Política

Campanhas de Lula lançam cartas aos evangélicos desde 1989; veja a primeira

A liberdade religiosa era o compromisso número 1 da carta lançada na eleição contra Collor. Veja íntegra do exemplar obtido por CartaCapital

O ex-presidente Lula (PT), durante encontro com evangélicos. Foto: Ricardo Stuckert
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A carta aos evangélicos lançada na quarta-feira 19 pelo ex-presidente Lula (PT) não foi a primeira a ser divulgada por uma campanha do petista ao Palácio do Planalto: a iniciativa pioneira ocorreu em 1989, conforme mostra um documento obtido por CartaCapital, por meio dos arquivos do núcleo evangélico do partido.

Ao apresentar a carta nesta semana, o ex-presidente fez questão de salientar, já nas primeiras palavras do discurso, que o gesto já havia sido feito antes. Na ocasião, o petista se queixou da “quantidade de mentiras” que lhe obrigava a lançar o documento novamente e mencionou a eleição contra Fernando Collor de Mello.

“Eu queria contar uma coisa para vocês. Desde que eu e outros companheiros criamos o PT, a gente vive tendo que se explicar. Não é a primeira vez que nós fazemos carta aos evangélicos”, declarou Lula. “Em 1989, eu era um pouco desconhecido, mas eu fui para o 2º turno da disputa com o Collor de Mello, e teve uma igreja aqui em São Paulo que distribuiu um milhão de jornaizinhos me chamando de demônio.”

O folheto de quatro páginas em apoio a Lula naquele ano era intitulado Nós evangélicos, que votamos em Lula, votamos porque Lula presidente garante (a íntegra está ao fim desta publicação).

A frase era seguida por sete compromissos com o segmento.

O primeiro item citava a “Liberdade Religiosa” e dizia: “A Frente que apoia Lula é formada por cristãos e não-cristãos que respeitam e trabalham juntos pela justiça social no Brasil. Nossa prática democrática é a maior garantia que no governo Lula cada um terá sua liberdade respeitada”.

No segundo quesito, o folheto defendia o “Respeito à Constituição” e reforçava: “A mudança que o povo evangélico está fazendo é pelo seu voto e não pelo uso da força. Lula defendeu, juntamente com todas as forças progressistas na Constituinte, os direitos do povo brasileiro. Agora é o povo organizado que deve garantir o cumprimento de leis justas”.

O terceiro item, sobre “O Direito dos Oprimidos”, dizia: “Lula representa a luta do povo contra aqueles que o exploram no trabalho, na educação, na saúde, na moradia, no transporte e na alimentação digna. Os evangélicos devem sustentar as suas mãos nas mudanças, com sua oração e sua luta, como os israelitas sustentaram os braços de Moisés”.

O quarto, sobre “Trabalho Competente”, afirmava: “Lula é um trabalhador que, na fábrica e no Congresso, faz parte do povo que, como você, produz a riqueza do País. Ele luta para que os trabalhadores recebam o fruto de seu trabalho. Quem é competente para produzir é competente para governar”.

O quinto, sobre “Os Salários Justos”, declarava: “As greves existem por causa da exploração do trabalho do povo pelos que enriquecem às nossas custas. São os opressores que promovem a baderna da inflação e da miséria. Com salários justos, os trabalhadores não precisarão fazer greves para garantir sua sobrevivência e a de sua família”.

No sexto ponto, “A Prática dos Valores do Evangelho”, a carta dizia: “A Bíblia nos ensina que Deus exige o respeito aos pobres e necessitados. E que isso não se faz com palavras, mas com atos de justiça que honrem ao Criador pela dignidade da vida dos homens e mulheres, criados à sua ‘imagem e semelhança’. O programa de governo de Lula é o que mais se aproxima destes valores”.

