Política

Entrevista: ‘Lula poderia ter tido uma aliança muito mais ampla no Rio’, diz Paes

Aliado diz que petista não deveria ter sido ‘exclusivo’ de Freixo no primeiro turno, critica Bolsonaro e alfineta Castro: ‘Não sou psicoterapeuta. Tem uma coisa de afirmação ali’

Lula e Eduardo Paes. Foto: Ricardo Stuckert
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O prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD), afirma que o presidente Jair Bolsonaro (PL) não ajudou o Rio e avalia que Lula poderia ter tido uma aliança mais ampla no estado, em entrevista exclusiva ao GLOBO. Para a campanha, diz que vai alertar as pessoas sobre a falta de programas do governo federal na cidade. O prefeito fala também sobre a polarização, o voto evangélico, a derrota de Rodrigo Neves e alfineta o governador do Rio, Claudio Castro (PL): “tem todo o direito” de lançar um nome à prefeitura:

— Sou candidatíssimo em 2024. Não existe essa história de não se colocar para a reeleição. O que decide é ser bem avaliado.

Leia a entrevista completa:

O governador Cláudio Castro (PL) disse que organizará agendas para Bolsonaro na Zona Oeste, na Baixada e em São Gonçalo. O que o senhor pretende fazer para ajudar Lula?

É uma receita meio óbvia, né? Não por acaso, nós também estamos planejando encontros na Zona Oeste, na Baixada e em São Gonçalo, Maricá e Niterói. O mais importante é alertar as pessoas sobre o que Bolsonaro fez pelo Rio. Lembro quando ele botou um suposto carioca que é candidato a governador de São Paulo (referência ao ex-ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas) para destruir o Aeroporto do Galeão no modelo de concessão e privilegiar Guarulhos. Não existe qualquer programa do governo federal hoje para urbanizar favelas da Zona Oeste e da Zona Norte. O que tem de relação hoje é o pagamento do BRT Transbrasil, recurso que eu consegui no governo Lula.

Sua crítica a Bolsonaro, então, é mais em relação à falta de apoio ao Rio do que por alguma preocupação com ameaças à democracia?

Entendo esse debate da democracia. Ele é muito importante, mas acho que não é o principal tema a abordar nesse momento. O eleitor com quem a gente precisa conversar está mais preocupado com os hospitais federais do Rio que não funcionam, por exemplo. Como prefeito da segunda maior cidade do Brasil, fui chamado só uma vez a Brasília nesses dois anos e saí de lá com um lacinho de fita, uma agenda e uma caneta.

O senhor sempre manteve boa relação com lideranças evangélicas que hoje apoiam Bolsonaro, como os pastores Silas Malafaia e Abner Ferreira. O que acha possível fazer para melhorar o apoio a Lula nesse segmento?

A gente não vota em ninguém para ir à igreja, ao terreiro de macumba ou ao templo budista. Não faz a menor diferença a religião para que as obras que vão beneficiar as pessoas saiam do papel; isso é que é preciso entender. Até porque o Bolsonaro não é evangélico, né? Fica uma mentirada enorme, mas nem o Lula é do capeta, nem tem problema o Bolsonaro ter ido numa loja maçônica. Então, é um trabalho de esclarecimento.

Na campanha, Lula tem variado a forma como aborda o tema da corrupção: ora minimiza descobertas da Lava-Jato, ora ataca Bolsonaro por temas como rachadinha e compra de imóveis em dinheiro vivo. Qual é a melhor estratégia?

Vou responder pela minha experiência. Fui chamado de corrupto durante muito tempo, mesmo sem ter roubado. Entendi que era necessário dar alguns sinais para a sociedade e me afastei totalmente de pessoas que pudessem trazer essa memória. Por isso, não quis o MDB apoiando minha candidatura em 2020. Outro ponto: quando enfrentei um alucinado, delirante e mentiroso, que foi o (ex-prefeito Marcelo) Crivella, não entrei no bate-boca. Lula foi considerado inocente pela Justiça. É ele deixar isso claro e seguir em frente.

Com a força demonstrada pelo bolsonarismo e o lulismo, a polarização veio para ficar ou haverá espaço nas próximas eleições para uma terceira via?

Terceira ou quarta via sempre vai ter, mas com um afunilamento de partidos. Vamos seguir tendo uma parcela da sociedade, não estou dizendo que são todos os que votam no Bolsonaro, com falta de empatia. São pessoas com uma visão mais conservadora que é, na verdade, preconceituosa, com quem tenho até dificuldade de dialogar. Liberal na economia, não é. Ético, também não, basta ver os personagens que tem em volta. Agora, tenho muitos amigos que votam no Bolsonaro por outros motivos, porque não gostam do PT ou do Lula. Acho que a Simone Tebet (MDB) trouxe uma afirmação muito importante, a de que o atual momento da política não permite que a gente se omita, exige posicionamento.

Mas o presidente do seu partido, Gilberto Kassab, não se omite ao manter o PSD neutro, deixando de declarar o próprio voto no segundo turno?

Ele liberar (os diretórios) não é omissão, é a posição dele. O importante é que ele tem respeitado desde o primeiro turno a posição dos companheiros partidários.

Assim como Kassab, o senhor sempre se disse um político de centro. Nessa política polarizada, em algum momento não terá que decidir se é de direita ou de esquerda?

