Entrevistas

Requião: ‘Falta lulismo no governo’

Após aceitar uma missão impossível e ser preterido na indicação ao comando de Itaipu, o ex-governador aciona a conhecida metralhadora giratória

(Foto:Eduardo Matysiak)
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Durante 40 anos, Roberto Requião nunca se submeteu às conveniências do MDB. O modo desabrido, a autenticidade rara, o transformaram em uma liderança singular na legenda que trocou a ambição pela cobiça. Enganou-se, portanto, quem acreditou que aos 81 anos o ex-governador mudaria seu estilo simplesmente por ter se filiado ao PT no ano passado.

Após aceitar uma missão impossível, a disputa ao governo do Paraná, e de ser preterido na indicação ao comando de Itaipu, Requião acionou a conhecida metralhadora giratória. Na entrevista a seguir, o neopetista só poupa o presidente Lula. “Torço por ele e pelas mudanças que nos comprometemos na campanha”. No mais… Bem, aproveite a leitura.

CartaCapital: Por que sair do MDB, após 40 anos, e ingressar no Partido dos Trabalhadores?  

Roberto Requião: O PT não tinha candidato ao governo e aqui no Paraná precisávamos de uma candidatura para remover o bolsonarismo do Brasil. Por outro lado, estava profundamente desgostoso com o MDB, um partido totalmente liquidado pela fisiologia política. Sempre tive profunda admiração pelo Lula e, como o partido estava sem candidato, entrei para ajudar em sua eleição.

CC: O senhor pretende aderir a alguma das correntes do PT? 

RR: Após o processo eleitoral no Paraná, fui simplesmente esquecido. As tendências simplesmente me deixaram de lado, nunca mais falaram comigo. Sequer perguntaram o que eu achava da organização do partido no estado. Não fui convidado para a posse. Tive que brigar na última hora por um convite. O próprio Lula me ligou, em meados de dezembro, e disse que queria conversar comigo e com a Gleisi Hoffmann. Prometeu que em dez dias iria marcar uma reunião que até hoje não aconteceu.

Estou totalmente marginalizado e a corrente majoritária do PT no Paraná não me incluiu, ela desprezou a minha participação de uma forma absoluta. O que não me joga na oposição, pois continuo a torcer pelo Lula e pelas mudanças que nos comprometemos na campanha, como o fim do Banco Central independente, a Petrobras nas mãos do povo, a estatização da Eletrobras e uma legislação trabalhista que dê garantias aos trabalhadores.

Após o processo eleitoral no Paraná, fui simplesmente esquecido

CC: O senhor tem feito críticas ao governo, principalmente à escolha de ministros e presidentes de estatais. Está decepcionado?

RR: Estou insatisfeito, descontente, pois é um governo espetáculo. São 37 ministérios. Tem cabimento? Ninguém administra 37 ministérios. Foi um jogo midiático. As questões fundamentais até agora estão abandonadas.

Estou contente com os pronunciamentos do Lula sobre o Banco Central. Aliás, fica aqui a minha sugestão: ele deveria fazer um pronunciamento à nação em rede nacional para dizer o que é um BC independente, as consequências ao domínio do capital financeiro contra o Brasil produtivo e pedir apoio ao País, porque ele não terá da mídia.

Se esse apoio não vier por meio das elites empresariais, ele deve se dirigir ao povo. Uma manifestação popular que peça a queda dos juros e o domínio do BC pelos interesses do desenvolvimento brasileiro. A atual política monetária não gera emprego, não traz desenvolvimento social nem aumenta a produção de ciência e tecnologia.

CC: Lula afirmou durante a campanha que seu governo não seria do PT, “mas de todos que o apoiam”. Como senhor interpreta essa declaração? Não justifica as escolhas? 

