Política

Moro não decola, apesar da torcida da mídia e de parte do empresariado

Candidatura presidencial do ‘Super-Moro’ agoniza em praça pública

A bancada do Podemos escolhe adjetivos nada edificantes para se referir ao pré-candidato - Imagem: Fernando Willadino/Acaert
Apoie Siga-nos no

Uma nova pesquisa de intenções de voto para a Presidência da República, da ­Quaest/Genial, divulgada na quarta-feira 16, manteve fria a ducha sobre a cabeça do ex-juiz Sergio Moro. Em um levantamento no qual Lula manteve 44% e Jair Bolsonaro registra 25%, o candidato do Podemos aparece estacionado na casa dos 7%, empatado com o pedetista Ciro Gomes.

Moro não decola, apesar da torcida da mídia corporativa e de parte do empresariado, na busca desesperada e aparentemente inglória pela “terceira via”, ele enfrenta crescente aversão no partido ao qual se filiou recentemente e não descarta desistir da candidatura nacional e abraçar um projeto mais modesto: uma vaga ao Senado.

O ex-ministro, segundo fontes ouvidas por CartaCapital, tem consultado amigos e aliados a respeito da mudança de objetivos. Não seria, porém, um movimento fácil. Uma eventual candidatura a senador pelo seu estado natal, o Paraná, pareceria uma punhalada em seu mentor político e entusiasmado propagandista Álvaro Dias, que há 24 anos mantém uma cadeira cativa na Casa. Caso postule uma vaga em outra unidade da federação, corre o risco de naufragar, principalmente pelo oportunismo da jogada, que até os eleitores menos atentos perceberiam. Detalhe: a janela para transferência de domicílio eleitoral encerra-se em 2 de abril.

“Moro está preocupado com a possibilidade de, uma vez fora da magistratura e sem mandato político, se tornar uma presa fácil para amplos setores do Judiciário e da política que querem vê-lo responder pelas irregularidades cometidas na condução da Lava Jato”, diz uma fonte que acompanha com atenção os movimentos do ex-juiz e prefere não se identificar.

O carnaval da Lava Jato já não arrasta multidões como antigamente – Imagem: Nelson Almeida/AFP

Os acontecimentos das últimas semanas foram decisivos para o medo vencer a esperança nos bastidores de uma pré-campanha que, cada vez mais, tornou-se um projeto sustentado apenas nos erráticos esforços do ex-juiz e da presidente nacional do Podemos, a deputada federal Renata Abreu. O ponto de inflexão nos ânimos da tropa, conta uma testemunha, foi a recusa de ACM Neto, prefeito de Salvador e pré-candidato ao governo da Bahia, em aceitar a filiação de Moro no União Brasil, fusão do DEM e do PSL. Somadas, a numerosa bancada parlamentar (60 deputados até o fechamento desta edição e à espera de novas filiações), a capilaridade nacional e, sobretudo, a polpuda fatia do fundo eleitoral reservada à nova legenda, faziam brilhar os olhos do pré-candidato. Triste desfecho. Depois de tanto insistir com Luciano ­Bivar, presidente do UB, o ex-ministro conseguiu um encontro virtual com a cúpula do partido. Deparou-se, no entanto, com um clima de absoluto constrangimento.

“Logo após tentar vender seu peixe, Moro foi interpelado por ACM, que falou sobre a falta de consistência do ex-juiz e a pouquíssima receptividade que ele tem no meio político. Depois, ACM disse que nenhum candidato a governador do UB gostaria de ter Moro em seu palanque e que ele deveria permanecer no Podemos, um partido de sua estatura”, descreve a fonte. Após a reunião, Bivar teria procurado Moro e o Podemos para propor a inclusão de ambos na “frente ampla da terceira via”, aliança construída entre UB, MDB e PSDB e que, segundo o deputado federal Júnior Bozzella, “pede desprendimento dos pré-candidatos em nome de um projeto maior”.

Bivar tem liderado esse movimento de aliança, diz Bozzella: “O objetivo é criar regras entre os partidos e os presidenciáveis para escolhermos aquele que tiver maior chance”. Sobre a possibilidade de Moro ter esse “desprendimento”, o deputado, responsável por parte da agenda do ex-juiz, disse “acreditar que sim, mas que não poderia falar por ele”.

