Entrevistas
‘O 8 de Janeiro é filho direto de Moro e Deltan’, diz o juiz Eduardo Appio
A CartaCapital, o magistrado, ex-titular da 13ª Vara de Curitiba, afirma haver fortes indícios de crimes por parte de integrantes da Lava Jato


O juiz federal Eduardo Appio afirmou nesta sexta-feira 24, em entrevista a CartaCapital, que o ex-magistrado Sergio Moro e o ex-procurador Deltan Dallagnol criaram as condições para a eleição de Jair Bolsonaro (PL) em 2018 e para os atos golpistas de 8 de Janeiro de 2023.
Appio esteve por cerca de três meses do ano passado no comando da 13ª Vara Federal de Curitiba (PR), responsável pelos processos remanescentes da Lava Jato. Sua breve trajetória gerou grande repercussão, dado seu contraste com os anos em que Moro e a juíza substituta Gabriela Hardt reinaram no local.
O juiz, atualmente à frente da 18ª Vara Cível da capital parananese, voltada a assuntos previdenciários, relembrou a prisão de Lula (PT) por ordem de Moro em abril de 2018. Nos meses seguintes, o Judiciário também impediu a participação do petista na eleição presidencial que consagraria Bolsonaro.
Três anos depois, o Supremo Tribunal Federal reconheceria a suspeição de Moro nos procesos contra Lula.
“Como milhões de brasileiros, em 2018, apontei a prisão como sendo política. Sou professor de direito constitucional, sou pós-doutor no assunto. Como vou olhar para uma fraude no meu país e não dizer, já na época, que a prisão era política para roubar as eleições?”, questiona Appio.
A partir daquele fato, acrescenta o juiz, a Lava Jato se tornou responsável por acontecimentos que abalaram a democracia e o Estado de Direito no Brasil.
“O 8 de Janeiro é filho direto de pai e mãe declarados, com certidão de nascimento: Sergio Moro e Deltan Dallagnol”, afirma. “Esse casal ao acaso, nesse matrimônio profano estabelecido via Telegram, criou as condições para o 8 de Janeiro.”
A menção ao Telegram é uma referência à Vaza Jato, uma série de reportagens que mostrou a troca de mensagens entre Moro, Deltan e outros integrantes da operação.
As conversas, obtidas a partir da ação de hackers, fazem parte do material da Operação Spoofing e demonstram a proximidade extraoficial entre representantes da acusação e os responsáveis por julgar os processos da Lava Jato.
Na entrevista, Eduardo Appio também chamou a atenção para o relatório de Luís Felipe Salomão, à época corregedor nacional de Justiça, a indicar suspeita de crimes de peculato, corrupção e prevaricação por parte de magistrados e procuradores envolvidos na Lava Jato.
O Conselho Nacional de Justiça aprovou o documento em junho e o enviou ao Supremo Tribunal Federal e à Procuradoria-Geral da República.
Trata-se do resultado de uma inspeção conduzida pelo CNJ na 13ª Vara e no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, responsáveis pelos processos da Lava Jato na primeira e na segunda instâncias, respectivamente.
Segundo o Conselho, a investigação identificou condutas que indicam “um agir destituído do zelo que se exige dos magistrados na condução de ações judiciais, mais especificamente, as que tiveram como escopo a destinação de valores oriundos de colaborações e acordos de leniência (também em relação a bens apreendidos) para a Petrobras e outras entidades privadas”.
A apuração apontou, entre outras irregularidades, uma “gestão caótica” de verbas resultantes de acordos firmados com empresas pelo Ministério Público Federal e homologados pela 13ª Vara.
“É uma investigação preciosa”, disse Appio a CartaCapital. “Rastreou dinheiro, rastreou as comunicações e apontou uma subordinação de agentes públicos brasileiros aos interesses dos Estados Unidos.”
Segundo o juiz, há indícios suficientes de autoria e prova de materialidade, os requisitos para a apresentação de uma denúncia criminal. “Se esse será ou não o caminho desenhado pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, é competência dele. Mas o que tem ali é muito mais que suficiente para o oferecimento de uma denúncia.”
A curta história de Eduardo Appio na 13ª Vara terminou em maio de 2023, menos de quatro meses após começar. A decisão de retirá-lo, tomada pelo TRF-4, atendeu a uma representação do desembargador Marcelo Malucelli, cujo filho, João Eduardo Barreto Malucelli, recebeu uma ligação de Appio interpretada como “ameaça”. O juiz federal, que confirma a autoria do telefonema, nega ter se tratado de uma tentativa de constranger o interlocutor.
Assista à entrevista na íntegra:
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