Política

Canetadas de Mourão e Heleno atacam o republicanismo da Lei de Acesso

Decreto deu a 1,2 mil servidores o poder de impor longo sigilo a documentos. Para advogado, argumento de ‘desburocratização’ não se sustenta

General Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) (Foto: Antonio Cruz/ Agência Brasil)
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O general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) do governo, se juntou ao colega de caserna, o general Hamilton Mourão no ataque contra a transparência pública. Mais especificamente, contra a Lei de Acesso à Informação (LAI).

Sob caneta de Heleno, o diretor da Abin (Agência Brasileira de Inteligência, subordinada ao gabinete) também ganhou nesta quarta 6 o poder de impor grau ultrassecreto a documentos e informações do governo. Alguns comissionados também poderão impor sigilo ‘secreto’. Até então, Heleno era o único do GSI que tinha autorização para fazê-lo.

Trata-se de um desdobramento do decreto editado por Mourão no último dia 24, que ampliava o rol de servidores que podem tornar ‘secretos’ ou ‘ultrassecretos’ documentos do governo: os DAS (Direção e Assessoramento Superiores) nas categorias 5 e 6, cujo salário gira entre 13 mil e 16 mil reais.

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Até então, só ministros, embaixadores, comandantes da Forças Armadas, o presidente e o seu vice podiam fazê-lo. Aos demais servidores, ficava restrita a classificação de grau ‘reservado’, cujo sigilo não ultrapassa 5 anos.

Para o advogado Alexandre Fidalgo, especialista em direito de imprensa, os generais atentam contra o espírito da Lei de Acesso à Informação. “Para mim, é inconstitucional e espero que as instâncias superiores deem guarida.”

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Em vigor desde 2012, a Lei de Acesso à Informação criou mecanismos que dão a qualquer cidadão acesso às informações públicas dos órgãos e entidades, sem que seja preciso apresentar motivos. Também se tornou essencial para o trabalho fiscalizador da imprensa.

A ONG Transparência Brasil aponta que, mesmo antes desse ataque, a falta de clareza sobre os critérios de sigilo já era um problema. Um levantamento divulgado pela CGU (Controladoria Geral da União) mostra que, sob Temer entre 2017 e 2018, 56% dos órgãos federais não informaram a quantidade de documentos classificados ou desclassificados.

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Em carta aberta ao conselho da CGU, a organização pontua ainda que, sob responsabilidade de tantos servidores, esses dados ficam ainda mais sensíveis a vazamentos. Fidalgo complementa: “Essas hipóteses de sigilo são exceções, servem para casos de segurança de Estado. Não podem se tornar regra e repassadas até a servidores sem qualquer ligação sólida com o governo”, diz ele, referindo-se à natureza comissionada dos cargos DAS.

Caso prosperem, as medidas devem levar a judicialização dos pedidos feitos sob a lei, avalia o advogado. “A LAI já tinha problemas de judicialização. Eu, por exemplo, tive que acionar outras instâncias para conseguir acesso aos critérios de financiamento do BNDES. Agora esses obstáculos serão muito maiores.”

Dados do Ministério do Planejamento mostram que o governo emprega hoje 206 comissionados na categoria DAS 6 e 1082 na DAS 5, totalizando 1288 servidores aptos a esconder informações dos brasileiros por mais de quinze anos. No caso das informações ultrassecretas, o sigilo pode chegar a meio século: 25 anos, prorrogáveis por mais 25 anos.

A justificativa oficial do governo para delegar esse tipo de ato a outros servidores é ‘desburocratizar’ a máquina pública. A portaria de Heleno cita até mesmo um decreto lei assinado por Castelo Branco em 1967, sob o qual a medida “assegura maior rapidez e objetividade às decisões”.

Fidalgo discorda e diz que o argumento não se sustenta. “Em entrevistas, tanto Mourão quanto o Heleno disseram que é raro classificar informações como ultrasigilosas. Então o problema não é burocracia, é tornar essa mudança mais palatável.”

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