Política

Prioridade bolsonarista, comunicação com mulheres foi falha na campanha da reeleição, diz pesquisa

Relatório feito com exclusividade para o GLOBO mostra dificuldades até mesmo no uso da imagem e falas da primeira-dama, enquanto petista teve mais sucesso no segmento

Bolsonaro e Michelle, que luta - sem sucesso - para reverter a rejeição do ex-capitão entre as mulheres. Foto: Alan Santos/PR
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A campanha pela reeleição de Jair Bolsonaro errou na estratégia de comunicação traçada nas redes sociais para atrair mulheres, maioria entre os eleitores do país, indica um estudo feito com exclusividade pela Escola de Comunicação da Fundação Getúlio Vargas para o GLOBO. Este público era considerado fundamental para o presidente, pois é um dos quais Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem maior liderança nas pesquisas.

O relatório mostrou que Bolsonaro ficou aquém no número de publicações feitas para esse público em comparação com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Foram nove tuítes de Bolsonaro, contra 40 de Lula. No Facebook, foram sete postagens do presidente, contra 20 do adversário.

— As pesquisas apontam que é um público (mulheres) que Bolsonaro não chega. Ainda assim, aparentemente, não houve tanto investimento na comunicação digital para atingir esse público — pondera Sabrina Almeida, doutora em ciência política e uma das responsáveis pelo estudo.

Os deslizes da campanha bolsonarista para tentar conquistar o voto feminino, no entanto, não param por aí. O relatório também apontou que houve uma diferença na construção do discurso voltado para as mulheres, sendo o do petista mais eficaz. O fluxo de impulsionamento também foi divergente, e houve até mesmo um mau uso da imagem da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, nas redes sociais.

Críticas a jornalista

Apesar do destaque nas propagandas eleitorais da TV, Michelle esteve completamente ausente das postagens de Bolsonaro. O oposto ocorre na campanha do petista, que não explora tanto a imagem de Janja na propaganda eleitoral, mas traz uma série de publicações com a socióloga.

— Isso foi bem feito pelo Lula. Houve a tentativa de trazer a Michelle de forma mais central para se comunicar com as mulheres, mas isso ficou no meio do caminho. A Michelle deixou de ser explorada na campanha. Mas a Janja não. Embora a Janja não aparecesse na campanha de TV, nas redes ela foi muito central. As postagens de Lula com mais relevância sobre o tema a imagem da Janja foi explorada. Ela conseguiu dialogar de forma muito eficiente e identificamos isso pelas métricas, as publicações têm mais volume de interação — afirmou Sabrina.

Um exemplo foi o que ocorreu no dia seguinte a um segundo ataque à jornalista Vera Magalhães pelo deputado estadual Douglas Garcia (Republicanos – SP) em um debate. A campanha lançou mão da imagem de Michelle para tentar amenizar possíveis impactos à campanha de Bolsonaro. A campanha da reeleição levou ar uma propaganda com a primeira-dama e críticas ao tratamento dado às mulheres por Lula. A peça contrapôs duas declarações de Lula: a de que, em seu governo, mulheres eram tratadas com respeito, e a de que “quer bater em mulher, vá bater em outro lugar, não em casa ou no Brasil”. Pelo relatório, isso não foi eficiente.

O relatório da FGV mostrou que, por outro lado, Lula soube usar a seu favor os acontecimentos negativos de Bolsonaro com as mulheres ao longo da campanha. O ataque a jornalista Vera Magalhães durante o debate da Band, por exemplo, foi usado pelo petista e trouxe repercussões negativas para a campanha de Bolsonaro à época. Seus aliados chegaram a avaliar que o chefe do Executivo “perdeu a linha” ao proferir o ataque.

— Foi um momento de pico das postagens da campanha de Lula para explorar o episódio. Alguns outros casos pontuais que emergiram nas redes foram muito bem apropriados na campanha petista. É mais um indício que ele soube aproveitar os fluxos das redes a seu favor – pondera Almeida.

