Fundo Amazônia, ONU, guerra na Ucrânia: as declarações de Lula após reunião com Biden

O petista afirmou que o Brasil não quer transformar a Amazônia 'em um santuário da humanidade', mas não abre mão de sua soberania

O presidente Lula em viagem aos Estados Unidos. Foto: Brendan Smialowski/AFP

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O presidente Lula (PT) e o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, se reuniram na Casa Branca no fim da tarde desta sexta-feira 10. Após a agenda, o petista afirmou que o homólogo norte-americano participará do financiamento ao Fundo Amazônia, administrado pelo Brasil para a luta contra o desmatamento.

“É necessário que participe. O Brasil não quer transformar a Amazônia em um santuário da humanidade, mas não quer abrir mão de que a Amazônia é um território sobre o qual ele é soberano”, afirmou. “Queremos compartilhar com a ciência do mundo inteiro um estudo profundo sobre a necessidade de manutenção da Amazônia, mas extrair da riqueza da biodiversidade da Amazônia algo que possa melhorar a qualidade de vida das pessoas que moram lá.”

Minutos depois da entrevista, o governo dos Estados Unidos anunciou a intenção de trabalhar com o Congresso para financiar programas de proteção à Amazônia, incluindo um “apoio inicial ao Fundo Amazônia”. Desde o mês passado, Biden não tem maioria no Congresso. Após as eleições de meio de mandato, o Partido Republicano assumiu o controle da Câmara.

Lula voltou a defender uma nova “governança global”, em crítica direta ao Conselho de Segurança da ONU. Segundo ele, é necessário que mais países participem do grupo, “para que algumas decisões de ordem climática sejam tomadas a nível internacional”. Ele disse ter percebido “muita disposição” de Biden em relação ao tema.

O petista afirmou ter dialogado com o norte-americano também sobre assuntos ligados a igualdade racial, igualdade social, energia limpa e fortalecimento da democracia. O encontro acontece pouco mais de um mês após o ataque de terroristas bolsonaristas às sedes dos Três Poderes, em Brasília. Em janeiro de 2021, os Estados Unidos sofreram uma ação semelhante, quando partidários de Donald Trump depredaram o Capitólio.

A guerra entre Rússia e Ucrânia também entrou em pauta. Lula declarou ter reforçado a Biden a necessidade de criar um grupo de países que promovam uma nova mesa de negociações para encerrar o conflito.


“Senti da parte de Biden a mesma preocupação, porque ninguém quer que essa guerra continue. É preciso que se tenha parceiros capazes de construir um grupo de negociadores, que os dois lados acreditem e que os dois lados possam compreender e terminar essa guerra”, prosseguiu. “A primeira coisa é terminar essa guerra, para depois negociar o que acontecerá no futuro.”

Lula ainda afirmou estar organizando uma viagem a três países africanos: Angola, África do Sul e Moçambique. “É uma demonstração de que o Brasil vai reatar sua forte relação com o continente africano”, avaliou.

Outros compromissos

Mais cedo, Lula se reuniu com o senador norte-americano Bernie Sanders, em Washington. O parlamentar é uma das principais referências da esquerda do Partido Democrata.

Após a agenda, Sanders afirmou que Brasil e Estados Unidos “compartilham muitos desafios, incluindo a ameaça de autoritários de direita que buscam minar as instituições democráticas”. O senador também afirmou ter discutido com Lula “maneiras de construir uma economia que atenda a todas as pessoas, não apenas aos ricos e às grandes corporações”, além de formas de “promover os direitos dos trabalhadores e construir sindicatos fortes”.

“Ao contrário de seu antecessor, Lula entende a enorme ameaça que as mudanças climáticas representam para o nosso planeta. Discutimos ideias de como aumentar a cooperação internacional para preservar o meio ambiente para as gerações futuras”, acrescentou Sanders.

O petista também esteve com um grupo de deputados do Partido Democrata e com o comando da Federação Americana do Trabalho e Congresso de Organizações Industriais, a AFL-CIO. Trata-se da maior federação de sindicatos do país, formada por 56 entidades, as quais representam mais de 12 milhões de trabalhadores ativos e aposentados.

Declaração

Após o encontro na Casa Branca, Lula e Joe Biden divulgaram um comunicado conjunto no qual traçam as linhas gerais de uma nova etapa da relação entre os países.

Leia o documento na íntegra:

“Hoje, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, da República Federativa do Brasil, e o Presidente Joseph R. Biden Jr., dos Estados Unidos, encontraram-se em Washington, D.C. Durante o encontro, os dois líderes reafirmaram a natureza vital e duradoura da relação Brasil-EUA e ressaltaram que o fortalecimento da democracia, a promoção do respeito aos direitos humanos e o enfrentamento da crise do clima figuram no centro de sua agenda comum.

