Política
Para ministro, “mérito” explica por que só 10% dos diplomatas promovidos são mulheres
Em discurso interno, Ernesto Araújo invocou conceito desmoralizado por pesquisa global em 2018
O Itamaraty anunciou agora no fim de dezembro sua promoção anual de diplomatas de uma “patente” a outra dentro da carreira. Apenas 10% dos promovidos eram mulheres, 4 em 44, metade da proporção histórica recente. Um espanto resumido assim, no Twitter, por uma embaixadora, Irene Vida Gala: “Sem palavras”.
Em discurso perante os comandados, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, justificou a, digamos, performance masculina: “Merecimento”. “Foi constrangedor, ouviu-se um sono xiiiii”, conta uma testemunha. Para essa testemunha, o chanceler, um daqueles bolsonaristas que abominam ideologia de gênero, invocou a meritocracia para “normalizar a situação”.
Meritocracia é aquele conceito de que todo mundo pode subir na vida, desde que se esforce. É difundido por direitistas para satanizar o Estado. Contudo, por maior que seja a predisposição ao talento de uma pessoa , seu destino é condicionado pelas condições de vida dos pais, pelo lugar em que mora e pelas políticas públicas – e promoção de diplomata não deixa de ser política pública.
São as conclusões de uma pesquisa mundial feita em 2018 em conjunto por dezenas de especialistas internacionais. Eles examinaram a genética de 1,1 milhão de indivíduos para tentar identificar algum tipo de habilidade inata neles a influenciar o desempenho escolar e acadêmico. Suas descobertas foram publicadas no Nature Genetics, um jornal mensal sobre o mundo dos genes.
Dois professores de economia de universidades americanas, Kevin Thom, da New York University, e Nicholas Papageorge, da Johns Hopkins University, esmiuçaram a pesquisa e vaticinaram: se é verdade que uma boa genética ajuda a se sair bem, “essa relação é substancialmente mais forte para indivíduos que cresceram em domicílios com maior nível socioeconômico do que para aqueles que cresceram em domicílios mais pobres”.
No Brasil de Jair Bolsonaro, privilégio é mérito, e os privilegiados reconhecem os méritos do governo do ex-capitão e do ministro Araújo. É o que se viu na última pesquisa do ano sobre a popularidade do governo, realizada entre os dias 5 e 8 de dezembro pelo Ibope por encomenda da Confederação Nacional da Indústria (CNI), que a divulgou dia 20.
Os mais ricos, os diplomados e os homens dão notas acentuadamente melhores ao governo do que os mais pobres, os menos escolarizados e as mulheres. E são mais otimistas também com o que virá pela frente.
O índice geral de aprovação do governo (notas “ótima” e “bom”) foi de 29% e a desaprovação (“ruim” e “ péssimo”), de 38%. Entre os homens, esses mesmos índices foram de 34% e 32% e entre as mulheres, de 24% e 42%.
Entre quem ganha mais de cinco salários mínimos, a aprovação foi de 51% e a desaprovação, de 45%. Já entre quem ganha até um salário mínimo, 33% e 61%.
Entre os que têm diploma ou estão na faculdade, 43% de aprovação e 42% de desaprovação. Entre quem estudou no máximo até a 4ª série, 25% e 41%, respectivamente.
Para o resto do governo, 39% dos homens estão otimistas e acreditam que a gestão Bolsonaro ainda será ótima ou boa, enquanto entre as mulheres só 30% pensam assim.
Já o pessimismo entre os homens (governo será ruim ou péssimo) é de 27% e entre as mulheres, de 47%.
Otimismo entre os mais ricos: 46%. Entre os mais pobres: 22%. Pessimismo dos primeiros: 27%. Dos segundos: 41%.
No recorte por escolaridade: universitários com 41% de otimismo e 31% de pessimismo, estudantes até a 4ª série com 31% e 33%.
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