Política

PEC do Conselho do MP, que tira o sono de Dallagnol, vai a votação na Câmara; entenda o que muda

A proposta altera a composição e as atribuições do CNMP. Procuradores denunciam interferência, mas especialistas apontam corporativismo

Dallagnol
Deltan Dallagnol, pré-candidato a deputado federal pelo Paraná. Foto: Evaristo Sá/AFP Deltan Dallagnol. Foto: Evaristo SA/AFP
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A Proposta de Emenda à Constituição que altera a composição do Conselho Nacional do Ministério Público continua a dividir opiniões em Brasília. A falta de apoios declarados ao texto levou o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), na semana passada, a adiar a votação em plenário. A análise aconteceria nesta terça-feira 19, mas a sessão foi cancelada. Os deputados podem votar a matéria nesta quarta-feira 20.

Para que seja aprovada, uma PEC deve receber pelo menos 308 votos na Câmara e 49 no Senado, em dois turnos. A proposta em análise é de autoria do deputado Paulo Teixeira (PT-SP) e tem como relator o deputado Paulo Magalhães (PSD-BA).

Nas últimas semanas, ante a pressão de procuradores e o risco de a PEC ser barrada na Câmara, líderes partidários elaboraram um novo texto, a fim de abrandar as controvérsias.

Entenda, abaixo, o que está em jogo e por que há tanta polêmica em torno da ‘PEC do Conselhão’, o colegiado responsável por fiscalizar a conduta de membros do Ministério Público:

O que é o Conselho do MP e como ele é composto

Pelas regras atuais, o Conselho é formado por 14 integrantes: quatro do Ministério Público da União, três do Ministério Público Eleitoral, dois juízes (um indicado pelo STF e outro pelo STJ), dois advogados (indicados pela OAB) e “dois cidadãos de notável saber jurídico e reputação ilibada”, indicados um pela Câmara e outro pelo Senado. Completa o quadro o procurador-geral da República, que preside o colegiado.

O CNMP controla e fiscaliza a atuação administrativa e financeira do Ministério Público e o cumprimento dos deveres funcionais de seus integrantes. De forma concreta, tem a responsabilidade de “zelar pela autonomia funcional e administrativa do Ministério Público, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências”.

Um dos personagens mais ativos na militância contra a PEC é Deltan Dallagnol, ex-procurador-chefe da Lava Jato

O que a PEC pretende mudar?

O texto que a Câmara deve votar nesta quarta altera o número de integrantes do CNMP e a fonte das indicações. Conforme a nova proposta negociada, o número de membros do colegiado passaria de 14 para 17. Também se ampliaria o número de indicações do Congresso, de duas para cinco. Já o MP escolheria sete integrantes.

Conforme o texto, uma das vagas de indicação política deveria ser preenchida por um nome — apontado pelos parlamentares — que seja membro do MP e que seja (ou tenha sido) procurador-geral de Justiça.

Esse nome apresentado pelo Congresso assumiria também os postos de corregedor nacional e vice-presidente do Conselho. Atualmente, o corregedor é escolhido pelos membros do CNMP, em votação secreta. Essa mudança é um dos pontos que mais despertam a ira de procuradores.

O mandato dos integrantes continuará a ser de dois anos, permitida uma recondução, e cada indicado precisará passar por uma sabatina no Senado.

Há alguma outra mudança prevista?

Sim, embora o texto da PEC tenha passado por alterações. O relator retirou o ponto que previa a possibilidade de o CNMP, por meio de procedimentos não disciplinares, rever ou desconstituir atos que representem violação do dever funcional dos membros. Agora, poderão ser desconstituídos somente atos administrativos, após apuração em processo disciplinar.

A proposta abre a possibilidade, entre outras coisas, de anular a abertura de investigações, denúncias ou pedidos de prisão.

Entre outra mudanças, está a exigência de que o Ministério Público crie, em até 120 dias, um código de ética para combater abusos e desvios de seus membros. Se o prazo for descumprido, o Congresso deverá elaborar o código.

A proposta quer conceder “permissão ao CNMP para rever e desconstituir dos membros, ou quando se observar a utilização do cargo com o objetivo de se interferir na ordem pública, na ordem política, na organização interna e na independência das instituições e dos órgãos constitucionais”.

A PEC também estabelece que competirá exclusivamente ao STF o controle dos atos dos membros do CNMP, “os quais possuem as mesmas prerrogativas e garantias constitucionais dos membros do Conselho Nacional de Justiça”.

Por que procuradores militam contra a PEC?

Mais de 3 mil promotores e procuradores do MPF e dos estados endossaram uma nota de repúdio à proposta. O texto, publicado no domingo 17, recomenda a “integral rejeição” da PEC pela Câmara. A carta será encaminhada pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público às lideranças do Congresso.

