Política

O que é a Bolsoflix, plataforma que mira os apoiadores de Bolsonaro

O site foi lançado há uma semana e reúne vídeos críticos ao presidente, mas sem apelar a táticas de grupos que espalham fake news

(Foto: Reprodução)
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Ao entrar no grupo da família no WhatsApp e se deparar com um parente defendendo que Jair Bolsonaro jamais se insurgiu contra as vacinas que combatem a Covid-19, um crítico do presidente tem bem mais que o desalento. Agora, há um vasto acervo de vídeos para assistir, baixar, enviar e rebater as narrativas que eximem o presidente de declarações e atos publicamente expressos.

Essa é a estratégia da Bolsoflix: utilizar o meio mais popular entre os brasileiros, o WhatsApp — segundo pesquisa feita pela Câmara e Senado em 2019 —, para rebater os conteúdos provenientes dos “gabinetes do ódio” Brasil afora, incluindo as próprios perfis de Jair Bolsonaro nas redes sociais.

O nome, é claro, faz menção ao famoso serviço de streaming.

O site foi lançado na última sexta-feira 13. Apesar de instabilidades e bugs, a novidade rapidamente se popularizou nas redes sociais, chamando a atenção de figuras importantes da oposição ao governo Bolsonaro, como o líder do MTST Guilherme Boulos e parlamentares do PSOL.

Em entrevista a CartaCapital de forma anônima e por e-mail — para preservar a segurança de seus integrantes contra “milícias digitais, de robôs, de apoiadores e até de órgãos do Estado”, explicam —- os idealizadores do Bolsoflix dizem ter um público-alvo diferente: a intenção é falar com quem apoia o governo do presidente e pensa em reelegê-lo em 2022.

O objetivo da Bolsoflix é disponibilizar de forma organizada e acessível vídeos críticos a Bolsonaro

“Nossa curadoria não é feita com o objetivo de agradar quem já se opõe ao governo, mas sim dialogar com quem ainda considera a possibilidade de votar em Bolsonaro em 2022. , argumentam. “Muitos vídeos que opositores acham que são bons na verdade não afastam pessoas do Bolsonaro, e em alguns casos até aproximam. Precisamos dar mais atenção àquilo que é mais efetivo.”

Confira a entrevista:

CartaCapital: Quem compõe a Bolsoflix? Podem me dar uma estimativa de quantas pessoas e de quais áreas elas vêm?

Bolsoflix: Não fornecemos esses detalhes pra preservar nossa segurança. Escolhemos o “pseudonimato” para nos proteger da perseguição que opositores do governo tem sofrido de milícias digitais, de robôs, de apoiadores e até de órgãos do Estado a serviço de necessidades pessoais do presidente.

CC: Vocês são associados a algum partido político ou movimento social conhecido?

B: Não, a Bolsoflix não está associada a nenhum partido ou movimento social.

CC: Qual é o principal alvo de vocês?

B: Bolsonaro.

CC: E o principal objetivo?

B: O objetivo da Bolsoflix é disponibilizar de forma organizada e acessível vídeos críticos ao Bolsonaro que tenham apelo junto a pessoas que apoiem o governo de alguma forma, e junto a isso, construir uma rede de distribuição ampla e diversa composta por milhares de pessoas interessadas em disseminar esses conteúdos em seus grupos pessoais de Whatsapp e outros aplicativos.

Para isso, fazemos uma curadoria dos vídeos que mais circularam nas redes e que, na nossa visão, tem maior probabilidade de convencer potenciais apoiadores do governo de que não dá pra eleger Bolsonaro de novo.

CC: Vocês também criam vídeos próprios ou apenas fazem uma curadoria do que circula na internet?

B: O foco da Bolsoflix, pelo menos por enquanto, é a curadoria e na construção de uma rede de distribuição, e não a produção de conteúdo. Aliás, já tem gente nas redes sociais enviando conteúdo pra gente colocar no site, e vamos escolher os melhores e subir como parte da seleção. Pra gente, quanto mais ajuda, melhor.

CC: Como a ideia de criar o site surgiu e desde quando ela tem sido formulada?

B: Durante uma conversa entre a gente, falamos sobre como alguns vídeos anti-Bolsonaro despertam de fato uma rejeição entre aqueles que ainda apoiam o presidente, enquanto outros só servem pra aumentar a polarização sem mostrar muita efetividade. Percebemos que muito do que compartilhamos só conversa com quem já rejeita o Bolsonaro.

E pensamos o seguinte: não deveríamos estar compartilhando em grupos de WhatsApp pessoais, de família, do bairro, da igreja, da faculdade – ou seja, fora da bolha – os vídeos que falam com os apoiadores, e não os vídeos que ressoam pra gente? E não ajudaria a vida ter um site que agregasse e organizasse vídeos assim? A partir daí, surgiu a ideia de criar a Bolsoflix reunindo material desse tipo e facilitando o recebimento para envio direto no WhatsApp.

A ideia surgiu há alguns meses, e fomos construindo o site pouco a pouco.

CC: Quais são os valores que vocês defendem para criar ou selecionar um vídeo?

B: Conteúdos que não usem fake news, não incitem a violência, não vão contra princípios democráticos, e que, na nossa visão, tenham maior probabilidade de convencer potenciais apoiadores do governo de que não dá pra eleger Bolsonaro de novo.

