Política

‘Hoje as pessoas vão morrer’: agentes e ex-agentes da PM celebram mortes no Guarujá

Especialista destaca a falta de uma postura de Tarcísio sobre a importância de controlar o uso da força policial por meio de recursos como as câmeras

Foto: Reprodução/Redes Sociais
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A operação policial deflagrada no Guarujá, litoral de São Paulo, teve um resultado violento neste fim de semana. Pelo menos dez pessoas morreram, segundo a Ouvidoria das Polícias. Na versão da Secretaria de Segurança Pública, com o endosso do governador Tarcísio de Freitas e do secretário Guilherme Derrite, as mortes chegavam a oito na manhã desta segunda-feira 31. À noite, a SSP confirmou mais dois óbitos.

Os números, ainda incertos, também circulam em canais extraoficiais. Nas redes sociais, agentes e ex-agentes da Polícia Militar se empenharam em publicar boletins com a contagem de vítimas, quase em tempo real. As postagens ganharam apoio de parte da opinião pública.

“A Rota está igual a tele-sena, com resultados de hora em hora”, escreveu o ex-PM Luiz Paulo Madalhano em um dos vários stories publicados em seu perfil no Instagram, que conta com 140 mil seguidores. Ao todo, ele concentra mais de um milhão de seguidores nas redes.

Também foi dele a ideia de se apropriar de um trecho de uma música da banda Pato Fu para anunciar o que, aparentemente, já esperava como resultado da operação. Madalhano publicou um vídeo com imagens de viaturas da PM na cidade litorânea contando, ao fundo, com a voz da cantora Fernanda Takai: “Hoje as pessoas vão morrer, hoje as pessoas vão matar, o espírito fatal e a psicose da morte estão no ar”. O ex-agente ainda se vangloriou por, segundo ele, ter impulsionado o alcance da canção.

Conduta idêntica teve o soldado da PM Diogo Ranieri Rodrigues Lima, que atualizou o número de mortes na operação como em um placar esportivo. “Atualizando o placar, até o momento 12 x 1”, chegou a escrever, conforme destacado pelo jornalista Igor Carvalho, do Brasil de Fato:

A coordenadora de projetos do Sou da Paz, Beatriz Graeff, considera as condutas “absolutamente inadequadas”, mas reconhece que as corporações policiais também enfrentam um debate sobre a regulação da presença de seus agentes nas redes sociais.

“Os códigos de conduta das polícias, pelo seu tempo, não abordam diretamente essa questão, mas algumas polícias, na tentativa de correr atrás desse prejuízo, começaram a criar regulamentos prevendo essas condutas em redes. É o caso da Polícia Federal e da própria Polícia Militar de São Paulo”, explica.

A PM paulista publicou uma diretriz em dezembro de 2021 para disciplinar o uso de mídias sociais e aplicativos por policiais. O texto aponta que os agentes têm livre arbítrio para criar e utilizar seus perfis, mas pondera que elementos associados direta ou indiretamente à corporação devem ser priorizados pelos canais oficiais de comunicação social da Polícia Militar.

O texto veda aos agentes, por exemplo, dar informações, dados ou resultados associados a ocorrências, missões, operações, investigações policial-militares ou que mereçam sigilo profissional de qualquer espécie. Também proíbe a publicação de conteúdos envolvendo pessoas que tenham sido objeto de intervenção ou interação com a PM.

A diretriz ainda considera que, em caso de descumprimento das normas, e de quaisquer valores e deveres policial-militares previstos em lei, a conduta deverá ser apurada à luz do Regulamento Disciplinar da Polícia Militar, Código Penal e Código Penal Militar, conforme o caso.

“O que a gente sabe é que, apesar da normativa, muitos policiais continuam se expondo em suas redes falando em nome da Polícia Militar, o que é um grande problema. É uma apropriação privada de um recurso público e, ao mesmo tempo, a propagação de uma mensagem que, muitas vezes, é absorvida como uma mensagem institucional, um posicionamento da polícia, e que sequer é chancelada pelas instituições policiais. Como esses casos de agora, com mensagens absolutamente inadequadas, para dizer o mínimo. É um absurdo.”

A especialista ainda avalia que o discurso de enaltecimento do policial justiceiro mascara um debate sobre as políticas públicas de segurança no País, inclusive a respeito das condições de trabalho dos agentes e da profissionalização das forças de segurança.

