Política

Esquerda democrática e a corrupção

Os partidos de esquerda sofrem mais com a corrupção do que os da direita, justamente porque ela atinge em cheio sua proposta estratégica de sociedade

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O fato de experimentarmos atualmente no Brasil um debate público marcado pelo Fla X Flu político, ou seja, em que as emoções se impõem – muitas vezes de forma radical e repleta de ódio -, nos impede de aprofundar algumas discussões e de perceber aspectos relevantes sobre alguns temas.

É o que acontece, por exemplo, em relação à corrupção, que virou a questão central da agenda social e da mídia, discutida de forma acalorada e transformada, não raramente, em instrumento para outras questões, que não propriamente o seu combate.

Em primeiro lugar, há uma visão absolutamente enviesada disseminada por alguns setores da sociedade, de que o PT, partido do governo, inventou a corrupção no Brasil. Não é preciso muito conhecimento histórico para saber que a corrupção é algo endêmico no Estado brasileiro, portanto querer vinculá-la a um único partido, além de hipócrita do ponto de vista político, nada contribui para eliminá-la.

Na realidade, esse é um discurso mais próximo de quem deseja a permanência da corrupção e não há qualquer razoabilidade na ideia de que suprimir o PT e/ou as esquerdas da política é a chave para acabar com esse e os demais males do universo.

Por outro lado, tão improdutiva para o avanço da nossa democracia quanto essa visão é a percepção daqueles que enxergam no movimento anticorrupção – que não é só da oposição, mas de parcela significativa da sociedade – apenas uma articulação, uma espécie de conspiração contra o PT.

Existem os dois lados – o dos que fazem do discurso anticorrupção mero instrumento de persecução política e o daqueles que realmente estão indignados e acreditam que a corrupção precisa ser combatida.

Não se pode negar que o PT respondeu muito mal a essa demanda social. Um dos aspectos mais falhos do governo do PT, aliás, foi não ter conseguido segurar essa bandeira ética – um dos pilares da construção da legenda – que, durante muito tempo, de certa forma foi um ponto de distinção de seus quadros dos demais.

O ponto central, no entanto, que acaba obscurecido nesse Fla X Flu, é que o combate à corrupção não é meramente uma questão moral, como costuma ser reduzida por setores conservadores. Para a esquerda democrática, o combate à corrupção é absolutamente estratégico, pois é intrínseco à preservação do serviço público, que é o eixo de seu programa de governo. E não há nada que deteriore mais a prestação de serviços públicos aos olhos da sociedade do que os particularismos na sua gestão – o clientelismo, o compadrio, o uso excessivo de cargos para finalidades não públicas, etc.

Ao contrário, o serviço público, quando funciona bem, se enraíza de tal forma na sociedade, que as críticas que lhe são comumente dirigidas se tornam superficiais e restritas a alguns ambientes sociais. O que realmente dificulta a concepção de serviço público como um bem para toda a sociedade são as próprias práticas no seu interior, a corrupção e seu uso não republicano.

Por essas razões, perder ou ser dissociado da bandeira de luta contra a corrupção – um problema para qualquer seguimento político – torna-se um problema muito maior para a esquerda. E, de certa forma, a sociedade é mais intransigente quando pessoas ligadas à esquerda se corrompem, do que quando são quadros da direita a se desviarem – o que não é exatamente um mal.

É óbvio que, no plano jurídico, toda corrupção deve ser tratada e punida igualmente, independentemente da cor partidária de seus praticantes. Mas no plano político, de fato, é mais grave quando a corrupção se abate sobre governos de esquerda, justamente porque atinge em cheio a sua proposta estratégica. Ao invés de requerer para si qualquer tipo de complacência quando sofre acusações de corrupção, a esquerda tem que compreender e aceitar com humildade essa mensagem, fazer sua autocrítica e retomar essa e outras bandeiras essenciais para a construção de sociedades mais justas e democracias mais sólidas.

* Pedro Estevam Serrano é advogado, professor de Direito Constitucional da PUC-SP, e pós-doutor pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

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