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Com aliados assim…

Além de ministros enrolados, o União Brasil ameaça causar problemas a Lula no Congresso

Dor de cabeça. Juscelino Filho é acusado de se beneficiar de emendas parlamentares. Nascimento tem obsessão pela Codevasf - Imagem: Democratas e Pablo de Roy/MCom
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Campo Formoso, município baiano de 70 mil habitantes a 400 quilômetros de Salvador, deu 71% dos votos a Lula contra Jair Bolsonaro, mas teria sido diferente se dependesse do principal cacique político local, Elmar Nascimento, segundo deputado federal mais votado da Bahia. Na campanha, Nascimento disse em um comício que o capitão enfrentava um time que “só tem condenado ou ex-presidiário”. Em dezembro, com Bolsonaro ainda no poder, coube a ele, líder na Câmara de um dos maiores partidos brasileiros, o União Brasil, cuidar da mudança na Constituição que permitiu a Lula passar por cima do teto de gastos em 2023 e cumprir promessas eleitorais, entre elas o Bolsa Família de 600 reais. A proposta havia sido aprovada dias antes no Senado para valer por dois anos, e Nascimento cortou o prazo pela metade. Quer dizer, logo o Palácio do Planalto terá de pedir novamente aval aos parlamentares para honrar a palavra, o que sempre tem um preço.

Uma semana após o serviço, o deputado de 52 anos ficou uma fera. Lula concluiu a montagem do ministério, entregou três pastas ao União Brasil, para conseguir apoio no Congresso, e nenhuma contemplou o parlamentar. Em resposta, Nascimento avisou que a bancada seria “independente”. Bizarro. Um partido abriga três ministros (dois deles envolvidos em rolos, aliás) e um dos líderes ameaça adotar uma postura que, em certos casos, significa engrossar a oposição. O União Brasil se vê como fiel da balança na Câmara: se apoiar, Lula terá maioria de votos, do contrário, o petista vai penar. Gleisi Hoffmann, a presidente do PT, e Luciano Bivar, do União Brasil, têm lavado roupa suja em público por causa do que a petista chama de “falta de entrega” do aliado. “Falta de entrega” que Gleisi identifica, por exemplo, na votação da mudança constitucional do Bolsa Família e do teto de gastos, relatada por Nascimento.

Na bronca com o lulismo, o deputado comentou dia desses a portas fechadas que, se o governo não o trata com respeito, não espere ser respeitado. Deixou a impressão de estar pronto para mandar um recado em alguma votação importante. Tradução: impor uma derrota ao Executivo. Talvez na Medida Provisória baixada por Lula que acaba com a vida boa de grandes empresas devedoras do Fisco num tribunal administrativo conhecido como Carf, batalha de mais de 50 bilhões de reais por ano. Da forma como a MP foi concebida pela equipe do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, Nascimento não topa aprová-la. Será que um acordo selado perante o Supremo Tribunal Federal na terça-feira 14 por Haddad e a Ordem dos Advogados do Brasil, autora de ação judicial contra a medida, inibirá o parlamentar?

Elmar Nascimento, líder do partido na Câmara, tem mandado recados ao Palácio do Planalto

A beligerância do líder do União Brasil tem tudo para aumentar, graças a um relatório no forno da Controladoria-Geral da União. O documento, segundo apurou CartaCapital, trata da Codevasf, companhia responsável por obras hídricas no Nordeste e em áreas da Região Norte e de Minas Gerais. De algum modo, o texto associa Nascimento a irregularidades na empresa. Dona de um orçamento anual de 2,2 bilhões de reais, a Codevasf é desde 2019, primeiro ano de Bolsonaro, comandada por um engenheiro, Marcelo Moreira, indicado pelo parlamentar baiano. Nos últimos anos, choveram notícias de malfeitos na estatal, analisada com lupa pelo governo de transição, entre novembro e dezembro. Perto da eleição e em meio à campanha, a Polícia Federal havia realizado uma operação em duas etapas, a Odoadro, contra suspeitas de corrupção na companhia.

