Política

Flávio Dino: “As instituições precisam conter os impulsos golpistas ou serão destruídas por eles”

“Qual líder, de qualquer lugar do planeta, criou a confusão política que Bolsonaro criou em plena pandemia?”, indaga Dino

Flávio Dino, governador do Maranhão
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Uma das vozes mais estridentes a favor da abertura do processo de impeachment contra Jair Bolsonaro, o governador do Maranhão, Flávio Dino, é enfático ao dizer que o presidente cometeu crime de responsabilidade ao tentar interferir em investigações da Polícia Federal. Segundo ele, a troca de mensagens com o ex-ministro Sérgio Moro atesta a prática criminosa “acima de qualquer dúvida razoável”. Muito antes disso, no entanto, o presidente já havia perdido as condições de governar o País.

“Qual líder, de qualquer lugar do planeta, criou a confusão política que Bolsonaro criou em plena pandemia?”, indaga Dino. “Ele sabe das dificuldades enfrentadas pelos profissionais da saúde, dos milhares de brasileiros morrendo por falta de ar, das pessoas sepultadas sem os rituais do luto. Nem mesmo nessas situações limites, foi capaz de manifestar senso de responsabilidade, patriotismo e respeito às famílias brasileiras. Não vejo como, repentinamente, mude a postura”.

O Brasil está preparado para enfrentar o impeachment de Bolsonaro em plena pandemia?

Flávio Dino: É lamentável que o País, uma vez mais, se veja em um tumulto institucional. Não podemos, porém, fechar os olhos para o fato de termos, à luz do artigo 85 da Constituição Federal e da lei 1.079/50, a configuração de condutas do presidente da República que ensejam o processo por crime de responsabilidade.

Do ponto de vista jurídico, talvez faltasse algum elemento probatório sob a óptica de alguns. Não existe mais, por isso fiz menção ao caso do ex-presidente Collor em uma postagem no Twitter. Havia uma dúvida jurídica até que apareceu o Fiat Elba.

Acredito que o depoimento do ex-ministro Sérgio Moro, que tem valor de prova, e a revelação daquela mensagem trocada com Bolsonaro configuram, acima de qualquer dúvida razoável, que houve a violação de certos deveres, especialmente os referentes à probidade na administração e à não ingerência do chefe do Executivo em outros poderes.

A oposição toparia um governo liderado pelo vice, o general Hamilton Mourão? No Congresso, existe alguma negociação em curso com o chamado “Centrão”?

FD: Neste momento, não é o caso de fazer nenhum tipo de negociação política, porque temos tempo até percorrer todos os caminhos de investigação no Supremo Tribunal Federal, em razão do inquérito solicitado pelo procurador-geral da República, e em uma eventual CPI na Câmara dos Deputados. Como o impeachment diz respeito a atos pessoais do presidente, não há participação do vice nesses episódios, a Constituição precisa ser cumprida. Ou seja, com o impedimento de Bolsonaro, assume o vice Mourão.

O senhor conversou sobre esse tema com os demais governadores do Nordeste? Qual é a opinião deles?

FD: De modo geral, todos manifestaram perplexidade. Em meio à pandemia, com milhares de brasileiros perdendo a vida, o presidente resolveu trocar o ministro da Saúde, o gerente da crise sanitária, e o ministro Sérgio Moro. Há muito desconforto por parte dos governadores. Claro que há ressalvas, aqui e acolá, não é um posicionamento unânime, mas posso dizer que é um pensamento majoritário.

Recentemente, o Maranhão precisou montar uma operação de guerra para trazer respiradores da China, via Etiópia. Por que foi necessário montar todo esse esquema?

FD: Não há uma coordenação nacional no combate ao coronavírus. Não podemos dizer que o Ministério da Saúde não ajudou em nada, mas fez muito pouco diante do tamanho do desafio. Hoje, temos autênticas situações de colapso no sistema de saúde e nos serviços públicos em geral. Há falta de equipamentos médicos em todo o Brasil, e não apenas na Amazônia ou no Nordeste.

