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Perna bamba

A diplomacia lulista coleciona acertos, mas também tropeços tolos e injustificáveis

Ao menos Lula resgatou o protagonismo do Brasil, como se viu na reunião do G7 – Imagem: Ricardo Stuckert/PR
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O presidente Lula prometeu resgatar o Brasil da condição de pária internacional que havia sido colocado por Jair Bolsonaro e restituir-lhe a condição de dignidade que merece. A promessa foi cumprida com mérito. Começou ainda antes da posse, com a viagem ao Egito para participar da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP-27. A temática ambiental foi escolhida, acertadamente, como a principal linha-força da nossa reinserção internacional. O País tinha e voltou a ter uma liderança natural nesta seara. Em que pesem os recentes reveses sofridos pelos ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas, ainda há um vasto terreno para ser explorado e potencializado.

O encontro de Lula com Joe Biden, em Washington, também foi de grande significação, principalmente para reafirmar o compromisso com a democracia e para refutar o golpismo bolsonarista e trumpista. Os encontros com os principais líderes europeus, a viagem à Argentina e ao Uruguai, a visita à China e a participação no encontro do G-7 no Japão foram passos firmes e bem construídos, orientados para projetar os interesses estratégicos do Brasil no contexto internacional, tanto em termos de projeção política, quanto de incremento das agendas comerciais.

Esse incontestável êxito ficou, porém, esmaecido por alguns erros significativos e desnecessários. Já presidente, Lula anunciou a intenção ambiciosa de ser um dos principais artífices da construção de um processo de paz entre a Rússia e a Ucrânia. Pisou num terreno minado. Não se sabe o quanto o comando do Itamaraty e o assessor especial Celso Amorim contribuíram com isso, mas, certamente, contribuíram.

Não que Lula não devesse se colocar como um patrocinador da paz. Deveria, no entanto, ter se inserido com mais cautela nessa agenda, com um plano de ações e com uma avaliação competente dos riscos em que poderia incorrer. A posição que o Brasil vem sustentando até agora no âmbito da ONU, de condenar a invasão e de não se engajar nos esforços das sanções contra a Rússia, é correta e aceitável como uma posição neutra.

Mas, nos planos declaratórios e da iniciativa de mediação, Lula queimou a largada. O erro principal foi o de estabelecer uma equivalência de responsabilidades entre os governos da Rússia e da Ucrânia. Tem-se um agressor e um agredido, um país que está sendo destruído, com milhares de mortos, com mulheres estupradas e com milhões de refugiados. Não há nenhuma equivalência de responsabilidades. Lula queimou pontos também ao condenar a ajuda militar dos EUA e da Europa à Ucrânia. Qualquer um sabe que, sem essa ajuda, hoje a Ucrânia já não existiria.

Ao incensar Maduro, o presidente forneceu munição gratuita para os ataques bolsonaristas

No campo da iniciativa diplomática, foi um erro enviar Celso Amorim a Moscou sem ter ido antes à Ucrânia. E só foi a Kiev porque ficou muito mal essa iniciativa. O primeiro dever de solidariedade é com os agredidos, com aqueles que sofrem injustiças, com aqueles que são submetidos às dores da violência, da destruição e da morte. A visita de Amorim a Putin, somada à recepção do ministro Sergey Lavrov em Brasília, fez com que a posição de Lula pareça ser pró-Rússia, o que lhe retira a condição de isenção, necessária para desempenhar a mediação.

Outro tropeço ocorreu agora, com a visita do presidente Nicolás Maduro. Lula agiu certo ao restabelecer plenas relações com a Venezuela, ao tentar incrementar as relações comerciais e ao buscar soluções para problemas comuns entre os dois países. Esse tipo de iniciativa se inscreve no pragmatismo diplomático da promoção dos interesses próprios nas relações interestatais, que todos os países praticam. Tampouco foi um erro a realização da reunião bilateral entre Lula e Maduro, isso faz parte do pragmatismo usual. O erro de Lula consistiu na falta de comedimento, no tom de celebração e, principalmente, no aconselhamento que ele deu a Maduro para que este construísse uma “narrativa”, visando desfazer a imagem negativa como o mundo o vê. Maduro é visto como um ditador e violador de direitos humanos, inclusive com averiguações e condenações de comissões da ONU.

O povo venezuelano está sendo vitimado pelo regime de Maduro, com a pobreza e milhões de refugiados. Ele governa com uma oligarquia militar que saqueia as riquezas do país. Os chavistas históricos acusam Maduro de ter traído a revolução, assim como os sandinistas históricos da Nicarágua acusam Daniel Ortega de ter traído a revolução e de ter se transformado num ditador sanguinário.

O encontro público entre Lula e ­Maduro, da forma como ocorreu, foi politicamente desastroso. Forneceu munição gratuita para os ataques bolsonaristas. Até mesmo aliados do governo, a exemplo do youtuber Felipe Neto, criticaram o encontro. Nas mais de 260 mil menções no Twitter, cerca de 80% foram negativas. Nas redes sociais como um todo, segundo pesquisa da Quaest, 59% das menções foram negativas, 6% positivas e 35% de caráter informativo. Resultado político: o bolsonarismo está se aproveitando para lavar a sua imagem, apresentando-se como defensor da democracia e imputando a Lula e ao PT a imagem de aliados dos ditadores. •

Publicado na edição n° 1262 de CartaCapital, em 07 de junho de 2023.

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