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Resistência indígena

O Brasil não tem consciência da urgência climática, lamenta Tapi Yawalapiti, porta-voz dos povos do Xingu

Imagem: Joel Saget/AFP
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Uma delegação de cinco indígenas do Xingu, das etnias Laiapó e Yawalapiti, liderada por Raoni Kaiapó e Tapi Yawalapiti, terminou, no domingo 4, uma visita à Europa para denunciar aos governos europeus a ameaça representada pelo PL do Marco Temporal às terras indígenas e à preservação da Floresta Amazônica, além de pedir recursos para projetos que beneficiam os 16 povos indígenas do Xingu, com 9 mil habitantes.

Foi a sétima viagem de Raoni à Europa e a quarta de Tapi, nascido em 1977, filho do cacique Aritana e porta-voz do grupo. O cacique Raoni, por sinal, já foi recebido por quatro presidentes franceses: ­François Mitterrand, Jacques ­Chirac, Nicolas Sarkozy e Emmanuel Macron.

Com a recente viagem, os cinco representantes dos povos do Xingu puderam dar maior visibilidade à causa indígena. Antes do encontro com Macron, que fez questão de divulgar uma foto abraçando Raoni no seu perfil no Twitter, eles foram recebidos pelos presidentes de Portugal e Alemanha. Em Cannes, o grupo subiu a escadaria do Palácio do Festival para a exibição do filme Raoni, Uma Amizade Improvável, de Jean-Pierre Dutilleux, a retratar a luta do cacique em defesa dos povos originários. Em Lyon, tiveram um encontro com empresários, seguido de outros encontros em Genebra e na Bélgica.

Paris foi a última etapa, a incluir uma visita ao Musée du Quai Branly, no qual os indígenas puderam admirar as vitrines com peças de diversos povos do Brasil. Após a calorosa recepção de Macron, o grupo retornou a Brasília para uma manifestação no Congresso dia 7 de junho.

“Aqui, na Europa, todo mundo se preo­cupa com a mudança climática. Foi onde nasceu essa conscientização. No Basil, dificilmente você vai ouvir as autoridades dizendo: ‘Temos que proteger a Amazônia’”, compara Tapi, porta-voz do grupo. Mesmo com a mudança do governo brasileiro, ele observa que a cobiça das riquezas das terras indígenas continua. E a luta será cada vez mais acirrada com a aprovação na Câmara do PL do Marco Temporal, que só reconhece as demarcações para os povos indígenas que ocupavam as áreas reivindicadas na data de promulgação da Constituição de 1988. “Falta a consciência da urgência, no Brasil, da questão climática.”

“Desde 1500, meus ancestrais sofrem com invasões de terra e assassinatos”

CartaCapital: Se os ruralistas conseguirem emplacar a tese do Marco Temporal, qual será o impacto para os povos indígenas do Brasil?
Tapi Yawalapiti: O maior impacto do Marco Temporal, previsto do PL 490, será o congelamento das demarcações e a revisão dos processos de todas as terras homologadas depois de 1988. Existem, porém, várias outras ameaças. O projeto autoriza a mineração nas terras indígenas, assim como a retirada de madeira e o arrendamento de áreas para o agronegócio. Isso nos deixa muito preocupados. Somos os primeiros habitantes do Brasil, somos os verdadeiros brasileiros. Desde 1500, meus ancestrais sofrem com invasões de terra e assassinatos. Isso tudo é muito preocupante.

CC: Como vocês planejam resistir a esse retrocesso no Congresso?
TY:  A gente vai fazer nossa parte no dia 7 de junho, em Brasília (quando o Supremo Tribunal Federal deve julgar a constitucionalidade da tese do Marco Temporal). Vamos entrar no Senado para pressionar o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco, e todos os demais senadores, para dizer “não” a esse projeto diante de todo o mundo. A mídia também é importante nesta luta para dizer: “Deixem a floresta em paz”. Todos podem e devem se manifestar nas redes sociais, para dizer que defendem a causa dos indígenas.

CC:  Qual o objetivo da viagem de vocês à Europa?
TY: Viemos pedir apoio financeiro para fiscalizar nossas terras. Esse papel é do governo federal, mas ele não está executando esse trabalho. Viemos pedir recursos para que possamos, nós mesmos, fazer a fiscalização. Com esses recursos, vamos capacitar os jovens indígenas para serem “guardiões da floresta”, denunciando as invasões e o desmatamento. Também queremos formar brigadas contra incêndios florestais, com brigadistas indígenas.

CC: Os recursos reivindicados fazem parte do Fundo Amazônia?
TY:  Não, são recursos para duas associações do Xingu: Instituto Raoni e Instituto Aritana. Os empresários podem também fazer doações para o Fundo Amazônia, administrado pelo governo federal. Todos os governos prometeram ajuda e quem mantém as negociações é a Associação Floresta Virgem, que organizou a viagem e ficará responsável pelos repasses.

CC: Qual a mensagem que vocês pretendem passar nos atos de 7 de junho?
TY: A Constituição Federal é a maior lei do País. Criaram uma lei inconstitucional que viola a Constituição nos artigos 331 e 332, que asseguram os direitos dos povos indígenas. Vamos agir com advogados indígenas junto ao Ministério Público para defender os nossos direitos.

Gesto. Macron fez questão de publicar foto com Raoni – Imagem: Presidência da França

CC: Como está sendo a recepti­vidade das autoridades europeias?
TY: Aqui, na Europa, todo mundo se preocupa com a mudança climática. Foi onde nasceu essa conscientização. No Basil, dificilmente você vai ouvir as autoridades dizendo: “Temos que proteger a Amazônia”. Falta a consciência da urgência, no Brasil, da questão climática. Nossa vinda é importante para denunciar isso e pedir para que os europeus alertem o Brasil.

CC: Qual o país mais engajado na luta dos indígenas brasileiros?
TY: A França. Será a segunda vez que o presidente Macron vai nos ajudar financeiramente. Ele nos apoiou em 2019 e prometeu liberar mais recursos, além de conversar com o presidente Lula, com quem tem afinidades.

CC: Você é o porta-voz dos povos do Xingu?
TY: Sim, meu pai fazia esse papel, que agora é de minha responsabilidade. Busquei me preparar muito. Estudei Linguística em Brasília, para mim foi uma mudança ­pessoal. Fiz isso para entender o mundo de vocês, para reivindicar os nossos direitos. Não sou advogado, mas leio bastante a Constituição para defender nossos direitos. Hoje, faço um curso sobre o sistema político brasileiro. Meu sobrinho é advogado, minha  cunhada é enfermeira, outro sobrinho é bacharel em Direito, meu primo é vereador no município Gaúcha do Norte, em Mato Grosso. Aos poucos estamos conquistando o espaço público, passando a nossa mensagem. •

Publicado na edição n° 1263 de CartaCapital, em 14 de junho de 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Resistência indígena’

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