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Oráculo baiano

Contrariando as pesquisas, Jerônimo Rodrigues ultrapassa ACM Neto e quase é eleito em primeiro turno, mais uma profecia certeira de Jaques Wagner

Wagner insistiu em lançar o desconhecido secretário. Deu certo - Imagem: Redes sociais/Jerônimo2022
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No dia seguinte ao primeiro turno das eleições, Lula telefonou para o senador ­Jaques Wagner, do PT baiano, e iniciou a conversa com um sonoro: “Pô, galego, você não tem jeito mesmo, né? Foi lá e carimbou de novo”. O ex-presidente referia-se ao resultado da disputa pelo governo da Bahia e ao cálculo certeiro, mais uma vez, feito por Wagner. Quando ninguém acreditava, nem mesmo o PT, o senador apostou no nome do ex-secretário de Educação, o também petista Jerônimo Rodrigues, para disputar o cargo. Por pouco não liquidou a fatura no domingo 2. Ele obteve 49,45% dos votos, enquanto o ex-prefeito de Salvador, ACM Neto, do União Brasil, conseguiu 40,80%.

Praticamente, todas as pesquisas eleitorais davam larga vantagem a ACM Neto e a vitória dele no primeiro turno, repetindo o mesmo erro que se viu em eleições passadas. Em 2006, com o próprio Wagner, e em 2014, com Rui Costa, os institutos indicavam a derrota do PT, mas as urnas elegeram os candidatos do partido logo na primeira votação. Neste ano, Wagner acredita que as pesquisas tenham influenciado o eleitor e impedido a vitória de Rodrigues no primeiro round. “No mundo político, a imprensa, todo mundo olhava e dizia ‘o Galego ficou maluco. Vai ganhar nada, vai ganhar nada…’ Aquelas duas pesquisas que saíram no sábado atrapalharam”, queixou-se o senador, em entrevista à Rádio Metrópoles da Bahia.

Rodrigues também acredita que as sondagens eleitorais o prejudicaram no primeiro turno. “Respeito os institutos de pesquisa, mas eles precisam rever a metodologia com urgência, sob o risco de continuar interferindo equivocadamente no processo eleitoral. Na véspera das eleições, pesquisas apontaram a vitória do candidato que ficou quase 10 pontos atrás de mim. Foi por um triz que não venci no primeiro turno e as pesquisas mostravam o contrário”, critica o candidato. Os dois petistas referem-se às pesquisas Datafolha e Ipec divulgadas na véspera da votação, que sinalizavam a possibilidade de vitória de ACM Neto no domingo 2. Nos dois institutos, o ex-prefeito figurava com 51% das intenções de voto, enquanto Rodrigues aparecia com 38% no Datafolha e 40% no Ipec, números desmentidos pelas urnas.

“Pô, galego, você não tem jeito mesmo, né? Foi lá e carimbou de novo”, celebrou Lula ao telefone

“Eu fiquei sustentando até o fim, inclusive no meu partido, ia conversar com o Lula, ele olhava assim, dava aquela risada e dizia: ‘Eu não vou me meter, você é de lá e entende’. A direção do partido dizia: ‘Mas, rapaz, isso é uma maluquice. Se você não for candidato vai entregar’. Eu dizia: ‘Não vou entregar nada’. E fiquei o tempo todo como o Dom Quixote, o maluco, que estava falando uma coisa que não ia acontecer”, relata Wagner. Senador na metade do mandato, ele era a aposta do PT para disputar o governo baiano nas eleições deste ano e dar continuidade a uma aliança comandada pelo seu partido, que está à frente do governo há 16 anos. O parlamentar decidiu, porém, não concorrer. Há quem diga que Wagner pode assumir um ministério em um eventual governo Lula. Ele chegou a sugerir que o senador Otto Alencar, do PSD, fosse o candidato a governador.

A ideia original era Alencar disputar o governo, Rui Costa renunciar para concorrer ao Senado e o vice, João Leão, do PP, concluiria o mandato até o fim do ano. A sugestão chegou a ser apresentada ao próprio Lula e provocou reação de setores do PT estadual, que não aceitavam abrir mão da cabeça de chapa e menos ainda entregar o governo ao PP, partido da base bolsonarista. Otto Alencar, por sua vez, não quis trocar uma reeleição certa – teve quase 60% dos votos – para disputar um governo com risco de perder, descartando aí o desejo de Costa de se eleger senador e o de Leão de ser governador por nove meses. A reviravolta provocou a saída do PP da aliança, que migrou para o palanque de ACM Neto e indicou o filho do vice-governador, Cacá Leão, para senador na chapa oposicionista. Sem consenso, Wagner bancou para a disputa o nome de Rodrigues, desconhecido da grande maioria do eleitorado.

Neto tenta reverter uma desvantagem de quase nove pontos porcentuais – Imagem: União na Câmara

“Tinha convicção de que a gente iria ganhar e até apostava num primeiro turno. E acabou que não deu por 40 mil votos. Ganhamos em 340 municípios e ele em 76. Eu sempre falei que não me guio muito por pesquisas, há algumas eleições os institutos tradicionais, os mais conhecidos, não batem”, destaca Wagner. Em 2006, há poucos dias da eleição, o antigo Ibope dava 31% para o petista e 48% para o governador Paulo Souto, do então DEM, que disputava a reeleição. As urnas deram a vitória a Wagner no primeiro turno, com 52,89% dos votos. O enigma repetiu-se em 2014, com Rui Costa, que se elegeu no primeiro turno com 54,33%, contra 37,39% de Paulo Souto, que tentava voltar a governar a Bahia. Na época, o Ibope apontava mais de 40% de intenções de voto para Souto e menos de 30% para Costa.

