Justiça
Como o STF buscará um consenso sobre a responsabilização das redes sociais
Ministros da Corte admitem que teses diferentes serão revistas para viabilizar um modelo único


Os ministros do Supremo Tribunal Federal buscarão um “consenso sobreposto” no julgamento da responsabilização das redes sociais por publicações de usuários. O presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, adiantou que deve se reunir com os seus pares e analisar os pontos de convergência e divergência para construir uma tese única de interpretação do artigo 19 do Marco Civil da Internet.
A solução será a mesma adotada nos casos da ADPF das Favelas e do juiz de garantias, nos quais os ministros se encontraram a portas fechadas e definiram uma só proposta – quando o Tribunal vivia uma enxurrada de teses diferentes sobre os temas.
Barroso chegou a dizer, nesta quarta-feira 11, que o STF é a única Corte do mundo a fazer deliberações públicas. Assim, construir uma proposta em almoços e encontros nos gabinetes não é impróprio, segundo ele.
A ideia não é aproveitar trechos de votos de todos os ministros e criar uma tese só, mas construir um voto comum entre todos. Essa diferenciação se dá por não haver, ainda, unanimidade sobre o tema.
Maioria formada contra as redes
A maioria foi formada após o voto de Gilmar Mendes. O STF, portanto, decidiu contra as redes sociais, que agora serão de fato responsabilizadas pelos conteúdos ilegais postados.
Dentre os votos, o ministro Dias Toffoli foi o mais enfático ao declarar a inconstitucionalidade total do artigo 19, propondo que as plataformas possam ser responsabilizadas sempre que, após notificação extrajudicial, não removerem conteúdos ofensivos ou ilegais em prazo razoável.
Luiz Fux seguiu caminho semelhante, mas adicionou que conteúdos como discurso de ódio, racismo, apologia ao golpe de Estado e pedofilia exigem remoção imediata, por serem evidentemente ilícitos.
Barroso adotou um modelo intermediário, mantendo a exigência de ordem judicial para crimes contra a honra, mas permitindo a retirada extrajudicial em casos graves, como terrorismo, tráfico de pessoas ou incitação ao suicídio. Também defendeu que as plataformas devem ter um “dever de cuidado” sistêmico, sob pena de responsabilização por falhas recorrentes.
Flávio Dino propôs uma estrutura de responsabilização proporcional, com foco em falhas sistêmicas das plataformas, e defendeu regras claras de autorregulação com supervisão da Procuradoria-Geral da República.
Cristiano Zanin, por sua vez, sugeriu três critérios para guiar a atuação das empresas: remoção imediata em caso de crime evidente, proteção das plataformas neutras e isenção quando houver dúvida razoável sobre a legalidade do conteúdo.
Já Gilmar Mendes propôs que o artigo 19 se aplique apenas em situações específicas, como crimes contra a honra e conteúdos jornalísticos, defendendo que a análise nesses casos deve caber ao Judiciário. Já em outras hipóteses, as plataformas devem ser responsabilizadas caso não removam conteúdos ilícitos após notificação extrajudicial.
O único a divergir até agora foi o ministro André Mendonça, que defendeu a plena constitucionalidade do artigo 19 e alertou para riscos de “censura” e “violação à liberdade de expressão”.
O julgamento ainda não terminou, mas a maioria formada sinaliza uma virada no modo de funcionamento das redes sociais no Brasil, com possíveis impactos diretos nas práticas de moderação das big techs.
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