Além de intensificar as críticas a Bolsonaro, afirmando que o concorrente não gosta de mulheres, o petista procurou se construir como uma alternativa a Bolsonaro, alimentando um tom carinhoso e quase paternal ao se referir às mulheres.

Imagem da mãe

Esse tom também se manifestou em publicações onde Lula se referiu à esposa, Janja e, principalmente, à mãe, apelidada de Dona Lindu. A figura materna, nesse sentido, aponta a FGV, é constantemente acionada, enfatizando sentimentos como o respeito e o orgulho. Ao se referir à própria mãe, Lula acena para as mães brasileiras, valorizando sua importância.

Nas agendas de campanha e nas sabatinas, Bolsonaro acenou com frequência para o público feminino e focou em destacar ações do governo voltadas para as mulheres. Seus aliados passaram a usar as apoiadoras que o acompanhavam nas agendas para afirmar que era mentira a rejeição do presidente entre as eleitoras. Bolsonaro também repetiu que se tratava de uma narrativa da oposição.

Apesar do esforço para mudar o discurso em relação às mulheres, o próprio presidente cometeu deslizes ao longo da campanha. Em entrevista a um podcast voltado para o público evangélico, por exemplo, ele ensaiou uma mea culpa, mas acabou minimizando o discurso machista. Bolsonaro admitiu ter “pisado na bola” ao atribuir o nascimento de sua única filha mulher a uma “fraquejada”, mas, ato contínuo, disse que o comportamento é comum entre o sexo masculino:

— É comum nós homens falarmos… Vai nascer uma criança. Vai ser consumidor ou fornecedor? Brincadeira entre homens. Eu não falo mais isso para ninguém — disse enquanto lamentava por não poder mais fazer piadas com temor de retaliação.

O relatório elaborado pela FGV também aponta que a comunicação estabelecida pela campanha de Bolsonaro com as mulheres foi falha, tanto no volume de postagens quanto nos investimentos em impulsionamentos e no discurso adotado.

Enquanto Lula manteve um fluxo constante de postagens e impulsionamentos direcionado para o público feminino durante todo o período eleitoral, Bolsonaro começou a tentar se comunicar com as mulheres apenas no final de agosto e concentrou seus impulsionamentos na reta final da campanha, a partir de 19 de setembro.

Embora tenha ultrapassado o petista em volume de impulsionamento, quando é pago um valor para que a postagem seja mais vista na rede social, o chefe do Executivo ficou muito atrás no número de publicações que se dirigiram às mulheres.

— Sim (houve uma falha). Não houve um esforço de tentar atingir esse público. A campanha falhou para ter mais apelo, para tentar angariar esse público feminino – aponta Sabrina.

Os discursos adotados pelos dois concorrentes ao Palácio do Planalto também se distanciam. Lula apostou em uma comunicação mais diversificada e moldou seu discurso para se comunicar com mulheres em diferentes realidades sociais, como trabalhadoras domésticas, mulheres chefes de família e mães endividadas.

Bolsonaro, por sua vez, tratou as mulheres de forma genérica, e defendeu o trato igualitário dos cidadãos, reforçando que ao destacar diferenças, o país alimentaria a desunião. O tom adotado pelo presidente foi mais “defensivo”, tentando se esquivar das acusações de misoginia. Uma cartada comumente usada foi destacar repetidamente algumas ações do governo voltada para as mulheres, mas com pouca capacidade de se comunicar para além da bolha.

As redes sociais do presidente Bolsonaro são comandadas por um de seus filhos, o vereador Carlos Bolsonaro. Ele também esteve à frente da estratégia de comunicação digital na campanha de 2018, quando Bolsonaro foi eleito presidente da República. O levantamento da FGV, no entanto, também considerou postagens feitas nas páginas do PL.

Assim como seus filhos, Bolsonaro foi muito criticado ao longo de sua vida pública por declarações machistas e misóginas. Algumas delas foram parar na Justiça, como quando o presidente, enquanto ainda era deputado, afirmou que a também parlamentar Maria do Rosário (PT-RS) “não merecia ser estuprada” — fato pelo qual foi condenado a pagar indenização.

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