“O Brasil tem altas taxas de letalidade policial, mas também altas taxas de vitimização policial. Para além disso, temos números altíssimos de suicídio entre os agentes, de afastamentos. As condições de saúde mental dos policiais estão muito precárias”, prossegue. “O fato é que com esse clamor público diante do policial justiceiro, a gente deixa de falar seriamente sobre políticas públicas de segurança.”


Operação acontece em meio ao aumento de letalidade policial

A ação policial no Guarujá é parte de um contexto de aumento na letalidade policial sob o governo de Tarcísio de Freitas. O número de mortes causadas por policiais civis e militares no estado de São Paulo cresceu 9,4% no primeiro semestre de 2023. Há registro de 221 mortes no período, contra 202 nos primeiros seis meses do ano passado.

“Os eventos no Guarujá não podem ser lidos como um caso isolado e remetem a outros ciclos de violência após a morte de um policial”, destacou o Sou da Paz em nota publicada nesta segunda-feira 31.

Ainda de acordo com o instituto, os resultados da operação se tornam mais preocupantes ante a fragilização do programa de câmeras nos uniformes da PM de São Paulo. Embora Tarcísio tenha recuado da ideia de acabar com a iniciativa, opera um “congelamento” do programa, sem a instalação de qualquer equipamento novo desde o início de sua gestão.

Dados obtidos pelo G1 via Lei de Acesso à informação mostram que havia 10.125 equipamentos com os policiais em 2 de fevereiro de 2023. O número segue o mesmo, conforme resposta enviada em 6 de junho pela PM, vinculada à Secretaria da Segurança Pública. São Paulo tem cerca de 100 mil policiais.

“Nós sabemos que a tecnologia, a câmera em si, é só uma parte do programa, que ainda prevê uma série de ações de formação, de apuração da informação produzida pelas câmeras e da consequência delas diante de possíveis abusos. É toda uma estrutura que acompanha a tecnologia, que, por si só, não reflete na redução da letalidade”, pondera Beatriz Graeff.

A especialista acresce ao cenário a falta de uma postura pública de Tarcísio de Freitas sobre a importância de controlar o uso da força policial por meio desses recursos. “Isso pode ter um impacto na atuação dos policiais na rua.”

O Sou da Paz também ressaltou que “a emboscada covarde que resultou na morte do soldado PM Patrick Bastos Reis precisa de uma rápida reação do Estado”, mas ponderou ser “inadmissível que essa resposta seja dada de forma descontrolada e fora das balizas legais”.

Em nota encaminhada à reportagem, a Secretaria de Segurança Pública afirmou que todas as mortes resultantes da operação policial estão sendo rigorosamente investigadas pela Divisão Especializada de Investigações Criminais de Santos e pela PM, por meio de Inquérito Policial Militar.

A pasta ainda assegurou que a Operação Escudo prosseguirá por pelo menos 30 dias, com reforço policial na região. A operação foi deflagrada pela Polícia Militar, após a morte do PM Patrick Bastos Reis, membro das Rondas Ostensivas Tobias Aguiar (Rota) na quinta-feira 27. O agente foi atingido por um tiro a longa distância quando patrulhava o bairro Vila Zilda, na baixada santista. No domingo 30, o governador de São Paulo declarou em suas redes sociais que o autor do disparo que matou o policial foi preso na zona sul de São Paulo.

Também em nota, a Ouvidoria das Polícias de São Paulo reafirmou ter recebido relatos de uma atuação violenta por parte das forças de segurança no Guarujá, bem como de ameaças constantes à população das comunidades do município. Moradores afirmam que o vendedor ambulante Felipe Vieira Nunes foi torturado e morto por policiais durante a operação. Ele teria saído de casa por volta das 21h da sexta para comprar cigarro quando foi abordado por policiais da Rota, na esquina de casa. Segundo os relatos, as torturas aconteceram dentro de um barraco da favela Vila Baiana.

“A morte violenta do soldado PM e dos civis são inaceitáveis. Nada, nem nenhuma assimetria se justifica quando se clama por justiça e segurança para todos. Oportuno salientar que a responsabilização dos envolvidos é necessária, como medida de justiça, nos termos da legislação brasileira”, diz um trecho do comunicado, assinado pelo ouvidor Claudio Silva.

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