No nível municipal, a coisa do gestor acaba contando muito, do cara que vai cuidar da cidade. Se algum dia eu disputar outra vez uma eleição com um debate mais nacional, pode ser que tenha que me posicionar nessas questões, escolher um campo. Nesse momento, não.

Lula deveria ter feito acenos mais contundentes ao centro?

Não vou ficar apontando erros do primeiro turno. Só faço um comentário: Lula poderia ter tido uma aliança muito mais ampla do que teve no Rio. O PT nacional perdeu a oportunidade de ampliar aqui antes, mas agora vamos em frente.

O senhor se refere a ter mais palanques além da candidatura de Marcelo Freixo?

Freixo tinha todo o direito de ser candidato. Só não precisava ser uma candidatura exclusiva, mas são águas passadas. Ontem (quarta-feira) o Rodrigo Neves (PDT), que foi meu candidato ao governo, finalmente ganhou um abraço do Lula. Freixo está na campanha e eu estou. Lula foi pintado nos últimos anos por parte dessa direita como um sujeito estreito, contra o livre mercado, e isso é tudo o que ele não é. Estou vendo muito mais irresponsabilidade fiscal agora do que em oito anos de governo Lula. Na hora que ele tem um prefeito com as minhas características, alguém que não é de esquerda, ajuda na narrativa de mostrar que ele é amplo.

Por que a candidatura de Neves não decolou?

A campanha ficou estreita no Rio. Lembro de um evento em Padre Miguel, a duas semanas da eleição. Entrei em um salão lotado com o Rodrigo do meu lado e as pessoas não o conheciam, achavam que era um assessor. Castro escolheu Freixo como seu adversário, ele me disse isso diversas vezes, porque queria ganhar no primeiro turno. A partir de determinado momento, não me surpreendi com esse resultado. Aliás, também fui zero surpreendido com a força do Bolsonaro no estado.

O uso da máquina estadual, com escândalos como o de cargos secretos do Ceperj, foi fundamental para a reeleição de Castro?

Isso sempre ajuda a trazer voto, só que traz muitos problemas depois. Tomara que não tenha nenhuma participação dele nessas coisas apresentadas, né? Eu sei como o Cláudio Castro chegou ao poder na primeira eleição dele, como vice do (ex-juiz Wilson) Witzel. Fui diretamente impactado e derrotado pelo esquema do (empresário) Mário Peixoto. Como ele se reelegeu, não sei. Espero que não tenha problemas futuros.

Está incomodado com o governador após o MP do Rio apontar que Allan Turnovski, ex-chefe de Polícia de Castro, tentou forjar uma operação contra o senhor às vésperas da eleição de 2020?

O que cobrei dele foi uma atitude, e a primeira reação foi muito ruim. Depois ele se consertou, disse que iria apurar. Espero que neste novo governo, se o chefe de polícia ou qualquer delegado tentar usar esse expediente, o governador tenha autoridade para dizer que isso não é admissível num sistema democrático. Eu queria dele uma postura, senão é conivência.

O senhor ironizou nas redes uma declaração de Castro, que em entrevista ao GLOBO, ontem, reclamou de não ser seguido por Bolsonaro e outros políticos nas redes sociais. Castro foi menosprezado por vocês, como ele mesmo diz?

Não tenho nenhuma formação em psicoterapia. Mas tem uma coisa ali de afirmação. Eu sempre o tratei com muito carinho, não o menosprezo, e da próxima vez que encontrá-lo vou dar um abraço apertado e carinhoso. Na verdade, quando eu posto que sigo ele no Instagram e no Twitter, algo que já fazia desde antes de virar prefeito, estou tentando trazê-lo para o meu campo político, para ganhar apoio dele para o Lula e depois para a minha reeleição. Mas ele disse uma verdade sobre o (o deputado federal e ex-presidente da Câmara) Rodrigo Maia (PSDB): não é só o Cláudio, todos nós reclamamos que ele não larga a porcaria do celular quando está conversando conosco. Não se sinta menosprezado por isso.

Castro disse na entrevista que o grupo político dele vai lançar candidato em 2024 contra o senhor…

Ele tem todo o direito. Sou candidatíssimo em 2024. Não existe essa história de não se colocar para a reeleição, acho que é quase uma obrigação, e o que decide isso é você ser bem avaliado. E não sou candidato ao governo em 2026.

Promete?

Quer que eu faça o quê, vá ao cartório? Não existe isso de “eu prometo” não concorrer.

As pesquisas têm apontado uma avaliação ruim de seu governo, em meio a crises como a do transporte. Acredita que isso prejudicou a eleição de deputados do PSD no Rio (o partido do prefeito só elegeu quatro parlamentares, quando a expectativa era de sete)?

Estamos reconstruindo o transporte, isso demora um tempo. O primeiro ano foi de arrumar a casa. Em dezembro vou reabrir a Transolímpica completa, e depois a Transcarioca, em fevereiro. A Transoeste está passando por obras, a Transbrasil com um terminal, só mais para o final do ano que vem. Vou deixar para as pessoas julgarem. Não acho que o problema seja a avaliação. Talvez falte musculatura fora da cidade para mim. Eu não tinha obra para oferecer na Baixada e no interior, muito menos cargo no Ceperj.

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