Política

O que desejam os brasileiros que vieram a Brasília para a posse de Lula

Cerca de 300 mil pessoas são aguardadas para a solenidade. Caso o número se confirme, será um recorde para o evento desde a redemocratização

Katia dos Anjos, professora de Macapá (AP) viajou pela primeira vez a Brasília para posse presidencial de Lula — Foto: Cecília Ferreira
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Natural de Macapá, no Amapá, a professora Katia dos Anjos, 40, percorreu quase 2 mil quilômetros para acompanhar a posse presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) neste domingo, dia 1° de janeiro.

As passagens estavam compradas quatro meses antes da certeza de vitória. “Foi uma aposta”, conta. “Eu não vejo em Lula um salvador da pátria, mas um caminho para a gente resgatar direitos que já havíamos conquistado.”

Há exatos vinte anos, ela também acompanhou a solenidade. “Naquela época, estava maravilhada”, recorda. “Hoje, estou aqui não só por ideologia, mas para poder voltar a respirar aliviada.”

Ao falar do alívio, ela recorda os momentos de tensão que o Amapá e os estados vizinhos viveram diante da falta de oxigênio nos hospitais durante o pico da pandemia de Covid-19, além da crise energética de 2020.

Ela diz esperar do novo governo, sobretudo, que o Brasil saia do mapa da fome novamente. “Agora, a gente pode respirar aliviado porque terá alguém que vai olhar para as minorias, para a sociedade como um todo e não só para aquele cercadinho”.

O estado do Amapá foi o único da região em que Jair Bolsonaro (PL) conseguiu uma virada no segundo turno, somando 51,3% dos votos válidos.

A professora Lícia Lustosa Nogueira, 48, também saiu de um estado com liderança bolsonarista. Sua cidade, Itapema, em Santa Catarina, registrou 70% dos votos em segundo turno ao ex-capitão.

A bolsonarização do estado impactou na sua forma de lecionar. Durante a campanha, a determinação aos professores foi direta: não se devia debater política partidária em sala de aula.

Ela conta que a retaliação também vinha dos pais. “Como a gente vai ensinar questões que estão acontecendo no País, sem falar de política?”, questiona ela, professora de artes da rede estadual. “Querem nos dar o papel de babás, mas não o de educadores.”

Lícia Lustosa Nogueira, professora de artes em Santa Catarina — Foto: Camila da Silva

Ao conceder a certificação para cinco escolas catarinenses, Bolsonaro afirmou que o intuito era que “a molecada aprendesse de verdade” e mostrar aos pais que há “hierarquia, disciplina, respeito, amor à pátria, dedicação”, mas especialistas ouvidos por CartaCapital a época, mostraram que a proposta ia contra justamente o que o próprio ex-capitão pregava enquanto “doutrinação ideológica”.

Segundo a professora catarinense, os debates em sala foram diminuindo pouco a pouco, a partir de 2018. “As pessoas acham que política é uma coisa separada e se tem que falar por que é dessa forma que vai se evitar morte e todas essas barbáries que a gente viu nesses últimos anos, que não consegue ter um diálogo minimamente humano”, afirma. “As pessoas podem ter divergências, mas elas têm que poder conversar.

Somente neste ano, o Ministério da Educação sofreu bloqueios e cortes de mais de R$ 1 bilhão. Apesar do cenário ter se agravado nos últimos anos, Lucia relembra ano a ano os impactos da falta de orçamento para a formação dos alunos.

Sua escola realizava visitas técnicas com os alunos ao museu Oscar Niemeyer em Curitiba através da parceria do município com o governo do estado arcava com os custos dos ônibus e outras taxas.

“Ficávamos o dia inteiro, íamos ao museu do Oscar Niemeyer, ao Jardim Botânico […] mas precisamos parar em 2014 porque as verbas começaram a ser cortadas. Parece uma coisa pequena, mas a gente influenciou muitos alunos, eu tenho alunas formadas pelo ProUni em arquitetura trabalhando em grandes construtoras, apaixonadas por arquitetura a partir das visitas técnicas aos museus”.

