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O último bastião

Se perder a eleição gaúcha, o PSDB corre sério risco de desaparecer do mapa político

O ex-ministro de Bolsonaro se recusa até a cumprimentar o adversário no debate - Imagem: Mateus Bruxel/Agência RBS
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O PSDB segue na UTI. Subnutrido de votos e abandonado pelas lideranças que o sustentaram até aqui, corre o risco de ter os aparelhos que o mantêm respirando desligados. Após governar o Brasil de 1995 a 2002, o estado de São Paulo por 28 anos e Minas Gerais por três mandatos, os tucanos amargaram uma dura derrota em 2 de outubro. Na Câmara dos Deputados, sobreviveram 18 parlamentares. No Senado, não ficou ninguém para contar a história. Nenhum candidato a governador foi eleito pela sigla na primeira rodada de votação. Restaram quatro candidaturas que disputam o segundo turno na Paraíba, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul e Pernambuco. Nenhuma delas chegou em primeiro lugar.

Para sobreviver ao vendaval, os tucanos apostam todas as fichas nas disputas pelos governos gaúcho e pernambucano, “politicamente mais robustos, mais consistentes e com maiores chances de vitória”, resume um dirigente do partido. No Rio Grande do Sul, o ex-governador Eduardo Leite foi surpreendido pela baixa votação. Desde o início da campanha, liderou com folga todas as pesquisas de intenção de voto. Quando as urnas foram abertas, disputou voto a voto o segundo lugar com o petista Edegar Pretto e, agora, disputa com Onyx Lorenzoni, ex-ministro de Jair Bolsonaro, que terminou o primeiro turno com 10 pontos ­porcentuais de vantagem.

Para alívio dos tucanos, a rejeição ao bolsonarismo no estado parece predominar. Na primeira pesquisa do Ipec no segundo turno, Leite aparece com 54% dos votos válidos, contra 46% de ­Lorenzoni. A reviravolta deve-se, em parte, ao apoio da esquerda gaúcha. Olívio Dutra, ex-prefeito de Porto Alegre, ex-governador e maior liderança petista no estado, não tardou em anunciar seu voto em Leite. “Tenho uma série de críticas, mas voto nele porque o outro é o candidato de um homem que ameaça a democracia.” O também ex-governador Tarso Genro não só anunciou seu voto, como alertou que o PT não “poderia vacilar na questão”. Manuela D’Ávila, ex-deputada federal e maior liderança do PCdoB local, foi outra que manifestou apoio a Leite. Pelas redes sociais, anunciou: “Fomos e seremos oposição, mas anular o voto não constrói uma alternativa popular. Votarei nele porque sou antibolsonarista, antifascista. Não quero um bolsonarista negacionista governador de meu estado”.

Leite mantém-se indiferente em relação à corrida presidencial. Sabe que para derrotar Onyx precisa do apoio do PT, mas hesita em apoiar Lula e perder votos de antipetistas. Na segunda-feira 17, Pretto anunciou em seu Twitter que a resolução petista é “nenhum voto em Onyx”. Diz ainda ter recebido de Leite “um telefonema gentil”, no qual o petista expôs a necessidade de contrapartida política: “Se Leite precisa do nosso apoio, nós também com Lula”. Segundo a mesma pesquisa Ipec, Lula e o ex-capitão estão empatados no Rio Grande do Sul com 46% das intenções de voto.

Onyx Lorenzoni apela à homofobia para desgastar a imagem do tucano Eduardo Leite entre os conservadores

Lorenzoni tem o apoio do ex-capitão somado ao terrorismo empresarial que atemoriza seus empregados com demissões em massa, caso não votem na dupla. O MDB, que indicou o vice-governador na chapa tucana, deputado estadual Gabriel Souza, rachou. Uma ala do partido formada pelos antigos emedebistas e que nunca concordou com a coligação apoia ­Lorenzoni. O maior exemplo é o prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, que colocou a máquina municipal a serviço da campanha.

O jogo sujo, de preconceito homofóbico e discriminação faz parte da estratégia dos bolsonaristas. No primeiro programa do horário eleitoral gratuito, Lorenzoni afirmou que, caso seja eleito, o Rio Grande do Sul “terá uma primeira-dama de verdade”. O alvo foi seu adversário que, no ano passado, assumiu ser homossexual e vive um relacionamento com o médico Thalis Bolzan. Dias depois, os postes de energia elétrica da capital amanheceram colados com cartazes onde se lê o “RS é alérgico a carne de viado (sic) e lactose – 30/10/2022”. No debate promovido por uma emissora de rádio, Lorenzoni negou-se a estender a mão para cumprimentar seu adversário. Ao final, Leite dirigiu-se a ele com o braço estendido. Lorenzoni esboçou um sorriso irônico, sarcástico, pôs a mão sobre seu ombro, deu as costas e foi embora. O tucano ficou parado com a mão no ar. A repercussão foi a pior possível, inclusive entre seus apoiadores.

No interior não é diferente. Em Cruz Alta, a 350 quilômetros de Porto Alegre, um ex-vereador, evangélico, saiu às ­ruas da cidade com microfone e amplificador para atacar Leite. Em um vídeo que viralizou na internet, o acusava de não ser defensor da “família tradicional, da família original” e atribui isso ao fato de ele “não ter uma mulher ao seu lado”.

Na avaliação do cientista político Cláudio Couto, professor da FGV de São Paulo e colunista de CartaCapital, o PSDB perdeu sua identidade desde que assumiu o governo federal, em 1995, e se aliou ao então PFL. “Nesse momento, o presidente Fernando Henrique Cardoso adotou uma posição de centro-direita em face das coligações e pelas políticas públicas que adotou no seu governo.” Em 2002, o PT vence as eleições, ocupa o espaço da centro-esquerda e empurra os tucanos ainda mais à direita. “Foi nesse momento que o PSDB deu início a um processo irreversível de direitização e que, agora, chegou a este estágio.”

A partir de 2013, lembra o cientista, surge um novo espectro no campo conservador que culmina com uma extrema-direita autoritária, liderada por Bolsonaro e com apoio de uma ala das Forças Armadas. “Por três décadas o PSDB foi a antítese do petismo. Bolsonaro retira essa bandeira dos tucanos, que ficaram sem discurso e sem espaço na política brasileira.” A conta chegou agora com o absoluto fracasso nas urnas. Não bastasse, figuras importantes do neotucanato decidiram, neste segundo turno, pelo apoio à reeleição de Bolsonaro ou em seus candidatos a governador. “O PSDB jogou a pá de cal sobre si mesmo”, conclui Couto.

Diante das dificuldades enfrentadas pelo partido, o ex-governador de São Paulo, João Doria, formalizou seu desligamento do partido “após 22 anos de filiação”. Em nota publicada nas redes sociais, Doria discorre um extenso rol de autoelogios. “A omissão, a letargia e o imobilismo jamais fizeram parte da minha vida. Não cruzei os braços ao encarar problemas que afligem São Paulo e o Brasil”, escreveu. Nenhuma linha sobre a sua inestimável contribuição para a implosão do ninho tucano, com a insistência em ­disputar a Presidência da República, a despeito da enorme rejeição nas pesquisas. Ao cabo, o PSDB não lançou candidato algum. E Doria não hesitou em abandonar o barco em meio à tormenta. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1231 DE CARTACAPITAL, EM 26 DE OUTUBRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “O último bastião”

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