ACM Neto fechou as portas do União Brasil e lançou Moro às cordas

As articulações do presidente do UB incluem os pré-candidatos do PSDB, João Doria, e do MDB, Simone Tebet. Inicialmente usado como justificativa para que Moro encabeçasse uma ­eventual frente da terceira via, o fato de o ex-juiz aparecer à frente dos demais nas pesquisas eleitorais já não seduz o grupo. Com a anuência do presidente tucano, Bruno Araújo, e do emedebista, Baleia Rossi, ­Bivar pretende estender o processo de escolha até junho. Também não está descartada a realização de uma prévia com os votos de dirigentes, parlamentares e candidatos a governador das legendas envolvidas, o que sepultaria de vez as chances do ex-magistrado. A situação tende a ficar ainda mais difícil se o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, nome preferido dessas legendas, trocar o PSDB pelo PSD e lançar-se à corrida presidencial.

A sinceridade de ACM Neto deixou sequelas, mas foi apenas o início das desventuras em série do pré-candidato. Após o suicídio verbal do deputado estadual e postulante ao governo de São Paulo Artur do Val, em sua “visita solidária” à Ucrânia, Moro, embora tenha logo na primeira hora repudiado o comportamento do até então aliado, perdeu o palanque no maior colégio eleitoral do País. Para piorar, os deputados do Podemos paulista começam a debandar, a maioria em direção à candidatura do vice-governador Rodrigo Garcia, do PSDB, aliado de Doria. Uma liderança do partido conta que, no afã de ter um palanque próprio, Moro chegou a convidar Renata Abreu para se lançar ao governo paulista. Vale lembrar que, até uns meses atrás, a presidente da legenda esteve cotada para o posto de vice na chapa, devido à falta de alianças que engessa a candidatura do ex-juiz. ­Renata tem escapado pela tangente. Admitiu a hipótese de topar a missão, mas no fundo prefere se candidatar novamente ao cargo de deputada federal. Na eleição paulista, cogita apoiar Garcia ou o candidato do Novo, Vinícius Poit. Abreu não atendeu aos pedidos de entrevista.

ACM Neto tripudiou de Moro em uma reunião virtual do União Brasil. Renata Abreu é uma das poucas a insistir na candidatura – Imagem: Valter Pontes e Saulo Rolim/Podemos 19

O erro por ter apostado – e desperdiçado – suas fichas na construção de um palanque ao lado de Arthur do Val em São Paulo e ter entregado a estratégia de comunicação da pré-campanha nas redes sociais ao MBL continua a assombrar Moro. Após os áudios vergonhosos de “Mamãe Falei”, a fatídica viagem à Ucrânia virou uma investigação por evasão de divisas que envolve o coordenador nacional do MBL, Renan dos Santos, investigado em outras ações por condutas semelhantes. Especialistas afirmam que eles não poderiam ter enviado a quantia arrecadada no Brasil, via Pix, para a Eslováquia sem o devido aviso às autoridades brasileiras. Outro nome que chegou a ser ventilado como substituto de Arthur do Val, o vereador Rubinho Nunes, foi descartado. Moro, que insiste na imagem de paladino da ética e tem como única bandeira o combate à corrupção, teria dificuldades em explicar a aliança com um movimento envolvido em diversas atividades suspeitas.

Concretamente, Moro contabiliza no momento apenas um palanque, no Distrito Federal, ao lado do senador José Antonio Reguffe, também do Podemos, candidato ao governo. Nem mesmo em seu estado natal, o Paraná, as alianças estão garantidas. Até o início do ano, seu candidato era o então dirigente estadual do partido, José Silvestri Filho, que migrou para o PSDB e entregou o palanque a Doria. A opção de dividir o apoio do atual governador Ratinho Júnior, candidato à reeleição, com Bolsonaro é pouco provável, por causa da intervenção de Ricardo Barros, do PP, líder do governo na Câmara, que mina a hipótese.

Quem tem Arthur do Val como aliado não precisa de adversários – Imagem: Redes sociais

No Rio de Janeiro, terceiro maior colégio eleitoral, o Podemos praticamente inexiste. Um dos dois deputados ­estaduais do partido, o tetracampeão Bebeto, anunciou que pretende se filiar ao União Brasil. O outro, Alexandre Freitas, não respondeu às perguntas da revista. Sem espaço no palanque do governador Cláudio Castro, que tentará a reeleição e sagrou uma aliança com Bolsonaro, o ex-juiz arrasta a asas para outras candidaturas, entre elas a de Felipe Santa Cruz, ex-presidente da OAB, cotado ao governo fluminense pelo PSD. Sondado por CartaCapital sobre a possibilidade de se aliar ao ex-ministro, Santa Cruz respondeu com uma sonora gargalhada.

