Economia

Programa para reduzir preços dos carros deve sair em 15 dias, mas duração da medida ainda é dúvida

Projeto depende de quanto o governo pretende perder de arrecadação com incentivos; analistas apontam riscos

O presidente Lula (PT), durante evento na Fiesp. Foto: Ricardo Stuckert
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O governo federal trabalha com o prazo de 15 dias para a implementação de uma medida provisória, elaborada no Ministério da Fazenda, que reduzirá tributos sobre carros de até 120 mil reais.

A estimativa foi mencionada pelo vice-presidente Geraldo Alckmin nesta quinta-feira 25, ao anunciar cortes no Imposto sobre Produtos Industrializados, o IPI, e no PIS/Cofins. As faixas de redução ainda não foram divulgadas, mas há uma perspectiva de queda entre 1,5% e 10,98% no preço final.

Para a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores, a Anfavea, há possibilidade de que os preços de carros populares cheguem a menos de 60 mil reais no Brasil.

A CartaCapital, o presidente da Anfavea, Márcio de Lima Leite, que tem participado da articulação do novo programa, afirmou que “a ideia é de que se antecipe” o prazo de 15 dias para a aplicação dos incentivos fiscais.

Segundo ele, há consenso sobre as diretrizes do programa. Ainda está em discussão, no entanto, a definição de sua duração. À reportagem, Leite defendeu o prazo de doze meses, sob o argumento da “previsibilidade”.

“Doze meses é [um prazo] muito importante para que as montadoras tenham capacidade de se adaptar. Algumas montadoras sequer têm o produto para oferecer. E num prazo de doze meses seria possível desenvolver produtos para entrar nesse mercado”, justificou.

A decisão sobre a duração da medida depende de quanto o governo estará disposto a oferecer de renúncias fiscais, o que deve afetar a arrecadação de impostos. O presidente da Anfavea diz aguardar a ala econômica “fazer as contas”.

Um integrante do Ministério da Fazenda ouvido por CartaCapital disse que ainda não há previsão de “mínimo” nem de “máximo” de duração e que a tarefa no momento é calcular quanto será desembolsado.

De acordo com o governo, a dimensão dos incentivos deve ser maior quando o carro for mais barato e estiver combinado com a sua eficiência energética e a densidade industrial.

A medida gera desconfiança em analistas do mercado financeiro.

Para Bruno Komura, da Ouro Preto Investimentos, abrir mão de arrecadação vai representar uma pressão maior sobre o Orçamento, “que já não está com tantos espaços para gastos”. Ele avalia que a elaboração requer cautela.

“Por menor que seja o benefício, se isso for algo de longo prazo, causa uma ineficiência da indústria brasileira, não teremos aumento de produtividade e ainda usa espaço no Orçamento que poderia ser utilizado de forma melhor.”

Para Diogo Carneiro, economista da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras, a medida pode prejudicar ou beneficiar a arrecadação do governo, a depender da demanda pela compra de carros.

Segundo o professor, caso a desoneração aumente o volume de vendas de forma significativa, as perdas de arrecadação podem ser compensadas ou mesmo superadas.

Por outro lado, se a medida não gerar uma ampliação expressiva de vendas, os valores de que o governo abriu mão podem fazer diferença negativa no Orçamento, em um momento de crise econômica.

A hipótese mais pessimista não é difícil de se cumprir, avalia Carneiro, porque a conjuntura atual é de uma população que tem evitado investimentos a longo prazo. Como o público de carros populares tende a comprar via financiamento, deve esbarrar no alto patamar da taxa de juros.

“É um risco. Existe a chance de o governo não se prejudicar, mas isso pode não se confirmar lá na frente”, afirma o professor. “Não sei se vai haver uma demanda por veículos muito forte. Eu não apostaria nisso.”

A expectativa do presidente da Anfavea é de que a medida impacte na venda de 200 mil a 300 mil unidades em um ano, um número que não significaria “muito”. Além disso, a demanda deve permanecer baixa, segundo ele. Em 2013, relembra, o setor comercializava 3,8 milhões de veículos por ano, e atualmente o patamar é de 2,1 milhões.

A proposta é dar um “aquecimento da demanda”, diz ele, “mas ainda é muito longe daquele patamar”.

Leite relatou ter participado de uma reunião com a presidente do Banco do Brasil, Tarciana Medeiros, em que foi discutida a viabilização de linhas de crédito acessíveis para esses consumidores, mas ainda não houve a formulação de um pacote. Há uma expectativa de que a Caixa Econômica Federal apresente uma oferta “mais vantajosa”.

Preço quase dobrou em cinco anos

A medida ocorre num momento de alta nos preços dos carros novos. Uma pesquisa da consultoria do mercado automotivo Jato Dynamics, de janeiro, apontou um aumento de 85% no preço médio entre 2017 e 2022.

No ano passado, um carro novo passou a valer em média 130,8 mil reais, maior que 2021 (111,9 mil), 2020 (86,3 mil), 2019 (76,4 mil), 2018 (74,3 mil) e 2017 (70,8 mil), de acordo com o estudo ao qual CartaCapital teve acesso.

Um balanço mais atualizado estima um valor médio acima de 140 mil reais em 2023.

Entre os motivos elencados para a alta, estão as consequências da pandemia de Covid-19, a pressão inflacionária no início do novo governo e o aumento dos preços dos combustíveis com a guerra na Ucrânia.

Em um discurso nesta quinta em visita à Fiesp, junto a Alckmin e ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o presidente da República demonstrou o incômodo com os preços dos carros e a falta de políticas de crédito.

“A classe média baixa não está comprando mais carro, porque um carro popular de 90 mil reais não é mais popular, já é um carro de classe média. Então, é esse o País que nós temos que consertar”, declarou Lula.

Na ocasião, o petista voltou a protestar contra os juros definidos pelo Banco Central, no índice de 13,75%. Em ironia contra a lei de autonomia do Banco Central, ele afirmou que “o mercado financeiro tomou conta no lugar da indústria”.

“Um presidente não pode nem criticar o presidente do Banco Central, que ele está ‘influenciando na economia’. E eu quero dizer aqui dentro da Fiesp: é uma excrescência, nos dias de hoje, a taxa de juros ser 13,75%. É uma excrescência para este País. O País não merece isso”, disse.

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