Entrevistas

‘Muitos conflitos vão pipocar no governo Lula’, diz diretor do MST na Bahia

Em entrevista a CartaCapital, o dirigente Evanildo Costa declarou que ações em fazendas da Suzano são ‘um instrumento que os trabalhadores têm de pressionar’

Evanildo Costa, membro da direção nacional do MST na Bahia. Foto: Reprodução
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Membro da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST, Evanildo Costa afirmou que “é pontual” a ação nas propriedades da empresa de papel e celulose Suzano no sul da Bahia, mas também afirmou que “muitos conflitos vão pipocar” durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

A declaração ocorreu em entrevista ao programa Direto da Redação, no canal de CartaCapital no YouTube, nesta sexta-feira 3. Segundo Costa, que é militante do MST na Bahia, 250 mil famílias no Brasil aguardam processos para que sejam, enfim, assentadas em alguma propriedade de terra.

“Como veio esse processo de paralisação das desapropriações, existem muitas áreas paralisadas, e as pessoas estão na expectativa”, afirmou o dirigente do MST. “Inclusive, esse é o fruto de muitos conflitos. Muitos conflitos vão pipocar no governo Lula. Infelizmente, vai estourar na mesa do ministro do MDA [Ministério do Desenvolvimento Agrário], na Presidência da República, na Secretaria de Governo.”

Costa prosseguiu:

“Mas é importante entender: é um acúmulo de demandas que, agora, as pessoas estão esperando há muito tempo e querem uma alternativa. A espera tem sido muito grande, o sofrimento tem sido muito grande. Então, vão surgir muitos conflitos, e os membros do governo precisam saber como vão lidar com essa situação.

Nesta semana, a Justiça determinou que o MST desocupe duas propriedades rurais da Suzano, uma no município de Mucuri e outra em Teixeira de Freitas. No início da semana, o movimento mobilizou 1,5 mil pessoas em uma ação, que chama de ocupação, nessas áreas e em uma terceira, na cidade de Caravelas.

As propriedades são de monocultivo, onde a Suzano planta eucalipto. De acordo com o MST, a ação ocorreu por causa de um descumprimento da empresa em um acordo firmado em 2011.

Costa alega que a expansão do monocultivo de eucalipto, estimado em 900 hectares na região, cria transtornos sociais e ambientais desde a década de 1990. O aumento desses problemas teria inviabilizado cada vez mais a instituição de assentamentos de reforma agrária.

Segundo ele, houve mobilizações dos movimentos para que empresas do ramo se comprometessem a indicar terras para a reforma agrária. Foi firmado, então, um compromisso por parte dessas companhias com esse objetivo.

O dirigente do MST conta que a antiga empresa Fibria, hoje fundida à Suzano, dedicou mais de 12 mil hectares de terras para a reforma agrária. Dessa área, quatro mil já se tornaram assentamentos consolidados.

A Suzano, porém, teria firmado o compromisso de indicar áreas para assentar 650 famílias e só garantiu terras para 250 famílias, diz Costa. Parte dessas áreas são devolutas, que ainda não foram devidamente regularizadas, segundo ele. Cerca de 400 famílias aguardam uma posição.

A empresa, porém, nega o descumprimento do acordo e culpa a falta de conclusão de processos públicos. O ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, declarou que mediará uma mesa de diálogo entre as partes.

Questionado por CartaCapital se a condição de terra improdutiva deixou de ser o único critério para a ocupação de terras, que os críticos chamam de invasão”, Costa afirmou que a ação é um instrumento de pressão.

“O MST, tradicionalmente, não tem essa cultura de ocupar terras produtivas, isso é fato”, declarou. “Mas, nesse caso da Suzano, é um instrumento que os trabalhadores têm de pressionar. (…) Foi feita uma ação em uma área, mesmo que ela esteja produzindo eucalipto, para que pressione essa empresa a resolver um passivo lá de trás.”

O militante afirmou também que a organização tem a expectativa de retomar as negociações com a empresa sem que o governo da Bahia, de Jerônimo Rodrigues (PT), empregue o uso da força.

“Acho que nem o governo do estado, nem o governo Lula irão utilizar a força. Nem nós pretendemos enfrentar a polícia do governador Jerônimo, que é uma pessoa totalmente aberta ao diálogo. Então, se a empresa optar que cumpra a reintegração de posse, não tenho dúvida que os trabalhadores irão cumprir o mandado e respeitar a decisão judicial. O que estou falando é que isso não resolve o problema. Tem que haver um consenso.

Costa disse ainda que a disputa do movimento com as “papeleiras” na região é antiga e que há cerca de 30 áreas com acampamentos que decorrem desse conflito. O diretor do MST também minimizou as comparações com a suposta queda de ocupações de terras durante o governo de Jair Bolsonaro (PL) e afirmou que houve subnotificação.

“Luta no governo Bolsonaro e no governo Temer teve o tempo todo”, declarou. “Mas ninguém visualizou, porque, para eles, era importante passar uma mensagem para os deles de que controlaram a situação.”

Uma contagem parcial do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, o Incra, registrou 13 ocupações coletivas de imóveis rurais em apenas dois meses de 2023. O número é maior do que os apontados em 2019 (11) e 2020 (11). Em 2021, o Incra contabilizou 17 ocupações, e em 2022, 25.

O MST diz não ter promovido ocupações durante o período de pandemia, por conta do avanço da Covid-19. Além disso, afirma que a decisão de retomar essas ações ocorreu em 2022, quando teriam realizado 37 ocupações no país.

A entrevista está disponível na íntegra no YouTube.

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