Economia

O que defende Nelson Marconi, o ‘guru’ econômico de Ciro Gomes

Filiado à escola do Novo Desenvolvimentismo, o economista da FGV lidera o plano de governo do pedetista desde 2018

(Foto: NILTON FUKUDA/ESTADÃO CONTEÚDO/AE)
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O Brasil, sob a batuta de Jair Bolsonaro (PL) e Paulo Guedes, encerra 2021 cercado por incertezas. A inflação é galopante, os preços dos principais itens básicos, altos e o desemprego atinge mais de 13,5 milhões de pessoas.

Não por acaso, as principais pesquisas eleitorais apontam que a economia será o fator decisivo para o voto em 2022. Pré-candidatos, portanto, correm para apresentar ao mundo os nomes que estão ao seu lado na construção de soluções para esses problemas e que, possivelmente, irão liderar a área caso sejam eleitos.

Na semana passada, Sergio Moro (Podemos) escalou Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central durante a Ditadura Militar, como seu ‘guru’ na Economia. Mais recentemente, João Doria (PSDB) se juntou a Henrique Meirelles, seu atual secretário, ex-presidente do BC no governo Lula e ex-ministro da Fazenda de Michel Temer. Bolsonaro segue abraçado a Paulo Guedes. E Lula (PT) ainda não centralizou em ninguém os conselhos na área, mas tem ao seu lado antigos aliados dos oito anos em que governou o País.

A preocupação em escolher um nome forte para a área, evidentemente, não passou despercebida pelo pedetista Ciro Gomes. Experiente em eleições e apostando em antagonizar as candidaturas de Lula e Bolsonaro, Gomes declarou publicamente que tem Nelson Marconi como seu ‘guru’ e principal conselheiro. Economista da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e filiado a escola do Novo Desenvolvimentismo, Marconi, divide a função com Mauro Benevides, que foi secretário de Ciro no governo do Ceará, mas reafirma o seu papel central na campanha do PDT. Em entrevista exclusiva a CartaCapital, o economista também faz questão de destacar que os dois são completamente diferentes de qualquer um dos nomes cotados pelos demais candidatos.

“A grande diferença é que os governos anteriores, tanto mais liberais, quanto os petistas, jogaram muito a favor da esfera financeira e pouco a favor da esfera produtiva. O resultado foi desindustrialização e perda de empregos. E é aqui que nosso programa diz claramente que esse modelo não presta mais. Está cada vez mais claro que ele deu errado”, destaca Marconi.

O economista também critica a tentativa de Bolsonaro de se eximir da culpa pela atual crise brasileira. Para ele, o presidente faz um ‘discurso mentiroso e descolado da realidade’, quando ‘obviamente a culpa é dele e de Guedes’.

Confira a seguir.

CartaCapital: A economia brasileira enfrenta vários problemas: inflação galopante, alta nos preços, desemprego em alta… Qual é o principal deles?

Nelson Marconi: A gente está vivendo um desequilíbrio muito forte do ponto de vista macroeconômico, estamos na pior situação possível, que é a situação da inflação alta com uma queda no nível de atividade. Mas o pior problema é a forma como o governo federal faz política econômica.

Já há alguns anos, o governo vem tratando a política macroeconômica como compreendesse o Estado como o problema da economia. Ao longo do tempo, ele vem trabalhando para reduzir o tamanho do Estado, e isso tem provocado um crescimento muito baixo, de um ponto de vista conjuntural. Precisamos ser mais eficientes, é claro, mas sem exagerar no tamanho ou encampar todas as atividades. O atual governo, porém, visa apenas a redução no tamanho para uma redução de custo, sem ver que essas medidas ajudam a piorar o nível de atividade.

Outro grande problema é o diagnóstico errado do que está acontecendo com a inflação. O governo faz uma política para não estimular a demanda, ou seja, não estimula o crescimento, e do outro lado, ataca a inflação via demanda. Isso consegue fazer com que o nível de atividade caia mais ainda, por estes dois lados. Então, com isso, a gente vai para uma crise, para uma situação em que a gente cresce muito pouco.

CC: E o que está, de fato, ocorrendo com a inflação?

