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Partidos no ocaso

PSDB e MDB tentam costurar uma aliança para lançar, sem chance de êxito, a candidatura única da senadora Simone Tebet

Partidos no ocaso
Partidos no ocaso
Imagem: Suamy Beydoun/Agif/AFP
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As imagens que ilustram estas páginas são o retrato perfeito da debacle do ­PSDB. O ex-governador de São Paulo desiste em lágrimas do sonho da sua candidatura à Presidência da República. Conheci João Doria quando trafegava nas imediações de Olavo Setubal, prefeito da capital, que muitas vezes visitei conduzido até ele por seu assessor principal, Claudio Lembo, figura delicada, prestimosa, solícita. Muitos anos depois, Lembo acabaria na governança de São Paulo, quando passou a cultivar ideias bastante ousadas ao crer na presença indômita e maligna da casa-grande ainda de pé.

Nestes dias, João Doria chora o malogro das suas desmedidas ambições nos braços da mulher Bia, apresentada como artista plástica. De todo modo, aquele jovem Doria dos começos teve inegável reconhecimento em algumas das suas atuações. Antes de mais nada, como titular de um programa de televisão e promoter de festanças de ricos em recantos muito aprazíveis, passou comodamente de sucesso em sucesso. Vale recordar algumas façanhas, a começar por ter levado a um baile a fantasia ministros do governo Lula trajados como Indiana Jones. Foi comovente.

Outro momento que não me sai da lembrança: no cruzamento de duas ruas do Jardim Europa, em São Paulo, um pequeno largo fora dedicado à memória de um dos maiores jornalistas brasileiros e meu irmão para sempre, Claudio Abramo. Como único enfeite ali havia uma grande pedra, esculpida pela natureza. A cerimônia de inauguração, oficiada por Rui Mesquita e pelo acima assinado, não havia levado em conta a vizinhança da casa do futuro governador. O qual decidiu demolir a pedra para substituí-la por uma obra da consorte, tudo de inopino, com o cuidado de não avisar quem quer que seja.

Nunca mais cumprimentei aquele que se tornou prefeito da capital e governador do estado, graças, evidentemente, a este passado de rapapés e bajulação. Empolgado por sua própria escalada ao poder deu corda à sua ambição, ao cogitar afoitamente do passo supremo, para apurar ao cabo a baixa das suas ações, ou seja, a cotação desoladora a ele atribuída pelas pesquisas. Tornou-se assim um dos retratos do ocaso do seu partido, secundado por outra figura tragada pelas vicissitudes da vida política.

O irreconhecível Aécio com Paulinho da Força e Eduardo Leite, ex-governador do RS – Imagem: Redes sociais

Conheci Aécio Neves quando ele tinha 23 anos e carregava a maleta do avô Tancredo. Era um rapaz simpático e robusto. Bem mais tarde, depois da morte do avô, José Sarney assumiu a Presidência da República. Havia objeções a respeito, já que Tancredo não tomara posse e, portanto, não se justificava aquela do então candidato a vice. Mesmo assim, concordou-se entre as lideranças políticas mais influentes, em primeiro lugar o doutor Ulysses Guimarães, que Sarney poderia assumir, como de fato se deu. Tratava-se de evitar as reações militares temidas por todos e, portanto, de conduzir o enredo com a maior rapidez, de sorte a colocar os fardados diante do fato consumado.

Tancredo teve um funeral oceânico e Sarney, com a criação do Plano Cruzado, ganhou o apoio popular, mais tarde em boa parte perdido com as eleições de outubro daquele ano, a obrigarem o País a mudar de rota. Aécio irrompeu no palco como herdeiro do avô e, quem sabe, dos segredos da maleta que já carregara. Não foi surpresa quando, anos depois, ele se tornou governador de Minas. Era um senhor ainda jovem, de boa aparência, inegavelmente com feições e porte de um galã cinematográfico. Como tal mereceu capas para valorizar-lhe a figura.

Nem tudo na sua ação de governador mineiro foi límpido e transparente como, sinceramente, esperávamos. Nós, de CartaCapital, o recebíamos para participar das festas anuais da revista, às quais sempre compareceu. Vejamos a imagem dele hoje em dia. Observem o escombro humano que enfeita estas páginas. Haverá quem não acredite ser ele mesmo o neto de Tancredo e ex-governador de Minas Gerais. No entanto, haverá quem enxergue nele, nesta sua imagem atual, um perfeito retrato do PSDB velho de guerra, que, ao cabo de erros fatais, com a contribuição do ambiciosíssimo João Doria, hoje se vê em franca decadência. O partido procura agora soldar a aliança com o MDB e deste é a candidata Simone Tebet.

Estará claro que nunca chegará aonde pretende. Um amigo que já se foi, o ex-ministro de Sarney, Roberto Gusmão, antes cassado pela ditadura quando delegado do Trabalho em São Paulo, enxergava em Tancredo a dimensão de personagem mitológica. Aécio banhava-se nestas águas magnificadas e prometia algum dia igualar-se ao avô. Como é fácil verificar, Aécio errou seus cálculos assim como João Doria, ambos tragados por seus próprios erros. Sobram dois partidos em grave dificuldade.

O PSDB nasceu de uma dissidência dentro do PMDB. Entre seus fundadores, Fernando Henrique Cardoso e Mário Covas, o qual ameaçou sair do partido quando FHC pretendia ser o chanceler de Fernando Collor. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1210 DE CARTACAPITAL, EM 1° DE JUNHO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Partidos no ocaso “

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