Justiça
Delegado que se rebelou contra o governo Bolsonaro é punido pela PF
Alexandre Saraiva acusou, em 2021, o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e o então chefe da PF


Desde a conclusão pela Polícia Federal de que Jair Bolsonaro cometeu peculato, no início de julho, a extrema-direita tem investido contra o delegado Fabio Alvarez Shor, encarregado de três inquéritos envolvendo o ex-presidente, incluindo o das joias. O senador Marcos do Val (Podemos-ES), um dos mais vocais apoiadores de Bolsonaro, incentivou seu séquito a investigarem a vida de Shor nas redes sociais.
Em paralelo a esta ofensiva, um outro desafeto do bolsonarismo acaba de ser punido internamente pela PF. Trata-se do delegado Alexandre Saraiva, que pegou 31 dias de suspensão em um processo administrativo disciplinar.
Durante o governo Bolsonaro, Saraiva chefiou a PF no Amazonas, liderando investigações que, em 2021, atingiram o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em um caso de exportação ilegal de madeira, parte da Operação Handroanthus. O delegado alertou o Supremo Tribunal Federal que Salles e o então senador Telmário Motta (SD-RR) tentaram atrapalhar as investigações e proteger madeireiros.
A investigação e o alerta custaram a demissão dele da chefia da PF no Amazonas. Paulo Maiurino era o diretor-geral da polícia na época. Saraiva reagiu pedindo à Corregedoria da PF para investigar a origem do dinheiro usado por Maiurino para comprar um imóvel em Miami e a possível acúmulo indevido de cargos públicos por ele.
Ter acionado a Corregedoria diretamente contra Maiurino, sem levar o assunto aos superiores, foi uma das razões para Saraiva ter sido considerado culpado de transgressão disciplinar. A outra foi descrita assim: “Ter sido desleal com a instituição ao tentar destruir a reputação do Diretor-Geral da Polícia Federal, fazendo, publicamente, graves acusações e tecendo reiteradas críticas, sejam direta ou indiretamente, além de questionar atos praticados pela administração”.
Após ser afastado da PF no Amazonas, Saraiva deu entrevistas expondo descobertas sobre o esquema ilegal de madeira e a tentativa de Ricardo Salles de acobertar os envolvidos. Também culpava o comando da PF e o governo Bolsonaro por sua demissão.
Uma das primeiras entrevistas, citada no processo, foi para CartaCapital, onde Saraiva afirmou: “Vivemos o momento mais tenebroso da Polícia Federal”. O documento relata ainda um outro trecho, onde Saraiva diz: “Antes, existia uma política velada na PF: mesmo alguém pedindo para sair de um posto, se tivesse qualquer tentativa de interferência política por fora, essa pessoa não era trocada, para sinalizar que não havia possibilidade de intervenção. Parece que isso mudou”.
O processo disciplinar contra Saraiva foi aberto em 7 de novembro de 2022, não mais sob a chefia de Maiurino, mas sob Marcio Nunes Oliveira, que assumira o cargo meses antes. Pouco antes da abertura do processo, o delegado havia concorrido a deputado federal pelo PSB do Rio de Janeiro, recebendo 16 mil votos, insuficientes para ser eleito.
Saraiva se defendeu sozinho no processo, por escrito, alegando que não poderia “ter se calado diante dos muitos desmandos e práticas criminosas contra a Polícia Federal”. Também afirmou não ter sido desleal com a corporação durante o governo Bolsonaro: “No meio de tanta desgraça patrocinada por um governo corrupto e insano que fez da PF gato e sapato, de modo que perdemos credibilidade perante o povo brasileiro, EU sou o culpado por ter causado danos à imagem!?”.
A atual corregedora-geral da PF, Helena de Rezende, é quem aprovou as conclusões do processo contra Saraiva. No cargo desde março de 2023, foi escolhida pelo diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, com quem trabalhou na equipe de segurança da Olimpíada de 2016, no Rio de Janeiro. Sua experiência na capital fluminense a levou a integrar a intervenção federal na segurança pública do Rio, decretada em 2018 pelo então presidente Michel Temer, onde atuou como secretária de Educação, Valorização e Prevenção da intervenção.
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