Justiça

Defensoria Pública tenta barrar comemorações do golpe de 1964

Órgão diz que celebrar início do regime ditatorial, como ordenado por Bolsonaro, violaria moralidade administrativa, memória coletiva e lei

José Cruz/Agência Brasil
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A Defensoria Pública da União pediu que a Justiça Federal em Brasília proíba o governo federal e as Forças Armadas de realizarem comemorações no próximo dia 31 de março para marcar o início da ditadura militar no Brasil, em 1964, e de gastarem recursos públicos para este fim, sob pena de multa.

O pedido veio na forma de uma ação civil pública, protocolada nesta terça-feira 26, pedindo urgência na análise do tema.

Na ação pública, a Defensoria afirma serem de conhecimento público os “horrores” vividos durante o período ditatorial, citando relatórios da Comissão da Verdade, dados sobre mortos, torturados e desaparecidos no período, que se estendeu de 1964 a 1985, e argumenta que comemorar a data e um regime que perseguiu, torturou e assassinou pessoas violaria a moralidade administrativa.

“Diante do alarmante quadro de violação de direitos humanos, em especial, violação aos princípios constitucionais e outros aos quais o Brasil aderiu no cenário internacional, não resta outra medida senão solicitar ao Poder Judiciário que interfira, exercendo sua função constitucional e seu papel maior no Estado Democrático de Direito”, diz a Defensoria.

Além disso, afirmou que exaltar o regime militar violaria a memória coletiva, estimulando “que novos golpes e rupturas democráticas ocorram”, atentando contra a democracia e contra o estado democrático de direito.

O AI-5 foi o golpe dentro do golpe (Foto: Arquivo Nacional)

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Uma eventual comemoração infringiria a Lei de número 12.345/2010, segundo a qual a proposição de datas comemorativas deve ser objeto de projeto de lei, acrescenta a ação.

“Caso o presidente decidisse instituir uma nova data comemorativa nacional seria necessário, no mínimo, uma convergência de vontades, respeitando o princípio da separação de poderes” previsto no Artigo 2 da Constituição.

A medida de Defensoria foi uma reação ao anúncio do porta-voz da Presidência, general Otávio Rêgo Barros, de que o presidente Jair Bolsonaro havia determinado ao Ministério da Defesa que sejam feitas comemorações em unidades militares aos 55 anos do golpe militar, já tendo aprovado a inclusão da data na ordem do dia das Forças Armadas.

A medida foi condenada pelo Ministério Público Federal (MPF). Segundo o órgão, a decisão “soa como apologia à prática de atrocidades massivas” e que a celebração de crimes por parte do Estado “atenta contra os mais básicos princípios da administração pública, o que pode caracterizar ato de improbidade administrativa”.

Em outra frente, o advogado Carlos Alexandre Klomfahs entrou com uma ação popular requerendo à Justiça que a Presidência se abstenha de celebrar a data, citando “ações do Executivo que extrapolam a moralidade administrativa”.

Leia também: Bolsonaro elogia militares da Ditadura e brada: "Esquerda nunca mais"

Por sua parte, o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, refutou o uso da palavra “comemoração” para se referir aos eventos que marcarão o dia 31 de março, mas afirmou que a data precisa ser lembrada e explicada aos mais jovens.

“O termo aí, comemoração, na esfera do militar, não é muito o caso. Vamos relembrar e marcar uma data histórica que o Brasil passou, com participação decisiva das Forças Armadas, como sempre foi feito. O governo passado pediu que não houvesse ordem do dia, este, ao contrário, acha que os mais jovens precisam saber o que aconteceu naquela data, naquela época”, disse o ministro, que está em Washington.

O presidente Jair Bolsonaro, durante comemoração dos 73 anos da Brigada de Infantaria Pára-quedista

Após a determinação do presidente, os eventos começaram a ser preparados pelos militares. Eles devem ocorrer na próxima sexta-feira, 29 de março, conforme consta na agenda do comandante do Exército, general Edson Leal Pujol. Uma cerimônia às 8h aparece como “solenidade comemorativa ao dia 31 de março de 1964” – contrariando a declaração de Azevedo e Silva de que “comemoração” não é o termo correto.

O período da ditadura, que se estendeu de 1964 a 1985, teve início com a derrubada do governo do então presidente democraticamente eleito, João Goulart, e foi marcado por censura à imprensa, fim das eleições diretas para presidente, fechamento do Congresso Nacional, tortura de dissidentes e cassação de direitos.

Bolsonaro sempre afirmou que o período de 21 anos não foi uma ditadura. Durante a votação do impeachment de Dilma, ele chegou a homenagear o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, reconhecido pela Justiça de São Paulo como torturador durante o regime militar.

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