Antônio Lavareda, cientista político e diretor do Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas, o Ipespe, aponta ao menos três motivos que levam a esse distanciamento entre os números apontados pelos institutos e o resultado da apuração dos votos. O primeiro é o voto útil, quando o eleitor escolhe um candidato para inviabilizar o outro. O segundo é o que ele chama de voto errático, em que a pessoa vota em quem aparece melhor nas pesquisas ou naquele que não tem chance. O mais importante ponto listado por Lavareda é a abstenção, fator que as pesquisas não alcançam e é determinante no resultado da votação. Segundo o diretor do Ipespe, a abstenção não se abate sobre os candidatos de forma homogênea, depende da posição socioeconômica do eleitor, e se dá principalmente entre as pessoas de baixa renda e baixa escolaridade. Na Bahia, a abstenção foi de 21,35%.

Para o cientista político e professor da UFBA, Danilo Uzêda, na maioria das vezes os institutos não alcançam a ­amplitude dos municípios baianos, não chegam nos grotões interioranos. “As pesquisas não têm captado o eleitorado do interior, seja por uma ausência de instrumentos que o alcance, seja porque se concentram mais nos centros urbanos. As fontes e as metodologias não têm traduzido a pluralidade do eleitorado do mundo rural e das complexas redes de classes sociais na Bahia”, pontua. ­Cláudio André de ­Souza, cientista político e professor da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), acredita que os institutos não utilizam questionários que medem o potencial de mudança do eleitor, deixando de capturar o pragmatismo do voto na reta final. “Talvez os institutos precisem considerar atribuições mais qualitativas na construção das perguntas, que levem em conta o potencial de mudança do eleitor e alcance o voto final.”

“O PT tem muita força. O pessoal fica lá, ‘você é bruxo, você é bruxo’, mas não tem bruxaria alguma”, diz Wagner

O pesquisador lembra que, na Bahia, existe um movimento conhecido como “a força do 13” que influencia muitos eleitores, independentemente de quem seja o candidato do PT. Ou seja, muita gente que não é alcançada pelas pesquisas faz a diferença nas urnas e vota no 13. “Essa liderança exercida por Jaques Wagner está muito dentro de uma leitura do potencial do PT e de Lula na conversão dos votos. Votos lulistas de ACM Neto terminaram migrando para Jerônimo”. Gabriela Messias, cientista política e professora da UFBA, também destaca “a força do 13” e lembra que, desde o governo de Jaques Wagner, o eleitor baiano prefere o PT tanto para governar o estado quanto para presidente, pondo fim à era carlista, clã do qual ACM Neto faz parte.

“Jerônimo iniciou a campanha desconhecido, nem sequer havia passado por cargos eletivos ou estratégicos no governo, mas houve transferência do favoritismo de Lula ao seu nome. E ainda teve a capacidade de Rui e Otto para assegurar o apoio de muitos prefeitos, uma base construída durante as gestões petistas, que foram bem avaliadas pelos baianos”, salienta. “As pessoas desprezam valores importantes na política, como o grupo político, a realização desse grupo, a questão do Lula e a marca do PT. Temos muitas prefeituras, base política, uma banda B que trabalha com a gente, muitos vereadores e movimentos sociais. A gente é muito enraizado. O pessoal fica lá, ‘você é bruxo, você é bruxo’, mas não tem bruxaria alguma”, completa Wagner.

Único instituto a se aproximar do resultado das urnas na Bahia, o ­AtlasIntel, diferente dos institutos mais tradicionais, além dos nomes dos candidatos nas abordagens junto aos eleitores, apresentou o partido, o número e a foto dos concorrentes. “O Jerônimo é um candidato desconhecido e, se você perguntasse apenas ‘vai votar no Jeronimo?’, as pessoas não sabiam que ele era do PT. Sistematicamente, esse efeito de desconhecimento subestimava a força política real do partido, porque tem gente na Bahia que vota sempre no candidato do PT. O nosso era o único questionário que mostrava essa informação e aí capturava, desde o início, a força petista”, explica ­Andrei ­Roman, cientista político e CEO do ­AtlasIntel. “Me parece que isso foi absolutamente determinante para o nosso acerto na Bahia”, completa.

Rui Costa é outro que não confia mais nas pesquisas na Bahia – Imagem: Redes sociais

No fim de setembro, o instituto publicou uma pesquisa que dava Jerônimo Rodrigues com 46,5% de intenções de voto, enquanto ACM Neto aparecia com 39,6%. No dia anterior ao primeiro turno, uma nova rodada dava o petista com 47,7% e o ex-prefeito de Salvador com 40,9%, com margem de erro de 2 pontos para mais ou para menos, praticamente o resultado das urnas. Apesar de não ser presencial, metodologia apontada como mais confiável, o ­AtlasIntel apostou na internet para cobrir a maior parte do território baiano e alcançar a pluralidade do eleitorado. Enquanto os demais institutos que fazem pesquisas presenciais cobrem uma média de 80 municípios, o Atlas alcançou mais de 300 de um total de 417 cidades.

“A gente chega no sertão da Bahia com mais agilidade do que um entrevistador presencial. A penetração da internet no Brasil subiu muito. Para quem não tem, a gente tem um procedimento de substituir uma pessoa que tem o mesmo perfil demográfico, uma pessoa mais pobre, menos escolarizada, que mora numa região mais remota e que tem as mesmas características que a pessoa que está sendo excluída porque não tem acesso à internet.” •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1229 DE CARTACAPITAL, EM 12 DE OUTUBRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Oráculo baiano “

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