Não será surpresa se Nascimento surgir, na auditoria da CGU, ligado a irregularidades na estatal. Em dezembro passado, a Controladoria-Geral finalizou um relatório sobre doações de equipamentos pela Codevasf na Bahia e, ao desfiá-lo, chega-se ao deputado. Os auditores examinaram nove doações de maio de 2022. Encontraram problemas em duas. Um desses casos se debruçava sobre o uso de um caminhão de 441 mil reais. “O equipamento doado à Associação dos Pequenos Produtores Rurais do Cubículo, com sede no município de Cocos, foi localizado em propriedade privada pertencente ao presidente da associação, que também é vereador do referido município”, diz o relatório. De um representante da associação, os auditores ouviram que o caminhão seria “cedido para seis comunidades da região, mediante cobrança de aluguel e taxas”. Ou seja, entes privados receberam doação comprada com verba pública e iriam alugá-la em proveito próprio. “Risco de aferição de vantagens indevidas”, anotaram os auditores. Uma resolução de abril de 2022 da Codevasf na Bahia dizia que “o objeto desta doação não poderá ser utilizado para outras finalidades senão as de interesse social, sem fins lucrativos”.

O dono da propriedade onde o caminhão estava é Gregson Luz, vereador pelo União Brasil em Cocos, cidade de 18 mil habitantes a 900 quilômetros de Salvador. Luz, contador de 46 anos, elegeu-se em 2020. Tinha concorrido antes, sem sucesso, em 2008. Nas duas disputas pertencia ao DEM, a sigla original de Nascimento. No fim de 2021, o DEM uniu-se ao PSL, o partido bolsonarista da eleição de 2018, para formar o União Brasil. Luz é cabo eleitoral de Nascimento. Em 6 de agosto, dez dias antes do início da campanha de 2022, os dois estiveram juntos em um evento em Cocos. “Elmar já tem uma história em nossa cidade, já votamos, já trabalhamos para Elmar Nascimento e já fomos agraciados por suas emendas parlamentares”, afirmou o correligionário.

Indicações. Daniela Carneiro, ministra do Turismo, cultiva amizades suspeitas. Góes, do Desenvolvimento Regional, tem o aval de Alcolumbre – Imagem: Redes sociais e MTur

Emendas parlamentares, aqueles gastos inseridos nas contas públicas por deputados e senadores, jorraram no governo Bolsonaro por conta do orçamento secreto, proibido pelo Supremo em dezembro. A Codevasf era um dos dutos. Era tanto dinheiro para emendas que estas se tornaram objeto de comércio. É o que se comenta nos corredores do Congresso. Há quem diga que o “comércio” ajudou um correligionário de Nascimento no União Brasil, Adalberto Rosa Barreto, o Dal, a eleger-se pela primeira vez para a Câmara no ano passado como o décimo deputado federal mais votado da Bahia. No início de 2022, o Ministério Público Eleitoral havia aberto uma investigação contra Nascimento por abuso de poder econômico, em razão de ­denúncia de uso da influência na Codevasf para cooptar cabos eleitorais, via emendas. O deputado tem obsessão antiga com a estatal. Um de seus primeiros projetos de lei ao chegar à Câmara, em 2015, sugeria ampliar a área de atuação da estatal.

Um articulador político do governo Lula diz: a relação com o Congresso será tensa, agora que não há mais orçamento secreto, fonte de poder de Arthur Lira, o presidente da Câmara a quem Nascimento serve como soldado. Na eleição, o líder do União Brasil chegou a dar uma entrevista para ameaçar abertamente o Supremo: se a Corte acabasse com o orçamento secreto, o Congresso iria acabar com o orçamento do tribunal. Segundo o articulador lulista, a mágoa do parlamentar com o governo significa o óbvio, o União Brasil quer ser valorizado e ter mais cargos, pois de fato é uma sigla robusta. E se o deputado crê que não se tornou ministro por veto do PT da Bahia, berço do chefe da Casa Civil, Rui Costa, e do líder do governo no Senado, Jaques Wagner, é só meia verdade. Pesou na escolha de Waldez Góes para o Desenvolvimento Regional a opinião de governadores do Norte e do Nordeste.