NM: A inflação está sendo causada por outros fatores. Pode ver que não temos a pressão de demanda com essa taxa de desemprego, com ocupação precária e queda na renda. Ela é causada pela política de preços na Petrobras, pelos erros do governo na política energética, pela destruição de estoques reguladores de alimentos e uma pressão externa. Tanto que a gente fala sempre de fatores pelo lado da oferta. Repito, o governo está dando um tiro na demanda pelos dois lados: sem uma política de crescimento e sem uma política de combate à inflação. Com isso, a economia infelizmente não sai do buraco.

O atual governo visa apenas a redução no tamanho para uma redução de custo, sem ver que essas medidas ajudam a piorar o nível de atividade

CC: Como explicar a crise que a gente atravessa hoje? Ela começou agora, é fruto da pandemia e uma crise global, como diz o governo? 

NM: Para explicar esse buraco que a gente se meteu, vou voltar bem para trás. A partir dos anos 1980, nós fizemos uma opção por crescer nos endividando. Reforçamos isso nos anos 1990, quando provocamos uma abertura financeira muito grande, o que foi muito ruim para o País. Essa abertura financeira, junto com a estratégia de crescer com endividamento, foi se perpetuando por todos os governos. É uma política que tem como um de seus pilares atrair capital externo, com taxas de juros altas e moeda apreciada. E a moeda apreciada cria um falso sentimento que está ‘indo tudo muito bem’. Mas os juros altos atrapalham o crescimento e, a moeda apreciada contribui para facilitar importações. Então, o que acontece é que a gente entrega nosso mercado interno para produtores de outros países e aí o investimento não cresce, nem a economia.

Assim foi com Fernando Henrique Cardoso, Lula…a Dilma tentou, de certa forma, mudar esse modelo, mas pegou algo tão desequilibrado que foi difícil para ela fazer qualquer pequena mudança…e os outros governos Temer e Bolsonaro voltaram ao mesmo modelo.

O problema no longo prazo é a achar que é preciso recursos externos para crescer e que o Brasil não tem capacidade de se desenvolver de forma, digamos, autônoma. E isso vem desde FHC, basta pegar a obra que ele escreveu. Ele implementou isso e ajudou a formar vários intelectuais, tanto do PSDB, quanto do PT. E o PT continuou fazendo a mesma coisa em seus governos, em especial de Lula. Dilma tentou fazer mudanças no binômio juros-câmbio, mas herdou um desequilíbrio muito grande de Meirelles e Lula. Lógico que na época do Lula, como o mundo estava crescendo e tinha uma política social compensatória, a população não percebia isso como se percebe hoje. Mas, isso quando estourou, não houve política social, nem política industrial que compensasse

E hoje o desequilíbrio é tão grande que, com Paulo Guedes, temos juros altos e câmbio um desastre. Então o problema de hoje é de longo prazo, de estratégia errada, por seguir acreditando que, para crescer, temos que ter recursos externos, com juros altos e moeda apreciada. É algo que os asiáticos fizeram diferente, eles foram exportar manufaturados. E aumento de exportação significa aumento de poupança externa, receita para empresas locais.

Lógico que não é apenas isso, temos outros problemas, como infraestrutura, estrutura tributária. Tudo isso conta também, mas a raiz, a diretriz geral é essa.

CC: Bolsonaro quase diariamente tenta afastar a responsabilidade pela crise atual. Afinal, ele é ou não o responsável pela crise? 

NM: Sim, Bolsonaro tem responsabilidade nesta crise, e muita. É óbvio que a inflação é culpa da política deles. Essa questão de que a culpa do preço da gasolina seria dos governadores… Se montarmos um gráfico mostrando a evolução do preço médio da gasolina nos postos e da evolução do preço do petróleo no mercado internacional multiplicado pela taxa de câmbio, vai ver que os gráficos andam juntos. Isso, portanto, é responsabilidade da política de preços do governo federal.

O desmonte dos estoques reguladores é responsabilidade do governo federal. A política energética é responsabilidade do governo federal. As barbaridades que Bolsonaro fala e que têm impacto no comércio internacional e na credibilidade do País, que puxam a taxa de câmbio para cima, são de responsabilidade do governo. Os recursos saem do país ou deixam de entrar, causando um desequilíbrio total. Isso é reflexo da política econômica de Bolsonaro e Guedes, culpa, portanto, do governo federal.

CC: Diversos outros candidatos têm anunciado ‘gurus econômicos’. Como o senhor avalia o perfil destes economistas? São diferentes entre si?

