Política

‘Guerra não pode servir ao propósito de aniquilar direito constitucional de indígenas’, diz MPF

Entidade se manifestou contrária ao projeto que pretende liberar exploração de terras protegidas; para MPF, texto é inconstitucional

Indígenas protestam no Congresso Nacional contra projetos de lei sobre a demarcação de terras indígenas e liberação da mineração nas regiões (Foto: EVARISTO SA / AFP)
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O Ministério Público Federal se manifestou contrário ao projeto de lei que pretende liberar mineração e grilagem em terras indígenas com a justificativa da escassez de fertilizantes causadas pela guerra na Ucrânia. Para a entidade, o texto defendido pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) é ‘flagrantemente inconstitucional’. A manifestação foi expressada em nota publicada na noite de terça-feira 8.

“A Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal – órgão superior vinculado à Procuradoria-Geral da República […] reitera seu entendimento quanto à flagrante inconstitucionalidade do Projeto de Lei nº 191/2020”, inicia o texto.

“A mineração e as obras de aproveitamento hidrelétrico em terras indígenas mereceram atenção especial do Constituinte de 1988, justamente pelo potencial dano e ameaça à vida e à cultura dos povos indígenas”, diz o MPF. “Nesse sentido, o PL 191/2020 contém vício insanável, incompatível com o regime de urgência, uma vez que, como exceção à regra constitucional […], a futura regulamentação da atividade de pesquisa e extração minerária demanda o prévio debate”, acrescenta, alegando em seguida que a ampla discussão do tema, em especial com os povos indígenas afetados, não aconteceu.

Segundo o MPF, “o estado de beligerância, de ameaça externa ou mesmo a declaração de guerra entre dois ou mais países não autoriza a diminuição do sistema de proteção internacional dos direitos humanos, particularmente das minorias e de grupos vulneráveis.”

Para a entidade, a guerra na Ucrânia após a invasão russa não pode servir, portanto, como justificativa para “fragilizar ou aniquilar o direito constitucional dos índios às terras que tradicionalmente ocupam e ao usufruto exclusivo de suas riquezas naturais”. Bolsonaro tem dito publicamente que o conflito internacional é uma ‘oportunidade’ de avançar sobre o direito dos povos tradicionais.

Ainda de acordo com o MPF, o conflito deveria suscitar discussões contrárias: “no estado de guerra, seguindo os termos da Convenção de Genebra, a rede de defesa dos refugiados, crianças, mulheres e de grupos étnicos minoritários deve ser ampliada.”

Por fim, a entidade pede que “o Poder Executivo, por meio da Funai, do Ibama, da Polícia Federal e do Ministério da Defesa, adote todas as providências necessárias para coibir a mineração e o garimpo ilegal em terras indígenas, inclusive para a retirada de garimpeiros invasores dessas terras.”

Pesquisas desmentem Bolsonaro sobre necessidade de exploração de terras indígenas

Na nota, o MPF também lembrou que Bolsonaro mente ao dizer que há necessidade de exploração de terras indígenas para conter a falta de fertilizantes no Brasil. O ex-capitão defende que, sem a exploração de potássio e outros recursos naturais em terras indígenas, o agronegócio brasileiro estaria ameaçado, já que, no momento, os insumos são comprados no mercado internacional, em especial, da Rússia.

Pesquisas apontam, no entanto, que o Brasil tem recursos suficientes em seu território para atender a demanda de fertilizantes até pelo menos 2089, bastando um plano adequado de exploração. Os estudos também desmentem Bolsonaro de que a maior parte destes recursos estariam em terras indígenas e que a legislação brasileira precisaria ser modificada. Um levantamento da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) revelou nesta terça-feira que apenas 11% do potássio brasileiro estaria dentro das áreas protegidas, não sendo, portanto, necessária qualquer mudança na lei como pretende o governo.

Pesquisadores ainda apontam que o potássio presente nas reservas indígenas também é de difícil exploração e que o Brasil não detém a tecnologia necessária para sua extração. A mudança na lei defendida por Bolsonaro, portanto, além de inconstitucional, seria ineficaz na solução do problema brasileiro.

Outro cruzamento de dados realizado pelo jornal O Estado de S. Paulo nesta terça-feira também confirma que as reservas do minério não estão dentro das terras indígenas e que, no momento, a exploração não vem sendo feita por opção comercial da Petrobras e por ajustes ambientais que a Potássio Brasil, empresa controlada por um banco canadense, precisa fazer. Ainda assim, o governo federal pressiona o Congresso para avançar com a discussão do PL 191/2020.

Confira a íntegra da manifestação do MPF:

PGR-00085541.2022

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