O Desenvolvimento Regional é a pasta que controla a Codevasf. Nascimento queria o cargo. Nas negociações de Lula para montar o ministério, os governadores do Norte e do Nordeste defendiam alguém do MDB no posto, mas o partido preferiu os Transportes, com o senador Renan Filho, de Alagoas. Góes era governador do Amapá e havia dirigido o consórcio dos estados do Norte. Para ser ministro, foi apadrinhado pelo senador ­Davi ­Alcolumbre, do mesmo estado. ­Alcolumbre é do União Brasil e espécie de eminência parda no Senado. Tirou proveito, e muito, do orçamento secreto, quando comandou a Casa, de 2019 a 2020. É nele e em Bivar que os articuladores políticos lulistas apostam para arrastar o partido ao governismo contra resistências criadas por Nascimento e pelo secretário-geral da sigla, ACM Neto, ex-prefeito de Salvador.

Os outros dois ministérios, Comunicações e Turismo, entregues à legenda podem ser usados para buscar votos de parlamentares de outras agremiações. Até daqueles que apoiaram Bolsonaro e, por ora, são de oposição, caso do PL, Republicanos e PP (de Lira), donos de 187 cadeiras na Câmara (36% do total). Será uma tarefa arriscada, diante do, digamos, currículo de Juscelino Filho, à frente das Comunicações, e de Daniela Carneiro, que comanda o Turismo.

Juscelino Filho (Comunicações) e Daniela Carneiro (Turismo) andam acossados por denúncias

Juscelino Filho, médico e empresário de 38 anos, é deputado desde 20015 pelo Maranhão. Foi vice-líder do governo Temer na Câmara. Sobre ele pairam suspeitas de que adora arranjar, em Brasília, emendas parlamentares para a cidade onde a irmã é prefeita, Vitorino Freire, de 30 mil habitantes, um modo de a verba ser repartida, no fim das contas, com parentes e empresários amigos. Um dos casos estranhos é de uma emenda de 5 milhões de reais para providenciar uma estrada até a porta da fazenda da família. Juscelino é ainda devedor do Banco do Nordeste (831 mil reais) e, supostamente, falseou informações, perante a Justiça Eleitoral, de prestação de contas sobre gastos com helicóptero na campanha do ano passado.

E Daniela Carneiro? A deputada e pedagoga de 47 anos foi a campeã de votos no Rio de Janeiro em 2022. É esposa de Wagner dos Santos Carneiro, prefeito de Belford Roxo, cidade da Baixada Fluminense. Wagner, o “Waguinho”, apoiou Lula na eleição, ambos participaram de comício juntos. A maioria dos bairros de Belford Roxo é dominada por milícias, conforme pesquisa do ano passado de uma organização de direitos humanos atuante na região, a Direito à Memória e à Justiça Racial. Vários milicianos apoiaram a candidatura de Daniela à Câmara, gente com passagem pela polícia com várias acusações nas costas. Nada, porém, forte o suficiente para justificar tirá-la do governo, conforme dito há algumas semanas por Rui Costa.

No campo minado (para o governo) do União Brasil, há ainda os “conjes” Sergio Moro, senador, e Rosângela Moro, deputada. Uma dupla que não pode nem ouvir falar em facilitar a vida do PT. Ao Globo da terça-feira 14, Bivar declarou: “Quem se sentir incomodado poderá sair sem qualquer prejuízo”.

A porta da rua é serventia da casa. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1247 DE CARTACAPITAL, EM 22 DE FEVEREIRO DE 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Com aliados assim… “

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