Justiça
Isolamento e fogo amigo marcam o ocaso de Fux na 1ª Turma do STF
Fustigado pelos colegas desde o voto pró-Bolsonaro, o ministro solicitou nesta terça-feira 21 a transferência de colegiado


A reta final da passagem de Luiz Fux pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal teve contornos melancólicos. Isolado nos julgamentos sobre a tentativa de golpe de Estado, o ministro fez questão de reforçar suas divergências frente aos demais quatro integrantes do colegiado, especialmente ao relator dos processos, Alexandre de Moraes.
Fux solicitou nesta terça-feira 21 ao presidente Edson Fachin a transferência para a Segunda Turma, aproveitando-se da aposentadoria de Luís Roberto Barroso, que seria o quinto integrante. Se nenhum ministro mais antigo desejar trocar de turma, Fachin tende a acolher o pedido.
Mesmo de saída, Fux não buscou aparar arestas e voltou a se isolar nesta terça, ao votar pela absolvição dos sete réus do núcleo 4 da trama golpista, conhecido como o núcleo da desinformação. E o fez com recados a colegas: criticou abertamente ministros que não participam dos julgamentos, mas comentam publicamente os processos.
Luiz Fux não nomeou os destinatários da mensagem, mas, ao longo dos últimos meses, expoentes do STF como seu então presidente Barroso e seu decano Gilmar Mendes defenderam a condução das ações penais sobre a tentativa de golpe.
“A manifestação de ministros que não participaram do julgamento fora dos autos recebeu uma crítica contundente sobre a violação à Lei Orgânica da Magistratura”, disse Fux, horas antes de, mais uma vez, formar-se um placar expressivo pela condenação dos réus.
A solidão do ministro na Primeira Turma já havia se consolidado em setembro, no mais rumoroso julgamento dos últimos tempos: a denúncia contra o núcleo crucial da conspiração golpista, liderado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Fux foi o único a votar pela absolvição do ex-capitão e de mais cinco réus do grupo. Condenou somente Mauro Cid e Walter Braga Netto, ambos apenas pelo crime de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
Se nos julgamentos dos dois núcleos o voto divergente não serviu para alterar o desfecho imediato, preparou o terreno para contestações futuras, uma vez que o ministro defendeu enfaticamente a anulação de toda a investigação por não considerar o STF competente.
Chamou a atenção também o fato de Luiz Fux ter mudado radicalmente de opinião frente ao que pregou na primeira ação contra envolvidos nos atos golpistas de 8 de Janeiro de 2023.
Em setembro daquele ano, o STF condenou Aécio Pereira a 17 anos de prisão por associação criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. São os mesmos crimes atribuídos a Bolsonaro e seus aliados.
Agora, Fux diz que o Supremo não deveria julgar a tentativa de golpe porque os réus não teriam foro por prerrogativa de função. Antes, não mencionou essa divergência no caso de Aécio e em diversos outros. Por coerência, aqueles réus também não deveriam estar no STF.
O ministro tentou justificar a metamorfose nesta terça-feira: “Meu entendimento anterior — julgamos muitos casos —, embora amparado pela lógica da urgência, incorreu em injustiças que o tempo e a consciência já não me permitiam sustentar”.
Naquele julgamento de 2023, Fux até homenageou Moraes: disse que o colega não deixou dúvida sobre a autoria e a materialidade e acompanhou integralmente o relator. Não foi o único caso: em 2012, na midiática Ação Penal 470, apelidada de “mensalão”, reconheceu a competência do STF para julgar figuras que não tinham diretamente foro na Corte.
Nos meses seguintes ao julgamento de Aécio Pereira, Fux ajustou progressivamente seu entendimento sobre casos do 8 de Janeiro, defendendo que o crime de golpe de Estado “absorveria” o de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Ou seja, não se deveria condenar os réus pelos dois tipos penais. Mais uma vez, ficou vencido.
O desconforto provocado por Fux teve outros desdobramentos sensíveis. Na última quarta-feira 15, Gilmar chamou o colega de “figura lamentável” e disse que seu voto no julgamento de Bolsonaro “não fazia o menor sentido”, por “condenar o mordomo”, em referência a Mauro Cid. Tudo isso em uma sala próxima ao plenário.
A cobrança do decano em termos tão graves, embora nos bastidores, reforça a impressão de isolamento de Fux, em um momento no qual o Supremo tenta controlar entreveros, após célebres desentendimentos públicos entre ministros nas últimas décadas.
Com a chegada da extrema-direita ao poder, as desavenças em frente às câmeras diminuíram, uma vez que toda a Corte passou a estar no alvo do ascendente movimento bolsonarista. A pandemia da Covid-19 e as constantes ameaças do governo anterior serviram para reduzir — ou ao menos maquiar — as fissuras.
É nesse clima de desgaste que Fux pode se afastar dos próximos julgamentos da tentativa de golpe e se juntar a Gilmar, Dias Toffoli, Kassio Nunes Marques e André Mendonça em um colegiado que, embora tenha analisado processos da Lava Jato nos últimos anos, vive um momento de distanciamento dos holofotes.
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