O governo federal deveria estar envolvido na tarefa de garantir que fabricantes nacionais abasteçam o mercado brasileiro e, na carência da oferta, fazer a importação dos equipamentos necessários para os usuários do SUS. Mas os governadores estão sozinhos nessa tarefa.

Tivemos de formatar uma operação logística complexa para garantir o envio de respiradores da China para o Maranhão, sem que houvesse bloqueio de outros países ou requisição do governo federal. Essa história é reveladora da falta de apoio que temos.

O senhor também ingressou com uma ação no STF para ter acesso a respiradores adquiridos no Brasil, não?

FD: Sim, os primeiros 68 respiradores que adquirimos no mercado brasileiro. Havíamos emitido uma nota de empenho quando houve uma requisição do governo federal, atravessando a nossa compra. É isso o que eu chamo de falta de coordenação. Não faz sentido um ente público requisitar bens de outro. O Maranhão não vai guardar esses respiradores em um armazém, vai colocá-los nos hospitais. Felizmente, o STF considerou essa intervenção ilegal.

Uma parcela do eleitorado fiel a Bolsonaro não esconde as inclinações autoritárias. Mesmo em meio à pandemia, houve atos pelo o fechamento do Congresso e do STF. O Judiciário deveria punir esses manifestantes?

FD: Claro. A liberdade de expressão, segundo a própria Constituição, não pode ser usada para praticar ou fazer apologia a crimes, muito menos para justificar atos que podem destruir a democracia. Na Alemanha, para citar um exemplo, é totalmente proibida a propaganda do nazismo.

Sinceramente, eu não sei o que falta para o Ministério Público e o Poder Judiciário agir. As autoridades têm o dever de preservar a legalidade democrática. Qualquer pessoa que compareça a um evento com cartazes pela volta do AI-5 ou pelo fechamento do Congresso e do Supremo está cometendo crime, inclusive o presidente da República.

Os promotores e juízes terão coragem de enquadrar Bolsonaro?

FD: Essa é uma questão em aberto. Como mencionei, uma série de condutas de Bolsonaro configuram crimes comuns e de responsabilidade. Ele é o responsável pelo maior estresse institucional ao qual o Brasil está submetido em décadas. As instituições democráticas só têm dois caminhos: ou contêm os impulsos autoritários e golpistas ou serão destruídas por eles. É uma questão de sobrevivência.

Como o senhor imagina o Brasil pós-pandemia, com ou sem Bolsonaro no poder?

FD: Não vejo Bolsonaro ter a disposição de ser o líder nacional que o Brasil precisa. É uma constatação objetiva. Um líder nacional une, ele divide. Um líder nacional cuida da gestão administrativa, o ex-capitão só se preocupa com as eleições futuras. Um líder nacional prioriza o interesse de todos, e não o de pequenos grupos ou da própria família. Pergunto: qual líder, de qualquer lugar do planeta, criou a confusão política que Bolsonaro criou em plena pandemia?

Nenhum outro. Nem mesmo Donald Trump, seu ídolo, fez tanta lambança nos EUA. Bolsonaro sabe das dificuldades enfrentadas pelos profissionais da saúde, dos milhares de brasileiros morrendo por falta de ar, das pessoas sepultadas sem os rituais do luto. Nem mesmo nessas situações limites, foi capaz de manifestar senso de responsabilidade, patriotismo e respeito às famílias brasileiras. Não vejo como, repentinamente, mude a postura.

O senhor acredita que o ex-ministro Sergio Moro será capaz de capturar o eleitorado que esse aglutina em torno de Bolsonaro? É um nome forte para 2022?

FD: Não há dúvida de que Moro acumulou, nesse período de grande exposição midiática, muitos adeptos e, portanto, a sua voz encontra ressonância em muitos segmentos sociais. Mas isso ocorre na mesma faixa do bolsonarismo. Só é possível prognosticar o eventual destino político de Moro pensando, antes, o que acontecerá com Bolsonaro. Hoje, um não pode sobreviver se o outro subsistir. Eles passaram de parceiros a concorrentes do mesmo campo ideológico, da direita e da extrema-direita.

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