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Não se trata de ‘livrar a cara’ das empresas. E sim de sepultar a herança maldita da Lava Jato

PSOL, PCdoB e Solidariedade querem a revisão dos termos impostos às empresas pela força-tarefa

Rafael Valim, sócio do escritório Warde Advogados: "A Lava Jato, a título de 'combater a corrupção', promoveu uma sistemática violação da ordem jurídica brasileira"
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Os desmandos da Operação Lava Jato continuam a produzir consequências. Três partidos – PSOL, PCdoB e Solidariedade – se uniram em uma arguição de descumprimento de preceito fundamental para pedir ao Supremo Tribunal Federal a suspensão dos acordos de leniência que as empresas acusadas de corrupção foram obrigadas a assinar com a força-tarefa de Curitiba.

Os acordos somam cerca de 8 bilhões de reais, dos quais 1 bilhão de reais entraram nos cofres públicos até o momento. Não custa lembrar: em sua cruzada para levar Lula à cadeia, a “República de Curitiba” provocou a derrocada não de um ou duas organizações, mas de setores inteiros, entre eles o naval e a construção pesada, que reunia algumas das empreiteiras mais competitivas do mundo.

Segundo a ADPF, durante a operação, “diversos órgãos de persecução penal promoveram, comprovadamente, a instalação de um Estado de Coisas Inconstitucional… com o efeito cascata de quebra generalizada de companhias estratégicas para a economia brasileira”. As legendas requerem ainda a distribuição preventiva do caso ao ministro Gilmar Mendes, relator de diversas ações que questionam os termos das tratativas do Ministério Público Federal com as empresas, e uma redefinição das normas desse tipo de acordo.

A arguição encaminhada à corte gerou uma forte reação de grupos lavajatistas, que acusam os partidos de tentar livrar da devida punição empresas cujos acionistas foram flagrados em atos de corrupção. A própria peça, assinada por três escritórios, Warde Advogados, Maimoni Associados e Oliveira, Moraes & Silva, cuida, no entanto, de responder à tentativa de desqualificação.

Os autores elencam, ao longo da ADPF, as inúmeras denúncias de parcialidade, atropelos aos Estado de Direito, uso político e eleitoral e interesses pecuniários que marcam as decisões da força-tarefa de Curitiba e do juiz de primeira instância. Os sucessivos e inquestionáveis “desvios” da operação, demonstram os diálogos entre procuradores e Sergio Moro expostos pela chamada Vaza Jato, não se restringem à condenação sem provas do presidente Lula. Há outras vítimas.

À página 11, os advogados listam os mais evidentes problemas dos tratos oferecidos às empresas. São eles: acordos firmados sob coação, arbitrariedade na criação de instituto inexistente no ordenamento jurídico (as multas híbridas, acrescida de ressarcimento mínimo ao erário), abusos na identificação da base de cálculo das multas, celebração de múltiplo acordos de leniência, caixa dois eleitoral e a base de cálculo das obrigações pecuniárias e fatos considerados na celebração dos acordos, mas que posteriormente não foram qualificados como ilícitos.

“Conforme reconheceu em diversas ocasiões o Supremo Tribunal Federal, a Operação Lava Jato, a título de ‘combater a corrupção’, promoveu uma sistemática violação da ordem jurídica brasileira”, afirma Rafael Valim, sócio do Warde Advogados. “Não se trata, em absoluto, de ‘livrar a cara’ das empresas. Quem diz isso não leu uma linha da ação judicial e dá mostras de um profundo desprezo pela Constituição Federal. Trata-se de sepultar a herança maldita da Lava Jato”.

Na entrevista a seguir, Valim explica os objetivos da ADPF:

CartaCapital: Os acordos de leniência no âmbito da Lava Jato foram referendados por vários órgãos de controle. Qual a base para questioná-los neste momento?

Rafael Valim: Conforme reconheceu em diversas ocasiões o Supremo Tribunal Federal, a Operação Lava Jato, a título de “combater a corrupção”, promoveu uma sistemática violação da ordem jurídica brasileira. Gravíssimas ilegalidades foram praticadas sob os aplausos irrefletidos de grande parte da mídia. Aliás, a CartaCapital é um raro veículo que pode se orgulhar de nunca ter se rendido ao falso discurso lavajatista. A ação pretende submeter ao escrutínio do Supremo Tribunal Federal exatamente a atuação dos órgãos de controle do Estado, de modo a permitir que os acordos sejam revistos e fiquem em conformidade com a Constituição e as leis do País.

CC: Os críticos dizem que a ADPF tem o objetivo de livrar a cara das empresas acusadas de corrupção pela Lava Jato. Qual o objetivo da ação?

RV: A repercussão da ADPF era esperada. Próceres do lavajatismo, com o habitual cinismo, difundem desinformação na tentativa de turbar o exame da questão e esconder as ilegalidades que eles próprios cometeram. A ação tem um objetivo muito simples: a partir do reconhecimento de que os acordos de leniência foram celebrados em situação de extrema anormalidade jurídico-institucional, mediante coação, pede-se que o Supremo Tribunal Federal defina os parâmetros legais para a revisão dos mencionados acordos.

Não se trata, em absoluto, de “livrar a cara” das empresas. Quem diz isso não leu uma linha da ação judicial e dá mostras de um profundo desprezo pela Constituição Federal. Trata-se, isso sim, de sepultar a herança maldita da Lava Jato e abrir caminho para a recuperação da indústria nacional, com a consequente geração de emprego e renda. Empresa quebrada por excessos do Estado não tem condições nem de pagar as multas contra ela impostas.

CC: A ADPF pede que o STF também defina novas normas para os acordos. Qual deveria ser o procedimento?

RV: Em 6 de agosto de 2020, a Controladoria Geral da União, a Advocacia Geral da União, o Ministério da Justiça e o Tribunal de Contas da União, sob a supervisão do STF, celebraram um acordo de cooperação técnica “a fim de construtiva e cooperativamente se aperfeiçoar o sistema de prevenção e combate à corrupção”. Nesse importante documento estão fixados os princípios que, segundo nos parece, devem guiar a celebração dos acordos de leniência.

Entre eles, podemos citar a “colaboração, lealdade, boa-fé objetiva e proteção da confiança entre Estado e a pessoa jurídica colaboradora, buscando, a um só tempo, a completa cessação do comportamento ilícito pretérito e a readequação das práticas empresariais para o futuro, especialmente por meio de programas de integridade”; a “preservação da empresa e dos empregos, considerando que a continuidade das atividades de produção de riquezas é um valor a ser protegido sempre que possível, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora e o emprego dos trabalhadores, preservando-se suas funções sociais e o estímulo à atividade econômica (…)”; “objetividade dos parâmetros para fixação proporcional e razoável”.

Note-se, portanto, que os próprios órgãos incumbidos da tutela da probidade administrativa, sob a supervisão do Supremo Tribunal, definiram, em 2020, parâmetros para os acordos de leniência. Importante anotar, neste particular: a ADPF só requer a revisão dos acordos de leniência firmados antes do acordo de cooperação técnica.

CC: Quais os problemas centrais dos acordos de leniência celebrados pela Lava Jato?

RV: Para não ingressar em pormenores técnico-jurídicos, exaustivamente desenvolvidos na ação judicial, podemos dizer, de forma resumida, que, em vista do cenário de caça às bruxas em que vivíamos, não foram utilizados critérios objetivos e racionais para a fixação das multas e indenizações a serem pagas pelas empresas. Tais abusos não prejudicaram simplesmente as empresas acusadas de corrupção, senão que um setor da economia imprescindível ao desenvolvimento nacional. O discurso anticorrupção, ao contrário do que pensam os lavajatistas, não derroga a Constituição Federal, tampouco investe os órgãos de controle de poderes à margem do Direito.

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