Entrevistas

Líder da Central de Movimentos Populares defende ir às ruas, mas vê campo democrático ‘inerte’

Em entrevista a CartaCapital, Raimundo Bonfim criticou argumentos de que Bolsonaro não teria força política para um golpe. Movimentos se reunirão na sexta para debater reação

Raimundo Bonfim, coordenador nacional da Central dos Movimentos Populares, a CMP. Foto: Reprodução/TVT
Apoie Siga-nos no

Movimentos sociais que compuseram a Campanha Fora Bolsonaro no ano passado realizarão uma reunião de emergência na próxima sexta-feira 22 para debater possíveis reações ao discurso golpista do presidente Jair Bolsonaro (PL) a embaixadores, durante evento em Brasília.

A informação é de Raimundo Bonfim, coordenador nacional da Central de Movimentos Populares, a CMP. Em entrevista a CartaCapital nesta terça-feira 19, o líder que compôs a direção de atos no ano passado defendeu a volta dos movimentos sociais às ruas para responder às declarações do ex-capitão.

Bonfim apresentou argumentos contrários aos proferidos por outros dirigentes do campo progressista que, segundo ele, não demonstram disposição em mobilizar as ruas neste momento. Para ele, é errôneo o raciocínio de que Bolsonaro não tem força política para aplicar um golpe, e as notas de repúdio não bastam.

“Em 1964, também diziam que não havia força e condições para dar um golpe, e vieram o golpe e a ditadura”, afirmou Bonfim. “Diziam que o Lula não iria preso, que não iria ter golpe contra a Dilma. Teve tudo isso. Agora, a ameaça é de um golpe militar. Não respeitar as eleições é um golpe militar.”

Na avaliação do líder da CMP, Bolsonaro pretende avançar com o projeto golpista à medida que percebe a falta de reação da sociedade civil. Além disso, ele acredita que o presidente da República trabalha com o sentimento do “medo” para que as pessoas não reajam às suas ações.

“Vejo que o campo que defende a democracia está muito inerte diante da gravidade”, afirmou.

A opinião de Bonfim não é compartilhada por Miguel Torres, presidente da Força Sindical, segunda maior central brasileira. Em entrevista a CartaCapital, o sindicalista disse que ir às ruas neste momento poderia colocar o campo progressista em uma armadilha de Bolsonaro para estimular a violência.

Confira a seguir os principais trechos da entrevista com Raimundo Bonfim.

Discurso do presidente Jair Bolsonaro (PL) foi transmitido por TV estatal. Foto: Reprodução

CartaCapital: O senhor acredita em alguma perspectiva de reação dos movimentos sociais nas ruas?

Raimundo Bonfim: Desde esta manhã, estou provocando, conversando com lideranças, mandando mensagens com grupos das frentes, expondo minha preocupação com esse momento e, ao mesmo tempo, sugerindo que a gente possa, urgentemente, se reunir para avaliar essa situação gravíssima e montar uma estratégia de reação.

Na minha avaliação, isso não pode ficar sem resposta. Não é natural, não é normal que um presidente de um país reúna embaixadores de outros países para atacar instituições e revelar que não aceitará um processo eleitoral. Num país democrático e civilizado, a essa altura o presidente Jair Bolsonaro já estaria preso.

Então, eu vejo essa situação com muita preocupação e, mais do que isso, vejo que o campo que defende a democracia está muito inerte diante da gravidade. Em 1964, também diziam que não havia força e condições para dar um golpe, e vieram o golpe e a ditadura. Quem imaginava que um fascista ganharia a Presidência da República?

Diziam que o Lula não iria preso. Diziam que o Lula não seria condenado e, se fosse condenado, era uma pena que não levava à prisão. A gente dizia que não iria ter golpe contra a presidenta Dilma. Teve tudo isso.

Só que agora a ameaça é de um golpe militar. Não respeitar as eleições é um golpe militar. Então, eu espero que a gente consiga articular uma reação, porque se não articularmos ele vai gostando e vai fazendo testes.

CC: Na prática, o senhor defenderia qual reação?

RB: Eu defenderia a mobilização de rua. Não bastam só os manifestos e as notas. É óbvio que isso tudo é muito importante. Esse é um movimento que deve ser de uma sociedade civil organizada e dos setores democráticos, independentemente de posição política e ideológica.

CC: Essas manifestações de rua poderiam oferecer risco de vida à população?

RB: Eu acredito que não. A melhor resposta para esses atos de violência, como o assassinato do Marcelo Arruda, e para essas afirmações do presidente da República é muita gente na rua. Quanto mais gente na rua, melhor. O fascismo é autoritário, violento e trabalha com o elemento do medo. Se cairmos no medo, é tudo o que eles querem.

Acho que devemos nos manifestar de forma unida e, ao mesmo tempo, dar uma resposta à altura. O pior dos mundos é continuar o processo de eleição, debatendo como se nada tivesse acontecido. Um lado que está disputando a eleição está capitulando as Forças Armadas e o Itamaraty para um projeto golpista. Quanto mais próximo das eleições e quanto mais ele perceber a possibilidade de uma derrota, mais ele vai aumentando o tom golpista.

Aí vem aquela avaliação: ‘Não, estamos vivendo outro momento, não tem força política para dar um golpe, as Forças Armadas não vão embarcar, não tem apoio suficiente’. Eu acho que esse é o discurso mais perigoso a se adotar.

Campanha Fora Bolsonaro realizou atos nacionais em seis datas de 2021. Foto: Foto: Paulo Pinto/Fotos Públicas

CC: No ano passado, houve sucessivas manifestações com muita gente na rua. Neste ano, não houve protestos como aqueles. O que mudou?

RB: São dois elementos fundamentais. Primeiro, a não obtenção de uma vitória em 2021. Me refiro ao afastamento do presidente da República, seja por um processo de impeachment ou por outros meios, como a cassação da chapa. Eu fui um dos primeiros a defender as ruas, quando alguns setores de esquerda nem defendiam a mobilização. Ao final, não conseguimos alcançar [o afastamento de Bolsonaro]. Isso me parece um elemento a considerar sobre por que não conseguimos repetir aquele movimento.

O segundo elemento é que, em ano eleitoral, o Brasil tem uma tradição de não ter mobilizações de ruas e populares. Até porque uma parte significativa da sociedade e dos meios de comunicação diriam que seriam manifestações a favor de uma candidatura e contra a outra. Tanto é que o ex-presidente Lula não foi em nenhuma das manifestações.

Neste ano, a gente puxou uma mobilização depois do 8 de março e teve dificuldades. Em São Paulo, reunimos 15 mil pessoas apenas. Então, não foi porque os movimentos populares não entenderam ser necessário tirar o Bolsonaro. Foi porque a gente não conseguiu alcançar nosso objetivo em 2021. E culturalmente o Brasil não tem mobilizações durante o processo eleitoral.

CC: O senhor acha que a temperatura está mais para realizar ou para não realizar um ato contra Bolsonaro agora?

RB: Olha, eu não estou vendo uma disposição grande dos dirigentes, sinceramente. Estou até chateado com a situação. A não ser que as pessoas tenham outra avaliação. Mas eu julgo que o momento é gravíssimo. A gente precisa dar uma resposta que independe de questão eleitoral. O que está em jogo são as eleições livres e democráticas. Não é a eleição desse ou daquele presidente.

ENTENDA MAIS SOBRE: ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo