Justiça

cadastre-se e leia

Fundação da Lava Jato, o fantasma que volta a assombrar Gabriela Hardt e companhia

‘Quem, em sã consciência, concordaria em destinar bilhões de dinheiro público para uma fundação privada, sem nenhuma cautela?’, questiona corregedor

Sergio Moro e Gabriela Hardt. Fotos: Marcelo Camargo/Agência Brasil; e Reprodução
Apoie Siga-nos no

A decisão do corregedor nacional de Justiça, Luís Felipe Salomão, de afastar a juíza Gabriela Hardt e dois desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) trouxe à tona, mais uma vez, um fantasma a assombrar o que restou da Lava Jato: uma fundação que seria criada para gerenciar um orçamento bilionário supostamente voltado a ações contra a corrupção.

O afastamento decorreu da inspeção conduzida pelo CNJ na 13ª Vara Federal de Curitiba e no TRF-4, responsáveis pelos processos da Lava Jato na primeira e na segunda instâncias, respectivamente. Uma dia depois, porém, o plenário do Conselho decidiu devolver Hardt ao cargo.

A investigação identificou indícios de conluio com o objetivo de destinar valores bilionários para serem usados com exclusividade por integrantes da força-tarefa.

No âmbito desses acordos, a Lava Jato repassou à Petrobras 2,1 bilhões de reais, entre 2015 e 2018, período em que a empresa era investigada nos Estados Unidos. Cerca de 2,5 bilhões de reais, por fim, serviriam para criar uma fundação que supostamente empreenderia ações contra a corrupção.

“Destarte, constatou-se um conjunto de atos comissivos e omissivos singulares que são efetiva e essencialmente anômalos (quem, em sã consciência, concordaria em destinar bilhões de reais de dinheiro público para uma fundação privada, de maneira sigilosa e sem nenhuma cautela), sendo que tais ações da reclamada [Hardt], de uma maneira ou outra, culminariam na destinação do dinheiro para fins privados, o que só não ocorreu por força de decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal”, diz um trecho da decisão de Salomão.

No período entre 2015 e 2018, o juiz titular era Sergio Moro e a juíza substituta era Gabriela Hardt. Já o procurador-chefe da Lava Jato em Curitiba era Deltan Dallagnol.

Coube a Hardt, como substituta de Moro, homologar o acordo que viabilizou a criação da fundação privada. Já os atos do ex-magistrado, hoje senador pelo União Brasil, devem ser julgados pelo CNJ nesta terça-feira 16.

“Este concerto, ao que tudo indica, fazia parte da estratégia montada para que os recursos bilionários obtidos a partir do combate à corrupção (acordos de colaboração, leniência, apreensão de bens e cooperações internacionais), fossem desviados para proveito da fundação privada que estava sendo criada”, escreveu o corregedor.

Segundo Salomão, “independentemente do enquadramento ou não dos fatos e das condutas apuradas como ilícitos penais, é certo que os atos atribuídos à magistrada Gabriela Hardt se amoldam também a infrações administrativas graves”.

O fim do plano de criar a “Fundação da Lava Jato” só ocorreu após uma forte repercussão negativa. Desde então, contudo, a ideia da força-tarefa continua a gerar críticas.

Com frequência, o ministro Gilmar Mendes, decano do Supremo Tribunal Federal, recorda o fracassado plano.

“Surgiram propostas as mais esdrúxulas que chegaram a ser concretizadas, como a criação daquela fundação do Ministério Público denominada por vocês de Fundação Dallagnol“, disse Gilmar em entrevista a CartaCapital em fevereiro. “Recebendo recursos da Petrobras devolvidos, eles criariam uma fundação que faria política, quase um fundo eleitoral em nome do combate à corrupção. 2,5 bilhões…”

“No Brasil produzimos uma singularidade: supostos combatentes da corrupção cuidavam de ganhar dinheiro, de fazer dinheiro e de administrar fundos, o que é extremamente preocupante.”

O fundo privado chegou a ser formado a partir de um acordo de 853,2 milhões de dólares que a Petrobras fechou com o governo norte-americano. Desse valor, 2,5 bilhões deveriam ser aplicados no Brasil. Em janeiro de 2019, o montante foi transferido para uma conta vinculada à Justiça Federal do Paraná.

O acordo inicial entre MPF e Petrobras, homologado pela 13ª Vara, previa o uso de cerca de 1,3 bilhão de reais para pagar acionistas minoritários da empresa e de 1,3 bilhão para bancar projetos, iniciativas e entidades que “reforcem a luta da sociedade brasileira contra a corrupção”.

Depois de meses de impasse, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, decidiu que os 2,5 bilhões de reais, correspondentes a 80% de uma multa imposta à Petrobras por órgãos americanos, seriam destinados à educação e ao combate a queimadas na Amazônia.

Leia essa matéria gratuitamente

Tenha acesso a conteúdos exclusivos, faça parte da newsletter gratuita de CartaCapital, salve suas matérias e artigos favoritos para ler quando quiser e leia esta matéria na integra. Cadastre-se!

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.

Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo