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O lavajatismo saca a arma

Quais interesses movem o ataque orquestrado à ação no STF que pede a revisão dos acordos de leniência?

Método. Moro e Dallagnol eram parceiros não em uma investigação, mas em um projeto político e partidário – Imagem: Redes sociais
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Tem causado peculiar repercussão a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental proposta pelo PSOL, Solidariedade e PCdoB para, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, tratar dos acordos de leniência anticorrupção celebrados entre o Estado brasileiro e as empresas ao longo da Operação Lava Jato.

A repercussão majoritariamente negativa contra a referida ação, da qual somos um dos advogados subscritores, ocorre para refutar as teses jurídicas ali deduzidas, mas também para atacar diretamente os causídicos que nela atuam, o que nos provoca especial estarrecimento.

Consoante estudos acadêmicos por nós realizados e que remontam à própria origem da Lava Jato, violou-se, sem precedentes na nossa história, direitos fundamentais de investigados, acusados e réus. O projeto messiânico de poder afetou, ainda, processos eleitorais e cadeias produtivas de base da infraestrutura nacional. Muitas das mazelas do lavajatismo foram, inclusive, reconhecidas e desfeitas por nossa jurisdição constitucional. Destaque-se, em especial, a reversão das gravíssimas afrontas aos direitos fundamentais do presidente Lula.

Ocorre que muitas heranças malditas ainda permanecem vivas, repercutindo-se negativamente na vida dos cidadãos e das empresas. É por essa razão que nasceu a ADPF. O efeito devastador para a infraestrutura nacional exige que os acordos de leniência sejam revistos. É preciso preservá-los, mas revisar, pela técnica da interpretação conforme a Constituição, suas pesadas obrigações pecuniárias.

A anormalidade jurídico-institucional lavajatista – a ensejar, inclusive, a materialização de um estado de coisas inconstitucional – fez com que as companhias assumissem compromissos pecuniários estratosféricos que prejudicam severamente o seu desempenho e colocam em risco a própria sobrevivência. Outrossim, salta aos olhos os efeitos deletérios do lavajatismo, razão pela qual Lenio Luiz Streck e Luiz Gonzaga Belluzzo, em artigo veiculado no site Consultor Jurídico, consignaram, acertadamente, que os críticos da ADPF demonstram descompromisso com a nossa história institucional recente.

As empresas colaboradoras, imbuídas de vício de consentimento, foram forçadas a celebrar acordos. A turbação à livre e desembaraçada vontade concretizou-se, inclusive, pelo uso de instrumentos de persecução penal em face de pessoas físicas para forçar as pessoas jurídicas à celebração dos acordos. Com relação ao elemento coação, destaque-se que Emílio Odebrecht, em obra intitulada Uma Guerra Contra o Brasil: Como a Lava Jato Agrediu a Soberania Nacional, Enfraqueceu a Indústria Pesada Brasileira e Tentou Destruir o Grupo Odebrecht, denunciou a “fábrica de delações”, a “blitz de madrugada” contra executivos presos e a tortura psicológica por trás dos acordos lavajatistas.

Aliás, seja via “vaza jato”, seja em virtude das decisões do STF, ficou demonstrado que o juiz, na ocasião, era parcial. Mais precisamente, atuava em “parceria” com o órgão acusador. Nesse cenário, o devido processo legal sempre esteve comprometido, razão que evidencia o cenário de abusos e ilegalidades em que foram celebrados os acordos.

Em um procedimento sancionador, em que juiz e acusação agem “em parceria” contra os acusados, qual direito fundamental se mantém incólume? Como essa situação não pode ser caracterizada como uma violação sucessiva de direitos fundamentais? Emílio Odebrecht, no recente livro, divulgou inclusive mecanismos de tortura para forçar delações, algo a ser investigado e avaliado. Contudo, só com o que a “vaza jato” apresentou é, no mínimo, temerário não levarmos a sério a situação de estado de coisas inconstitucional em que o lavajatismo aniquilou empresas nacionais.

Por todas essas razões, é preciso que tais avenças se sujeitem ao escrutínio da nossa jurisdição constitucional, de modo a se compatibilizarem com os preceitos fundamentais violados pelos senhores do punitivismo. Temos um encontro marcado com os critérios adotados na quantificação de multas e de ressarcimento ao Erário, além da atuação institucional, por parte de agentes estatais, baseada na coação e no desvio de finalidade.

A “criminalização” da advocacia é um dos vetores da índole lavajatista

Com relação ao ataque dirigido aos advogados que patrocinam a ação, insta consignar que as críticas, dada a contundência e extensão, violam as prerrogativas profissionais daqueles que, legitimamente, deduziram, perante a Justiça constitucional brasileira, uma determinada pretensão jurídica. É inadmissível o ataque ao múnus público que é o ato da advocacia. É inadmissível, contudo, não surpreendente. A “criminalização” da advocacia é um dos vetores do lavajatismo. Não paira qualquer dúvida de que o advogado possui o direito de exercer a profissão com liberdade. De forma irresponsável, afronta-se a reputação de profissionais especialistas na área afeta à medida de controle concentrado de constitucionalidade e, ainda, protagonizam uma intensa atuação, inclusive acadêmica, de análise e questionamento da Operação Lava Jato.

Nossa Constituição, reconhecendo a relevância da atividade do advogado para a coletividade, previu que ele é indispensável à administração da Justiça. O profissional exerce uma missão social que não se reduz à mera prestação de uma utilidade individualmente fruível. Consequentemente, referida garantia não resguarda apenas um direito subjetivo isoladamente considerado, mas um dos pilares do nosso pacto social e do nosso Estado Democrático de Direito.

Consoante acertadamente destacado por Fábio Tofic Simantob e Marco Aurélio de Carvalho, em recente artigo veiculado no portal Poder360, a Lava Jato deixou um rastro de litígios jurídicos que devem tomar a pauta do Judiciário brasileiro nos próximos anos. Referida litigiosidade é fruto de um dos maiores escândalos da história das instituições brasileiras. Não culpem os causídicos pelas legítimas provocações jurisdicionais. É dever da advocacia pleitear, perante as instâncias competentes, a recomposição dos direitos violados.

Nesses termos, a ADPF é fruto de uma comprometida missão pública de seus autores e legítima decorrência de atividade profissional dos advogados que a patrocinam. Não se trata de anistia, de perdão ou de “bolsa-ladroagem”, mas de regular a pretensão de reavaliação dos acordos de leniência anticorrupção. À referida pauta de interesse nacional devem ser dirigidas as contribuições daqueles que, possuindo tempo e intelecto, desejam participar do processo público de formação da vontade constitucional. •

Publicado na edição n° 1258 de CartaCapital, em 10 de maio de 2023.

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