No restante do Brasil, o quadro é ainda mais desanimador. O Nordeste parece abominar o pré-candidato, situação agravada pelas fotos constrangedoras ou gafes cometidas nas poucas visitas à região. Em uma delas, o ex-juiz afirmou “ter conversado com agricultores do Agreste cearense”, embora essa região geográfica de transição entre a Zona da Mata e o Sertão não exista no Ceará. O estado é o único da região no qual Moro terá palanque, em companhia de Capitão Wagner, candidato ao governo pelo PROS e que, possivelmente, cederá espaço a Bolsonaro.

A bancada do Podemos quer ver o ex-juiz pelas costas. Os aliados do MBL falam em “saída honrosa”

Em discussões internas em Brasília, parte dos 11 deputados federais do Podemos não esconde mais o descontentamento com a candidatura, e a expectativa é de que a crise se torne pública e insustentável nos próximos dias. Lideranças ouvidas por CartaCapital contam que a bancada cogita fazer um “convite formal” para o ex-juiz desistir de vez das pretensões presidenciais. “Moro tem se demonstrado despreparado, arrogante, prepotente e sem nenhuma visão da política”, resume um parlamentar. “Se seguirem com essa loucura, vamos deixar o partido”, ameaça outro. Ao menos quatro deputados podem migrar na atual janela partidária para ficarem livres e apoiarem as campanhas de Lula ou Bolsonaro, mas preferem manter a discrição, pois “continuarão se Moro sair”.

A recente crise do MBL chegou a “dar esperanças” aos correligionários de que o ex-juiz jogaria a toalha. “Quando aconteceu, até a chapa para deputados, que não temos conseguido montar por causa da pré-candidatura do Moro, deu certo. Mas a Renata Abreu avisou que ele segue candidato e aí a chapa se desfez. Neste momento, Moro é o candidato apenas de Álvaro e Renata”, resume um deputado do partido. O desembarque do MBL, um dos motores da pré-candidatura de Moro, estaria para ser anunciado em breve. Os líderes juvenis do movimento ficaram ressentidos com as declarações do ex-ministro, segundo o qual as declarações sexistas de Artur do Val sobre as mulheres ucranianas “poderiam ser configuradas como crime”. Em nota, o MBL afirma que continua a apoiá-lo, mas nas redes sociais militantes usam termos como “saída honrosa” para defender a retirada da candidatura.

Antonio Carlos de Almeida Castro: “O maior inimigo de Moro é o próprio Moro” – Imagem: Sergio Dutti/Folhapress

Segundo o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, Moro cometerá um erro se decidir sair candidato ao Senado em busca de um foro de prerrogativa. “Se ele se eleger senador ou deputado para ter um foro para se proteger, dará um tiro no pé, pois é desmoralizado nos tribunais superiores. No STF, a maioria dos ministros tem repulsa ao Moro. Sem falar que será ridicularizado no Congresso.” Kakay ressalta que foi “exatamente tentando criminalizar a política” que o ex-magistrado construiu seu nome. “O maior inimigo de Moro é o próprio Moro. Ele julgou que iria surfar nessa onda de super-herói. Houve um momento em que, graças ao apoio norte-americano e da mídia, ele poderia ter chance. Mas, felizmente para o Brasil, ele perdeu o timing.”

Uma eventual volta ao meio jurídico, avalia Kakay, também não seria tarefa fácil: “Tudo mudou a partir do momento em que a Lava Jato foi desestruturada e a sociedade, os advogados e especialmente o Supremo Tribunal enfrentaram a questão com isenção e profundidade técnica. O Moro foi desnudado como um juiz parcial que instrumentalizou o Judiciário e corrompeu o Sistema de Justiça”. O advogado prossegue: “Após ter aceitado ingressar nessa empresa dos EUA, onde é sócio de ex-agentes da CIA, Moro terá muita dificuldade no meio jurídico. Nenhum ministro do STF ou do STJ dará qualquer valor a um parecer dele. Na advocacia, após a prepotência e arrogância que dispensou aos advogados durante a Lava Jato, é absolutamente desprezado e não terá nenhum espaço. Acho que a saída dele é voltar para os grupos norte-americanos que o sustentavam naquela época, e talvez viver disso”.

Procurado pela reportagem e questionado sobre sua eventual desistência da corrida presidencial, Moro respondeu, por meio de sua assessoria: “É fake news”. •


*Colaborou Ana Flávia Gussen.

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1200 DE CARTACAPITAL, EM 23 DE MARÇO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Criptonita eleitoral “

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , , , , , , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.

Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo