata” contra o poderoso Traiano fosse mais forte.

Requião Filho (PT-PR) Foto: Dálie Felberg/Alep

Requião Filho (PT), que lidera a bancada de oposição na Alep, por exemplo, fez um pedido oficial ao Ministério Público e ao Tribunal de Justiça do Paraná em nome do grupo para ter acesso mais profundo aos acontecimentos que envolvem Traiano. A ideia é entender, em especial, os motivos do sigilo no caso para que as possíveis ilegalidades no ANPP sejam desfeitas. A estratégia da oposição, defende, será melhor definida após essa resposta. Outros membros do PT Paraná fizeram avaliações semelhantes.

Na prática, parceiros de partido de Renato sustentam que, ainda que não tenham assinado o pedido contra Traiano no dia, naturalmente apoiam a demanda do parlamentar e também defendem o afastamento de Traiano. Nas redes, onde boa parte da disputa de narrativas políticas é travada, no entanto, apenas Freitas tem usado o tema de forma constante nas publicações.

Sobrevida

Traiano, apesar da pressão, conseguiu se segurar no cargo graças, justamente, ao posto que ocupa. A explicação é que o pedido de cassação, para ser avaliado no colegiado de Ética, precisa ser liberado pela Mesa Diretora da Alep, hoje nas mãos de Traiano.

Com a pequena manobra, Traiano ganhou sobrevida até, pelo menos, fevereiro de 2024, quando as sessões na Alep deverão voltar para o segundo ano desta legislatura.

Delegado Jacovós (PL), deputado que comanda o Conselho de Ética, disse ao G1 na ocasião em que recebeu o processo, que a Mesa tem o tempo que entender para liberar o caso. A Mesa, naquele momento, se limitou a dizer que seguiria o regimento, que, vale dizer, não define um prazo específico.

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