O grupo diz que a possibilidade de os parlamentares indicarem o corregedor nacional “configura constrangimento à livre e independente atuação dos membros do Ministério Público”. Alega, ainda, que não compete ao CNMP deliberar sobre questões relacionadas à atividade-fim de membros da carreira. “Ou seja, não pode revisar atos que digam respeito à independência funcional”.

Na semana passada, a Associação Nacional dos Procuradores também divulgou uma nota em que pede o arquivamento da PEC. Argumenta, por exemplo, que a redação viola a autonomia institucional do MP e a independência funcional dos procuradores.

Um dos personagens mais ativos na militância contra a PEC é Deltan Dallagnol, ex-procurador-chefe da Lava Jato em Curitiba.

Ele usa as redes sociais para pressionar deputados a não aprovar o texto. “Promotores e procuradores estarão sob um risco constante de retaliação e de demissão quando eles incomodarem as pessoas poderosas”, diz Dallagnol em um vídeo. “Esse conselho vai poder derrubar denúncias, pedidos de prisão e condenações contra poderosos, tornando-se uma quinta instância de revisão em um sistema que é o único do mundo a ter quatro instâncias e infinitos recursos.”

Mais pontos positivos do que negativos

Para Pedro Serrano, professor de Direito Constitucional, a iniciativa da PEC é positiva, embora determinados pontos devam ser aperfeiçoados. “Acho, por exemplo, que deveria haver um número maior de entidades da sociedade civil, não só gente do Congresso. Mas ter gente do Congresso é um avanço.”

No Estado Democrático de Direito, avalia, a lógica da estabilidade das funções no MP pressupõe em troca que promotores e procuradores não participem da disputa pelo poder. “E o que nós vemos no nosso MP é uma boa parcela dele – não todo, óbvio – agindo de forma político-partidária, de forma ativista no campo da política, interferindo brutalmente na democracia, o que é inaceitável”.

Ele menciona como exemplo a ‘interferência indevida’ do órgão na política, através de investigações e processos de exceção, como o caso Lula. “Toda vez que você quer debater estrutura do MP, eles reagem dizendo que é uma conduta em favor da corrupção, esse tipo de discurso superficial. A realidade é que o MP, nos últimos anos, não se comportou de forma adequada à democracia constitucional”, avalia.

Diagnóstico certo, remédio errado

Para Raquel Pimenta, professora e pesquisadora da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, a PEC identifica um problema relevante: o MP, pelo tamanho de suas atribuições e por sua independência, deve prestar contas à sociedade brasileira. Os erros e abusos da Lava Jato, avalia Pimenta, expõem essa necessidade. Mas, embora acerte no diagnóstico, a proposta erra no remédio.

“Primeiro, considera que a prestação de contas deve vir da escolha do corregedor nacional pelo Congresso. Politiza a instituição que cuida dos assuntos mais sensíveis, como a defesa de direitos humanos, a defesa do meio ambiente e o combate à corrupção – todos esses feitos, vale lembrar, por milhares de promotores e procuradores, muito além de Curitiba. Segundo, considera que reforçar a possibilidade indiscriminada de revisão de atos administrativos do MP (incluindo atos como a instauração e o arquivamento de inquéritos) é a consequência adequada para eventuais desvios. Com isso, pode inibir a possibilidade de investigações incômodas”.

Pimenta menciona como exemplos as apurações sobre o orçamento secreto do governo de Jair Bolsonaro, os possíveis abusos de poder econômico da Prevent Senior e os potenciais esquemas relacionados à compra de vacinas. A professora ressalta que ‘o remédio errado’ pode provocar danos colaterais além dos previstos por aqueles que, justamente, reivindicam mais transparência, Estado de Direito e democracia.

“Ficam de fora mecanismos que aumentem a transparência, participação social e a necessidade de equilibrar unidade de atuação e independência funcional dos membros do MP”.

O que pensam defensores da PEC?

A CartaCapital, o deputado Paulo Teixeira (PT-SP) afirmou que a democracia, ao atribuir poderes às instituições, requer transparência e controle.

“O sistema constitucional prevê um sistema de freios e contrapesos, para garantir transparência e controle dos poderes”, diz. A ‘PEC do Conselhão’, avalia ele, pretende “modestamente aperfeiçoar os mecanismos de controle e de transparência”.

O criminalista Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, considera “extremamente oportuna” a proposta. “Precisamos democratizar as instituições no Brasil. O CNMP é um órgão absolutamente fechado, corporativista, que tem a tradição de nunca punir ninguém”, afirma a CartaCapital. “Ou seja, é um conselho que, de certa forma, funciona só para inglês ver”

O advogado não vê sentido na alegação de que haveria uma ‘interferência indevida’ sobre o MP. “Como indevida? É uma discussão no Congresso, o local exato para ela. A proposta é de aumentar a participação de indicados pelo Congresso, que é de onde vem o poder genuíno, popular. Quem não tem o que temer não tem por que ter qualquer preocupação com essa PEC”.

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