RR: Quem garantiu a eleição do Lula foi o povo brasileiro. Aqueles que o apoiam na composição com forças políticas, parlamentares e grupos ligados a interesses econômicos normalmente excluem a população. A grande maioria daqueles que o elegeram presidente da República defendem os interesses dos mais pobres. Eu joguei pesado nessa campanha a favor de sua eleição.  Mas o que eu quero do Lula? Estou insatisfeito, exijo um ministério? Não. Nunca reivindiquei nada, absolutamente nada.

CC: O senhor tem sido enfático nas críticas. Em relação à Petrobras, pela venda de seus ativos e os preços dos combustíveis. À política de juros do Banco Central. Também pede a reestatização da Eletrobras. Que medidas o governo deveria adotar nestes casos?

RR: Em primeiro lugar trazer para essas empresas uma administração que contemple os interesses nacionais. Defendo um Banco Central dependente de um projeto nacional, a Petrobras nas mãos do Brasil. Sabe quanto custa um litro de diesel na usina, depois de refinado? 1 real. Como é que um produto que custa 1 real na produção vai para a bomba por 6,50, na média nacional. Na comissão de transição, a decisão foi pela reestatização da Eletrobras. Depois, na redação do documento final, retiraram essa questão. O que aconteceu? Para que grupo de transição? Eu vejo essa frente ampla tão ampla que exclui de forma muito clara os interesses nacionais. Na verdade, o Lula fala sozinho dentro do próprio governo.

CC: Como? 

RR: A impressão que eu tenho é que ele fala uma coisa e parte do governo se porta de outra maneira. Não é uma crítica ao Fernando Haddad, mas acho que ele faz o jogo de se valer da pressão do Lula e da revolta dos juros altos para pressionar o Banco Central a mudar seu comportamento. Mas isso não vai acontecer. Será preciso uma intervenção. E essa intervenção é legal, uma vez que o BC não foi capaz de mante a inflação no intervalo da meta por dois anos seguidos. Em seus discursos, percebe-se que o Lula entende essas coisas, mas nesta frente artificialmente montada suas declarações parecem isoladas. Eu quero mais lulismo nesse governo…

CC: O que significa mais lulismo no governo?

RR: Significa que as teses de campanha sejam implementadas. Significa a recuperação da soberania nacional. Significa a elaboração rápida de um projeto de desenvolvimento nacional, de um modelo sustentável. Sem radicalismos temerários pela esquerda, mas sem a covardia de alianças com o capital financeiro.

CC: O senhor recebeu um convite para integrar o Conselho de Administração da Itaipu Binacional e recusou. Sente-se preterido?  

RR: O convite foi um desaforo, uma humilhação. O conselho se reúne de 60 em 60 dias. Tem um bom salário, é uma espécie de bedel da usina. Ele não tem função nenhuma, é apenas um cala a boca, uma boca de ouro. Não aceitei e fiquei indignado. Claro que, se houvesse a possibilidade de participar construtivamente em um projeto de reconstrução do Brasil, eu acharia bacana. Na posse do Lula fui cumprimentado por alguns ministros que disseram que eu iria para a Itaipu. Mas eu não pedi nada. Minhas reinvindicações são as promessas de campanha.

CC: Qual o futuro do PT depois do Lula?

RR: Do jeito que o partido se comporta e se comportou comigo no Paraná, o futuro é a pedagogia do fracasso. Sem o Lula, o PT vai acabar. O partido não tem proposta de Brasil, não tem proposta a respeito das empresas estratégicas, das empresas públicas. Que projeto tem para uma nova base civilizatória interrompida pelo governo Bolsonaro?

O PT tem uma militância fantástica, mas o comando tem comportamento incompreensível. Vejo isso no meu isolamento. Por que essa exclusão? Não querem ideias. Não é o Roberto Requião, é a posição política, o nacionalismo, a fidelidade, é a maneira de fazer política que não é de negociar posições pessoais. A prática é o critério da verdade. Vemos uma prática que não corresponde ao discurso.

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