Justiça

O que as mensagens da Spoofing revelam sobre a relação entre a Transparência Internacional e a Lava Jato

Dias Toffoli autorizou uma investigação contra a ONG que, nos últimos anos, se dedicou a defender publicamente a operação e seus principais envolvidos, no Brasil e no exterior

O ex-procurador e ex-integrante da força-tarefa da Operação Lava Jato Deltan Dallagnol. Foto: Lula Marques
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A ONG Transparência Internacional está na mira de uma investigação aberta no Supremo Tribunal Federal para apurar suposta irregularidade na destinação de valores dos acordos de leniência firmados pela Operação Lava Jato.

A entidade, conhecida no mundo todo por erguer a bandeira do combate à corrupção, atuou nos últimos anos para defender publicamente a Lava Jato e seus protagonistas dentro e fora do Brasil.

Em 2020, o vazamento de mensagens do Telegram trocadas entre o procurador Deltan Dallagnol e o diretor-executivo do capítulo brasileiro da Transparência Internacional, Bruno Brandão, sugeriam uma relação pouco transparente entre a organização e a Lava Jato.

A troca de mensagens revela que Dallagnol recorria ao diretor da TI quando a imagem da operação estava em perigo ou quando queria promovê-la.

Além disso, a ONG teve acesso e sugeriu alterações na minuta que criaria uma fundação para a administração dos recursos recuperados pela operação provenientes de multas impostas à Petrobras.

Partiu da ONG uma recomendação, não acatada, de que o Ministério Público Federal não fizesse parte do conselho da Fundação Lava Jato, formada com o dinheiro das multas.

Dallagnol e Brandão também traçaram estratégias para que fossem lançadas pesquisas sobre a atuação da Lava Jato e a percepção dos brasileiros quanto a recuperação econômica do País à época.

“Se o Brasil está começando a se recuperar, podemos começar a creditar isso na conta do trabalho de vcs tb, colocando isso na boca do investidor estrangeiro daria muita credibilidade – e desmontaria um dos argumentos que os críticos mais repetem”, disse Brandão a Dallagnol em 2 de junho de 2017.

Diversas notas foram emitidas pela TI a pedido de Dallagnol, em momentos em que a Lava Jato era alvo de críticas, com a intenção de contrapô-las na imprensa, sugerem as mensagens.

Desde junho de 2017, Brandão e Dallagnol começaram a conversar sobre a criação de um fundo para distribuir aportes a projetos de combate à corrupção. A ideia partiu do diretor da TI.

“Deltan, talvez uma boa ideia seria vcs criarem uma espécie de fundo para distribuir mini-grants para iniciativas de controle social e de prevenção da corrupção. A TI pode ajudar a operacionalizar isto. Seria uma mensagem muito positiva da FT-LJ também…”, escreveu Brandão à Dallagnol em 8 de junho daquele ano.

Tal fundação, em parceria indireta da TI, foi considerada ilegal pelo STF, que entendeu que o MPF estaria “exacerbando as suas funções”.

Nesse primeiro mecanismo criado, o MPF ficaria com uma parcela da multa imposta à Petrobras.

O restante do recurso, cerca de 2,5 bilhões de reais, seria destinado para uma fundação privada que investiria em projetos, iniciativas e entidades com atuação na prevenção e combate à corrupção – mesmo perfil da Transparência Internacional.

No entanto, o formato dessa fundação gerou desconfiança da sociedade e duras críticas de juristas e autoridades contra a força-tarefa da Lava Jato.

Pouco tempo depois, a Transparência Internacional participou da elaboração de um plano de trabalho para gerir recursos da multa de 2,3 bilhões de reais, imposta à J&F pela força-tarefa da Greenfield, do MPF.

O acordo de leniência firmado com a empresa previa a destinação dos valores para projetos sociais. Para gerir o fundo, Dellagnol convidou, entre outras, a Transparência Internacional para compor o Comitê de Curadoria Social.

Por conta desta proposta, a Transparência, apesar de atuar 20 anos no Brasil, decidiu registrar um CNPJ e se tornar oficialmente uma empresa privada estrangeira a operar no País.

Os critérios de destinação de recursos seriam ainda definidos em estatuto da fundação.

Juntas, a força-tarefa e a ONG pretendiam gerenciar 5 bilhões de reais recuperados dos desvios na Petrobras.

Como mostraram diálogos posteriores, a força-tarefa buscava meios de firmar as parcerias sem ter de prestar contas ao TCU.

Em 2021, a direção mundial da organização, sediada em Berlim, decidiu abrir uma investigação a respeito da conduta de seus representantes no Brasil e de uma possível interferência na política do País, comportamento vedado pelas regras internas.

Um dos pontos investigados pela organização alemã era a tentativa de Deltan de criar, junto a TI, um “selo” para candidatos às eleições de 2018 que “se comprometam com as 10 medidas de combate à corrupção” e “não tenham sido acusados criminalmente”. A tentativa foi considerada como uma clara interferência política.

Em paralelo, o deputado federal Rui Falcão, do PT, solicitou ao Superior Tribunal de Justiça que investigue os possíveis crimes de improbidade administrativa, infrações penais, faltas disciplinares e funcionais e graves prejuízos aos cofres públicos cometidos nesses acordos.

Falcão também acionou o Tribunal de Contas da União a respeito de possíveis danos ao erário.

O procedimento aberto agora em 2024 visa apurar a gestão de recursos da Lava Jato, bem como a participação da organização na destinação dos valores.

Na decisão, o ministro do STF Dias Toffoli entendeu ser “duvidosa” a criação e fundação da entidade cuja finalidade era gerir recursos de pagamento de multa a autoridades brasileiras, prioritariamente provenientes da Operação Lava Jato.

Para Toffoli, há uma clara irregularidade na destinação dos valores dos acordos de leniência para a Transparência Internacional.

“Segundo apontam as cláusulas do acordo, ao invés da destinação dos recursos, a rigor do Tesouro Nacional, ser orientada pelas normas legais e orçamentárias, destinava-se a uma instituição privada, ainda mais alienígena e com sede em Berlim”, diz trecho da decisão.

Procurada, a Transparência Internacional afirmou que são falsas as informações de que valores recuperados através de acordos de leniência seriam recebidos ou gerenciados pela organização.

“A Transparência Internacional jamais recebeu ou receberia, direta ou indiretamente, qualquer recurso do acordo de leniência do grupo J&F ou de qualquer acordo de leniência no Brasil. A organização tampouco teria – e jamais pleiteou – qualquer papel de gestão de tais recursos. Através de acordos formais e públicos, que vedavam explicitamente o repasse de recursos à organização, a TI Brasil produziu e apresentou estudo técnico com princípios, diretrizes e melhores práticas de transparência e governança para a destinação de “recursos compensatórios” (multas e recuperação de ativos) em casos de corrupção1 . O relatório incluía recomendação de que o Ministério Público não deveria ter envolvimento na gestão destes recursos. O estudo e as recomendações não tiveram e não têm qualquer caráter vinculante ou decisório. O Memorando de Entendimento2 que estabeleceu esta cooperação expirou em dezembro de 2019 e não foi renovado, encerrando qualquer participação da Transparência Internacional”, diz trecho da nota.

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