Nossa curadoria de vídeos não é feita com o objetivo de agradar quem já se opõe ao governo, mas sim dialogar com quem ainda considera a possibilidade de votar em Bolsonaro em 2022. Muitos vídeos que opositores acham que são bons na verdade não afastam pessoas do Bolsonaro, e em alguns casos até aproximam pessoas do presidente. Precisamos dar mais atenção àquilo que é mais efetivo.

CC: Por que lançar o site agora? Há algum motivo em especial, como a CPI da Covid?

B: O motivo tragicamente especial para lançamento do site é a existência do governo Bolsonaro, mas não escolhemos uma data para colocar o site no ar. Colocamos quando ficou pronto.

CC: Vi que há conteúdos que também associam figuras da esquerda, como Fidel Castro e Hugo Chávez, aos seus respectivos governos sendo eles um exemplo de autoritarismo. Qual é o intuito de fazer também essa crítica?

B: Pelo motivo que falamos na pergunta acima: esse conteúdo pode não agradar parte daqueles que já se opõem a Bolsonaro, mas é eficaz para dialogar com parte daqueles que ainda o apoiam. Consideramos que em alguns contextos, para alguns públicos, esse vídeo pode ser estratégico.

CC: E qual é o maior desafio do projeto no momento e a longo prazo?

B: O sucesso do lançamento da Bolsoflix foi maior do que esperávamos. Neste momento, nossas prioridades são garantir que o site está 100% estável e também garantir que vamos conseguir contatar todo mundo que nos mandou
mensagem e que ainda não conseguimos dar resposta. Por causa dos ataques que sofremos no dia seguinte ao lançamento, respondemos só umas mil das mais de seis mil pessoas que pediram vídeos, por exemplo.

A longo prazo, a gente tem certeza de que não vai faltar conteúdo, então o desafio principal será o de continuar aumentando a rede de pessoas que têm acesso ao site e que estão ajudando a distribuir.

CC: Vocês diriam que grupo usa de táticas utilizadas pelos militantes de direita para fazer um “contragolpe” às informações disseminadas por eles?

B: Em parte. Sim, no sentido de que precisamos combater essas redes de desinformação onde elas são mais potentes, especialmente no WhatsApp. Para isso, criar nossas próprias redes de distribuição e construir uma cultura de compartilhamento ampla pra que bons conteúdos cheguem no maior número de pessoas é fundamental.

Mas não usamos as mesmas táticas quando se trata de usar usar fake news, incitar violência, usar robôs que fingem ser pessoas, entre outros mecanismos antiéticos e antidemocráticos. Nós não fazemos nem faremos isso, e essas são táticas que são empregadas pelas redes bolsonaristas com bastante frequência. Acreditamos que dá para ultrapassá-los nas redes sem apelar da forma como eles apelam, especialmente se surgirem mais iniciativas dedicadas a isso por aí puxadas por outros grupos também.

CC: Há checagem de informações sobre o conteúdo? Caso alguém ache algo suspeito nos vídeos, qual é a política de vocês?

B: Fazemos uma curadoria atenta e validamos as informações contidas nos vídeos, porque temos como princípio não promover desinformação. Caso alguém aponte alguma fake news nos vídeos, a informação apontada passa novamente por um processo de checagem e, caso confirmemos o problema, tiramos o vídeo do ar.

CC: Vi que vocês tiveram algumas mudanças e instabilidades ao longo dos primeiros dias. O que aconteceu? Vocês foram alvos de ataques?

B: Nosso número de WhatsApp foi derrubado em poucas horas, e isso dificultou que respondêssemos aos pedidos de vídeos. Também derrubaram nosso canal pra distribuição de vídeos e houve outras tentativas não sucedidas de invasão. Felizmente conseguimos superar esses obstáculos.

CC: Testei a primeira forma de adquirir os vídeos e fui redirecionada para um perfil genérico no WhatsApp. Qual era o primeiro intuito dessa forma de divulgação? Por que essas mudanças?

B: Nossa ideia inicial era a de distribuir o vídeo da forma mais fácil para as pessoas espalharem pelos seus grupos pessoais: enviando diretamente para o WhatsApp delas. É importante lembrar que muitas pessoas não sabem baixar um vídeo de um site e subir no WhatsApp, por exemplo, e também que a maioria dos usuários de telefone celular têm planos pré-pagos com acesso limitado a internet, mas ilimitado a WhatsApp – ou seja, não basta compartilhar o link de um vídeo, é preciso garantir que o arquivo do vídeo seja passado pra frente. Todas essas coisas são muito importantes, e por isso optamos por esse caminho.

O problema foi que isso facilitou a vida de quem queria nos atacar, porque bastou derrubar um único número de telefone – diferentemente dos bolsonaristas, não temos fazendas de telefone celular e nem robôs para fazer a distribuição usando várias contas diferentes.

Então, tivemos que mudar nosso método. Quando nosso WhatsApp caiu, disponibilizamos uma pasta online com todos os vídeos. Agora, já colocamos no ar um novo sistema que permite baixar vídeos individuais direto do site.

CC: No site, há um formulário para quem quiser se inteirar mais do movimento. Como é feito esse contato? Como vocês podem garantir a segurança das informações que as pessoas fornecem?

B: O contato é feito normalmente por e-mail, WhatsApp (para onde devemos voltar em breve) e Telegram (onde criamos um grupo que cresceu muito rápido quando o WhatsApp original foi derrubado).

Fazemos uso de equipamentos, serviços e práticas orientados para a proteção de dados e segurança da informação. Não compartilhamos os dados coletados com ninguém que não esteja diretamente envolvido na gestão dos canais de comunicação da Bolsoflix, e os dados são armazenados em plataformas seguras.

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