Como líderes das duas maiores democracias das Américas, o Presidente Lula e o Presidente Biden comprometeram-se a trabalhar juntos para fortalecer as instituições democráticas e saudaram a segunda Cúpula pela Democracia, a realizar-se em março de 2023. Ambos os líderes notaram que continuam a rejeitar o extremismo e a violência na política, condenaram o discurso de ódio e reafirmaram sua intenção de construir resiliência da sociedade à desinformação e concordaram em trabalhar juntos nesses assuntos. Discutiram os objetivos compartilhados de fazer avançar a agenda dos direitos humanos por meio da cooperação e da coordenação em questões tais como inclusão social e direitos trabalhistas, igualdade de gênero, equidade e justiça raciais, e proteção dos direitos das pessoas LGBTQI+. Também assumiram o compromisso de revitalizar o Plano de Ação Conjunta Brasil-EUA para a Eliminação da Discriminação Étnico-Racial e Promoção da Igualdade, para benefício mútuo de comunidades raciais, étnicas e indígenas marginalizadas, incluindo pessoas de ascendência africana, em ambos os países.


Ambos os líderes estão determinados a conferir urgente prioridade à crise climática, ao desenvolvimento sustentável e à transição energética. Reconhecem o papel de liderança que o Brasil e os EUA podem desempenhar por meio da cooperação bilateral e multilateral, inclusive no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima e do Acordo de Paris. Os Presidentes Lula e Biden recordaram a Iniciativa Conjunta sobre Mudança do Clima, estabelecida em 2015, que criou o Grupo de Trabalho de Alto Nível Brasil-EUA sobre Mudança do Clima (GTMC). Decidiram instruir o GTMC a voltar a reunir-se com a maior brevidade possível, com vistas a examinar áreas de cooperação, como combate ao desmatamento e à degradação, reforço da bioeconomia, estímulo à implantação da energia limpa, fortalecimento de ações de adaptação e promoção de práticas agrícolas de baixo carbono. Como parte desses esforços, os Estados Unidos anunciaram sua intenção de trabalhar com o Congresso para fornecer recursos para programas de proteção e conservação da Amazônia brasileira, incluindo apoio inicial ao Fundo Amazônia, e para alavancar investimentos nessa região muito importante. Os líderes expressaram, ainda, a determinação de lutar contra a fome e a pobreza, reforçar a segurança alimentar global, fomentar o comércio e eliminar barreiras, promover a cooperação econômica e fortalecer a paz e a segurança internacionais.

Também discutiram o interesse em intensificar a cooperação bilateral em áreas como comércio e investimentos, energia, saúde, ciência, tecnologia e inovação, defesa, educação e cultura e assuntos consulares, por meio de abordagem focada em resultados que beneficiem ambas as sociedades. Ao reconhecer a importância da resiliência das cadeias de suprimentos, especialmente na atual conjuntura global, comprometeram-se a continuar a cooperação nesse campo com diálogos público-privados específicos.

Os dois líderes também examinaram ampla gama de questões globais e regionais de interesse mútuo. Ambos os presidentes lamentaram a violação da integridade territorial da Ucrânia pela Rússia e a anexação de partes de seu território como violações flagrantes do direito internacional e conclamaram uma paz justa e duradoura. Os líderes expressaram preocupação com os efeitos globais do conflito na segurança energética e alimentar, especialmente nas regiões mais pobres do planeta e externaram apoio ao funcionamento pleno da Iniciativa de Grãos do Mar Negro. Os Presidentes Lula e Biden tencionam fortalecer a cooperação em instituições multilaterais, inclusive no contexto da vindoura presidência brasileira do G20. Os dois líderes expressaram a intenção de trabalhar juntos para uma reforma significativa do Conselho de Segurança das Nações Unidas, como a expansão do órgão para incluir assentos permanentes para países na África e na América Latina e Caribe, de modo a torná-lo mais representativo dos membros da ONU e aperfeiçoar sua capacidade de responder mais efetivamente às questões mais prementes relacionadas à paz e à segurança globais.

O Presidente Lula convidou o Presidente Biden a visitar o Brasil, e o Presidente Biden aceitou o convite. Os dois líderes comprometeram-se a ampliar seu diálogo e buscar cooperação mais profunda em preparação para a celebração do bicentenário das relações diplomáticas Brasil-EUA em 2024″.

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