Justiça
Entenda como o PL da Dosimetria aprovado pelo Senado pode reduzir penas de Bolsonaro e generais
O texto altera o cálculo das condenações do 8 de Janeiro e beneficia o núcleo crucial da trama golpista. A medida, porém, precisa ser sancionada por Lula para se tornar lei
A aprovação do PL da Dosimetria pelo Senado, na quarta-feira 17, pode transformar de forma profunda a situação penal dos oito integrantes do núcleo crucial da trama golpista condenados pelo Supremo Tribunal Federal. O projeto, aprovado por 48 votos a 25 e uma abstenção, altera regras do Código Penal e da Lei de Execução Penal e segue agora para sanção ou veto do presidente Lula (PT).
Embora o relator no Senado, Esperidião Amin (PP-SC), sustente que a proposta se destina exclusivamente aos condenados pelos atos de 8 de Janeiro, a redação aprovada abre margem para interpretações que beneficiam também os principais articuladores políticos e militares da tentativa de golpe, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Interpretação amplia alcance dos benefícios
Na leitura mais ampla do texto, a causa de diminuição de pena prevista no novo artigo 359-V pode ser aplicada a todos os réus, inclusive Bolsonaro e seus generais. O dispositivo prevê redução de um terço a dois terços da pena para quem tenha atuado em “contexto de multidão”, desde que não tenha financiado os atos nem exercido “papel de liderança”.
O ponto central está na definição de liderança. O texto não menciona liderança política ou institucional, mas apenas liderança da própria multidão. Essa interpretação sustenta que o comando excluído do benefício seria apenas o exercício direto de direção operacional dos manifestantes em 8 de Janeiro e não a posição hierárquica ocupada por cada réu no governo ou nas Forças Armadas.
Com isso, mesmo figuras apontadas pelo STF como líderes da organização criminosa poderiam ser enquadradas como parte da “massa de agentes”, abrindo caminho para a aplicação do redutor máximo de pena.
Fim da soma das penas de golpe e abolição
Outra mudança decisiva está no cálculo das penas pelos crimes de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito. O PL altera o Código Penal para estabelecer que, quando esses crimes forem cometidos no mesmo contexto fático, deve ser aplicada a regra do concurso formal próprio: considera-se apenas a pena do crime mais grave, com um acréscimo de até um sexto.
Até agora, o STF vinha somando integralmente as penas desses dois crimes, o que inflou de maneira significativa as condenações – em alguns casos, essa soma representou quase metade da pena total. Com o novo texto, essa metodologia fica proibida, provocando uma redução imediata da parte mais pesada das sentenças.
Volta da progressão em 1/6 da pena
O PL também altera o artigo 112 da Lei de Execução Penal, flexibilizando os critérios de progressão de regime. O texto retoma o patamar clássico de cumprimento de um sexto da pena, especialmente para réus primários, revogando frações mais elevadas atualmente aplicadas a crimes contra o Estado Democrático de Direito.
Na prática, penas finais entre 4 e 9 anos se convertem em períodos de apenas 8 a 18 meses em regime fechado antes da progressão, acelerando a migração para o semiaberto ou até para a prisão domiciliar.
Como ficariam as penas
Combinando o fim da soma das penas, a redução de até dois terços e a progressão após um sexto do cumprimento da condenação, o impacto sobre o núcleo crucial da trama golpista seria profundo. Na interpretação mais ampla do texto aprovado, as penas ficariam, aproximadamente, assim:
- Jair Bolsonaro: de 27 anos e 3 meses para cerca de 2 anos e 4 meses;
- Walter Braga Netto: de 26 anos para algo entre 2 anos e meio e 3 anos;
- Anderson Torres: de 24 anos para cerca de 2 a 2 anos e meio;
- Almir Garnier: de 24 anos para 2 a 2 anos e meio;
- Augusto Heleno: de 21 anos para algo entre 1 ano e meio e 2 anos e 3 meses;
- Paulo Sérgio de Oliveira: de 19 anos para cerca de 2 anos;
- Alexandre Ramagem: de 16 anos para aproximadamente 1 ano e meio;
- Mauro Cid: permanece em torno de 2 anos, já que já responde com a pena mínima em razão do acordo de delação.
Efeitos
Caso o projeto seja sancionado e adotado com essa interpretação, o PL da Dosimetria tem potencial para reescrever completamente o impacto das condenações do 8 de Janeiro. A combinação das mudanças faz com que praticamente todos os réus do núcleo central terminem com penas entre 1 ano e meio e 3 anos, a maioria rapidamente convertida em regimes mais brandos.
A proposta deve desencadear uma nova disputa política e jurídica sobre os limites da legislação e o alcance das punições impostas pelo STF. No Congresso, a aprovação no Senado evidenciou a convergência entre bolsonaristas e setores do Centrão, enquanto governistas alertam para o risco de esvaziamento das responsabilizações por crimes contra a democracia.
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