Economia

Projeto do Congresso sobre emendas tem brechas para manter padrinhos ocultos

De autoria do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), o texto é fruto do acordo costurado com o Supremo Tribunal Federal

Projeto do Congresso sobre emendas tem brechas para manter padrinhos ocultos
Projeto do Congresso sobre emendas tem brechas para manter padrinhos ocultos
Plenário da Câmara dos Deputados durante sessão solene destinada a inaugurar a 3ª Sessão Legislativa Ordinária da 57ª Legislatura. Mesa: presidente do Senado Federal, senador Davi Alcolumbre (União-AP); presidente da Câmara dos Deputados, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB). Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado
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O anteprojeto do Congresso Nacional que promete dar mais transparência às emendas parlamentares e deve ser votado nesta quinta-feira 13 tem uma brecha que, na prática, pode manter ocultos os padrinhos dos repasses. Essa manobra envolve a destinação das emendas de comissão.

De autoria do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), o texto é fruto do acordo costurado com o Supremo Tribunal Federal para encerrar o impasse em torno das emendas. Em agosto passado, o ministro Flávio Dino suspendeu as transferências das verbas até a adoção de novas regras de transparência e rastreabilidade.

A proposta ainda não foi protocolada formalmente, de modo que é possível alterar os pontos problemáticos. Mas a minuta disponibilizada aos congressistas nesta quarta-feira, à qual CartaCapital teve acesso, permite que os parlamentares façam indicações por meio de suas bancadas partidárias, constando apenas a assinatura do líder da sigla.

Ou seja, por essa previsão, o autor original da verba não seria conhecido. Em um primeiro momento, o anteprojeto exige a identificação, em cada emenda, dos parlamentares que compõem as comissões temáticas. Contudo, libera as indicações por meio das bancadas, exigindo apenas a assinatura “pelos líderes partidários” e informações básicas sobre a verba.

Por meio de um formulário, os representantes das bancadas terão de fornecer dados como município e CNPJ do favorecido, valor, beneficiário final, código da emenda e código da ação orçamentária que ela representa. Não se exige, portanto, que o padrinho original da emenda apareça no documento.

Turbinadas após o STF declarar a inconstitucionalidade do orçamento secreto, as emendas de comissão estão no centro do que Dino considerou uma “balbúrdia” no Orçamento da União. Após o julgamento no tribunal, os congressistas passaram a utilizar os recursos dos colegiados temáticos para direcionar dinheiro a seus redutos eleitorais, sem a identificação dos autores.

O magistrado, então, cobrou mais transparência e exigiu que as indicações passassem por votação nos colegiados. Ele também criticou o mecanismo por transformar emendas de comissão em “emendas de líderes partidários”, uma vez que estes eram os únicos nomes que apareciam nos registros oficiais.

Ainda assim, o então presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), driblou a determinação para que não houvesse votação e para que as indicações fossem assinadas em conjunto pelos líderes da Câmara, mais uma vez escondendo os autores originais. Foi o estopim da tensão entre Legislativo e Judiciário, mesmo após terem chegado a um consenso sobre as emendas.

Na ocasião, Dino não apenas mandou anular os efeitos de um ofício sigiloso assinado por 17 líderes partidários com a inclusão direta de 5.449 indicações de emendas que não têm registro em atas nem passaram por deliberação formal (ao todo, as indicações representariam 4,2 bilhões de reais). O ministro determinou que a Polícia Federal investigasse o caso por suposto peculato.

Outro ponto polêmico do anteprojeto é a criação de uma Secretaria Especial do Orçamento, que trabalhará no assessoramento dos parlamentares sobre o tema. Não há detalhes sobre a formação do órgão nem a quem ele estará subordinado.

Na prática, a secretaria deve esvaziar a atual consultoria especializada no assunto, que hoje atua na produção de pareceres técnicos para os congressistas, alguns deles críticos aos projetos em discussão no Congresso. Entre servidores, há o temor de que os integrantes do órgão sejam guiados por interesses políticos.

Sob reserva, um técnico do Senado com mais de duas décadas na Casa disse à reportagem que a criação da secretaria é um retrocesso institucional e lembrou que as atuais consultorias do Congresso surgiram justamente em resposta ao escândalo dos Anões do Orçamento, no qual políticos burlavam o Orçamento da União para engordar suas contas bancárias.

“A pretensa secretaria especial prevista definiria o que pode ou não ser publicado ou divulgado em termos de dados”, pontua o servidor.

Entidades como a ONG Transparência Brasil também veem com reservas a criação da secretaria, por considerarem que o órgão escanteará “a atuação das consultorias técnicas de orçamento da Câmara e do Senado, podendo criar empecilhos à divulgação de informações a respeito do Orçamento”.

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