Política

MPL vai às ruas enquanto Alckmin e Haddad tentam evitar outro junho de 2013

Prefeito e governador anunciam projetos de dar passagem gratuita a estudantes, o que é visto por movimento como tentativa de esvaziar reivindicações e desmobilizar manifestantes

Manifestantes pedem tarifa zero: "somos um movimento anticapitalista", afirmou Marcelo Hotimsky
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Comemorado por boa parte dos paulistas, o anúncio da Prefeitura de São Paulo de conceder passagem gratuita a estudantes de baixa renda foi recebido como uma tentativa de golpe pelo Movimento Passe Livre (MPL), responsável pelas primeiras manifestações em junho de 2013. Na mesma toada, o governador do Estado, Geraldo Alckmin (PSDB), encaminhou na quinta-feira 7 um projeto similar para atender estudantes que utilizam trem e metrô. Para o grupo, a estratégia busca reduzir o impacto da opinião pública sobre o reajuste da passagem e tirar a atenção da auditoria que colocou do avesso as contas das empresas de ônibus.

Ao todo, 505 mil estudantes – 360 mil da rede pública e 145 mil da rede particular com baixa renda – terão direito a 48 viagens gratuitas de ônibus por mês em São Paulo, ante o antigo direito de 50% de gratuidade. Já o governo do Estado não revelou quantos estudantes terão direito a andar de trem e metrô. Ambos os projetos, porém, são diferentes do “passe livre”, que significaria a prerrogativa de circular gratuitamente pela cidade em qualquer dia e horário, num número ilimitado de viagens.

O anúncio veio colado ao reajuste da tarifa para os demais usuários: 16,7% de aumento, de 3 reais para 3 reais e 50 centavos, desde terça-feira 6. Não foi o único. Entre dezembro do ano passado e os primeiros dias de 2015, nove capitais brasileiras anunciaram novos valores de passagens: Aracaju (SE), Florianópolis (SC), Fortaleza (CE), Belo Horizonte (MG), Rio de Janeiro (RJ), Rio Branco (AC), Boa Vista (RR) e Salvador (BA). No Rio, a alta foi a maior da história: 13,7% frente aos 7,3% revogados em 2013.

Em resposta, o MPL anunciou protestos por todo o Brasil. Até agora, oito cidades prometem parar até o próximo dia 13. Mas é em São Paulo que os organizadores se enfurecem. Para o grupo, Haddad, e agora Alckmin, tentam desmobilizar os protestos e capitalizar com o benefício. “A gratuidade para estudante não foi uma decisão do prefeito, foi o resultado da luta dos últimos anos”, contrapõe Marcelo Hotimsky, um dos porta-vozes do movimento. “Ao mesmo tempo, é uma forma de mascarar outra questão, que é esse aumento absurdo de tarifa que desconsidera as manifestações.”

O estudante vai além ao acusar premeditação dupla: “Um objetivo é desmobilizar a população. Outro, é tentar ressuscitar o bilhete mensal, que fracassou”. Segundo a Secretaria Municipal de Transporte, o usuário que aderir a essa modalidade também ficará livre do aumento de 16,7%. O bilhete mensal, anunciado por Alckmin e Haddad em 2013, só recebeu adesão de 2% da população, segundo a SPTrans.

Uma das autoras do livro Mascarados: A verdadeira história dos adeptos da tática Black Bloc, a socióloga da Unifesp Esther Solano considera “natural” que o MPL se sinta traído. “Um aumento de passagem com menos de dois anos das manifestações históricas pode ser entendido pelos movimentos como uma afronta, mais uma promessa traída. Ainda mais no caso do PT, que está desenhando uma política federal muito diferente da que seus eleitores esperavam”, diz.

O MPL se vale da auditoria feita pela Ernst Young (EY) no transporte público paulistano, a pedido da prefeitura, para justificar a continuidade das passeatas. O estudo mostra que 10,5% das viagens de ônibus programadas não acontecem, esticando o tempo de espera nos pontos e superlotando os coletivos. A segurança também é ruim. Praticamente nenhum ônibus tem microcâmera e cerca de metade da frota roda sem triângulo de segurança. Nas contas, foram identificadas 640 “divergências”, como ausência de divulgação de balanços, procedimentos contábeis duvidosos e falta de documentação.

Mas os principais argumentos do MPL serão a corrupção no metrô paulista e o tamanho do lucro das três famílias que controlam as 23 empresas de ônibus em São Paulo. A chamada Taxa Interna de Retorno está em 18%, embora os contratos previssem 14% e no restante do País esse índice varie de 8% a 12%. “E a prefeitura aumenta a passagem em 50 centavos?”, questiona Hotimsky. A CartaCapital, a prefeitura garantiu que novas licitações para concorrência serão abertas no primeiro trimestre – incluindo empresas estrangeiras – com assinatura de contratos já em agosto.

Para a professora da Unifesp, o MPL pode enfrentar mais problemas, além das medidas de Alckmin e Haddad, para emplacar protestos em 2015. Solano fala em “certo cansaço social depois do ciclo 2013/2014”, que deve enfraquecer as manifestações, “provavelmente menos numerosas que as de 2013”. A socióloga acredita que os protestos ficarão restritos a coletivos e movimentos sociais organizados, como o MPL e o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).

Mesmo assim, Solano alerta para o aumento dos levantes conservadores, que passou a acompanhar de perto. “Fico surpresa em ver até 2 mil pessoas, o que pode polarizar as ruas e criar um clima mais tenso.” Para manifestantes reacionários e progressistas, o aumento da passagem de ônibus pode voltar a ser só um pretexto para reivindicações que incomodam mais o brasileiro. “Imagino que a economia ou a corrupção vão continuar no centro das preocupações.”

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