NM: No fundo, estão todos ligados ao que chamaria de social-liberalismo, em graus diferentes. Entendem que o governo deve ter uma estratégia muito restrita do ponto de vista de desenvolvimento econômico. O que eles defendem é deixar o mercado sozinho resolver todas as questões ligadas ao crescimento. Em regra geral, é isso: concordam entre si sobre a redução do tamanho do Estado, com o teto de gastos e entendem que políticas sociais compensatórias vão resolver todo o problema da desigualdade. Por isso digo que são social-liberalistas.

De certa forma, essa é a característica geral deste grupo. Com nuances, claro. A gente vê, por exemplo, um Armínio [Fraga] muito mais preocupado com questões de desigualdade e estrutura tributária progressiva do que outros, que se preocupam muito mais com a questão do corte de gastos e diminuição do Estado, como é o caso do Pastore. Então, tem nuances neste grupo, não são exatamente iguais.

CC: Ciro tem destacado em todas as oportunidades que é o único a ter um plano completamente diferente para a economia. Quais são essas diferenças?

NM: Entendemos que o modelo econômico que está aí e que vem sendo adotado desde os anos 1990 está errado. Foi um erro de todos os governos, que privilegiaram muito essa questão da abertura financeira, contando com a moeda apreciada e com uma dose de um certo viralatismo, que a gente precisaria mimetizar o comportamento externo para o País crescer.

Sendo um pouco mais específico, a primeira diferença do nosso plano é que entendemos que precisamos privilegiar quem produz e para isso precisamos mudar a política macroeconômica. A gente entende que existe uma responsabilidade fiscal, mas a responsabilidade fiscal que defendemos está ligada a capacidade do governo de fazer investimentos e, com isso, romper com essa ciranda financeira que todos os governos acabaram estimulando.

A segunda diferença é que a gente defende há muito tempo um projeto de desenvolvimento do País, que chamamos de Novo Desenvolvimento Nacional. Nele, você deve dizer onde o País vai chegar em termos de crescimento e inclusão social, desigualdade, direitos humanos, sustentabilidade, de deterioração ambiental. Tudo isso precisa ser bem definido para que você tenha uma série de programas pactuados, inclusive junto com o setor privado. Assim podemos ter metas claras e cobrar resultados e desempenho.

Além disso tudo, precisamos mudar a questão fiscal. A gente precisa retomar a questão do investimento público e, para isso, precisamos ter um fundo. Entendemos também que precisamos retomar as exportações de manufaturados e para isso precisamos ter toda uma política comercial orientada para isso.

Fora isso, precisamos ter política industrial diferente da que o PT fez. Precisamos nessa política industrial ter condicionalidade, metas e cobranças de resultados. E, fundamentalmente, a meta principal é exportar. Essa política não pode ser feita como fez Lula e Dilma, como uma política compensatória para apreciação da moeda. A gente tem que ter primeiro o equilíbrio macroeconômico adequado para aí sim fazer a política industrial, caso contrário vai ser completamente ineficaz e jogar dinheiro fora.

Há ainda uma oportunidade de investimento na necessidade do País investir na redução da degradação ambiental. São essas as linhas gerais do plano. E onde a gente pretende chegar? É na geração de empregos de boa qualidade e que, com isso, a gente consiga reduzir as desigualdades sociais. Lógico que, junto a isso, eu preciso ter uma série de programas sociais, de renda mínima e outros benefícios para a população para reduzir a desigualdade mais rápido. A grande diferença é que os governos anteriores, tanto mais liberais, quanto os petistas, jogaram muito a favor da esfera financeira e pouco a favor da esfera produtiva. O resultado foi desindustrialização e perda de empregos.

CC: É possível resolver esses problemas no curto prazo? Ou seja, a população brasileira pode ter esperança de superar a crise da atual gestão já nos próximos anos?

NM: Se ganharmos a eleição e conseguirmos implementar esse plano de governo, entendo que rapidamente a gente consegue mudar esse quadro. Teremos que usar seis meses para fazer a reforma tributária, talvez refazer a reforma da previdência e colocar a casa em ordem. Feito isso, retomando o investimento público já no primeiro ano, que é essencial para retomar o crescimento, já que o investimento privado não tem, por enquanto, estímulo para investir. Então o investimento público é quem precisa liderar a retomada neste primeiro momento. Se conseguirmos fazer estas duas etapas: retomar em seis meses o investimento público e fazer a reforma tributária, entendemos que o crescimento começa a voltar também muito rapidamente. Soma-se a isso o refinanciamento da dívida das famílias e de empresas.

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