Neste momento, além da expectativa de retomada dos investimentos e crescimentos em setores de base, como a educação no País, Lícia espera por um momento de comemoração.

“Poder mostrar Brasília para minhas filhas numa visão de futuro melhor é outro clima, não tem comparação.”

Professora Lícia no meio, ao lado esquerdo a filha mais nova Gabriella de Mattos, e seu marido André de Mattos. Ao lado direito, a filha mais velha Esther de Mattos, e sua sogra Maria Alice Pavan — Foto: Camila da Silva

“É uma emoção muito grande estar nesse momento histórico de retomada da democracia, que é uma questão que vem de berço desde o meu pai sindicalista, participou de greves históricas”, conta. “Eu vivo isso desde criança então essa questão do trabalhador, do professor é uma questão que a gente tem que fazer crescer porque nós estamos na base e nós que vamos fazer a mudança no País”.

Na outra ponta do País, em Alagoas, Adriano Ferreira, dirigente nacional do Movimento dos Trabalhadores do Campo (MTC), também sentiu na pele a escalada da violência política e do que significava a retomada da democracia.

Em 2021, no munícipio de Agaci, participou das denúncias contra despejo de 73 famílias do Loteamento Lourenço Ferreira, que envolveu ação de PM’s locais e máquinas escavadeiras. Questão que gerou posteriores pressões políticas a ele e outras lideranças.

“As milícias não aconteciam só no Rio de Janeiro, esse modelo de comando paralelo como começou a ser reaplicado a outros estados, como em Alagoas a milícia dos coronéis e no norte de Minas a dos latifundiários”, aponta Ferreira, ao contar de outro caso de violência contra liderança.

Adriano Ferreira, dirigente nacional do Movimento dos Trabalhadores do Campo, pela primeira vez em uma posse presidencial — Foto: Cecília Ferreira

Neste ano, o casal Maria Izabel e Clailson Gonçalves, também do MTC, foi ameaçado por fazendeiro diante uma disputa da área do cerrado no norte de MG.

Além deste, outros casos semelhantes foram levados através de Adriano ao circuito internacional pela Europa da ONU para denunciar as violações dos direitos sociais. Presente em 11 estados, o MTC reúne mais de 5 mil famílias do campo.

“A gente teve um processo de desmonte da agricultura e das políticas para o campo desde 2016 com o golpe e com a chegada do Bolsonaro se intensificou e tivemos o processo da volta de fome”, conta Ferreira.

Pela primeira vez acompanhando uma posse presidencial em Brasília, considera a ida como um “ato simbólico de resistência e de luta”. “A gente come farinha, feijão, mas a gente também tem direito a cultura, lazer e ter uma vida digna. Isso tudo entra na questão do bem-estar social que a gente precisa”.

Diferente de Katia, Lícia e Adriano, Rita Andrade — hoje em Brasília, nunca quis se envolver em movimentos e discussões políticas, apesar de ter parte da família próxima a parlamentares de Alagoas.

“Eu não tinha proximidade com a política, o bolsonarismo que me trouxe”, conta Rita Andrade. “O estopim foi quando apareceu um cara com falas homofóbicas, racistas e eu comecei a procurar a história dele como deputado e isso foi me assustando muito”. A partir disso ela entrou na militância política.

Esta também é a primeira vez na capital federal e em uma posse presidencial.  “Nunca senti vontade de vir a Brasília justamente pela política, por representar a corrupção”, dessa vez Rita veio junto ao marido, filho e nora.

Rita Andrade (vermelho) com esposo, filho e nora para a posse presidencial — Foto: Camila da Silva

“O que me inspirou foi a coragem do Lula, desde que ele foi preso. Eu sei que vai ser difícil reconstruir o Brasil, mas espero que a gente caminhe para a democracia, saia da linha da pobreza e que o Brasil volte a ser um País grande”, conta.

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