No último ponto, “A Identificação com a Causa do Povo”, o documento pregava: “Encarnar o Evangelho é tomar a forma de servo e trabalhar pelos homens como Deus nos manda. Lula é povo, conhece na própria pele o que é ser pobre, sem oportunidade de estudo, perseguido pelos interesses dos poderosos. Por isso ele representa você”.

Ao fim do folheto, havia o pedido: “Vote em Lula. Ore por ele. Trabalhe para mudar o Brasil”. Também constava o número do telefone do “Movimento Evangélico Pró-Lula”, para a obtenção de informações e a filiação.

Além disso, havia uma lista de mais de 100 signatários de diferentes denominações evangélicas, como a Assembleia de Deus, a Batista, a Metodista e a Presbiteriana.

A deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ), coordenadora do núcleo evangélico do partido. Foto: Ricardo Stuckert

Coordenadora do núcleo evangélico do PT, a deputada federal Benedita da Silva (PT), que é da Assembleia de Deus, havia sido uma das principais articuladoras do movimento na época.

Em entrevista à CartaCapital, a parlamentar afirmou que as acusações a Lula naquele ano eram muito semelhantes às atuais, sobretudo em relação à suposta intenção de fechar igrejas.

Segundo ela, o documento foi elaborado durante o ano de 1989, a partir de encontros realizados entre os evangélicos do movimento que apoiava Lula. As reuniões ocorriam no Rio de Janeiro. O texto teve a autoria desses religiosos, e o processo teve o conhecimento e a aprovação de Lula.

“Nós fizemos e mandamos para que ele pudesse aprovar a carta”, conta a deputada. “Ele concordou e falou: tá bom, podemos fazer a carta aos evangélicos. (…) Nós fizemos o texto em cima do que comentavam sobre ele e em cima da Constituinte que havíamos acabado de aprovar.”

Na sequência, o material teria sido enviado a instituições evangélicas.

Nas eleições deste ano, Lula não queria divulgar a carta “Compromissos com os Evangélicos” e manifestou a posição em diferentes pronunciamentos públicos. O ex-presidente demonstrava receio em ter que escrever cartas para vários outros segmentos. Além disso, ressaltava o seu compromisso com a liberdade religiosa, já firmado em sua trajetória.

Conforme mostrou CartaCapital, aliados relataram que Lula acabou sendo convencido de divulgar a carta porque as fake news no campo evangélico haviam chegado a um nível “devastador”.

O petista teria reivindicado inserir, logo no início da carta, algumas recordações sobre a sua passagem no Palácio do Planalto. A primeira frase do documento diz: “A grande maioria dos brasileiros e brasileiras que viveram os oito anos em que fui Presidente da República sabe que mantive o mais absoluto respeito pelas liberdades coletivas e individuais, particularmente pela Liberdade Religiosa”.

E acrescenta: “Como todos devem se lembrar, no período de meu governo, tivemos a honra de assinar leis e decretos que reforçaram a plena liberdade religiosa. Destaco a Reforma do Código Civil assegurando a Liberdade Religiosa no Brasil, o Decreto que criou o dia dedicado à Marcha para Jesus e ainda o Dia Nacional dos Evangélicos”.

Já os evangélicos que colaboraram com a produção da carta apontaram a necessidade de falar sobre o fechamento das igrejas. Um dos trechos diz: “Posso lhes assegurar, portanto, que meu governo não adotará quaisquer atitudes que firam a liberdade de Culto e de Pregação ou criem obstáculos ao livre funcionamento dos Templos”.

Também se percebeu a necessidade de desmentir alegações de que o ex-presidente instauraria leis cuja competência recai sobre o Congresso Nacional ou o Judiciário, como a liberação do aborto e a descriminalização do uso de drogas. “Lembro a todos e todas que este não é um tema a ser decidido pelo Presidente da República e sim pelo Congresso Nacional”, diz outro trecho da carta.

A pesquisa Datafolha de quinta-feira 20, no entanto, ainda mostra Lula perdendo terreno entre os evangélicos. O petista caiu de 31% para 28%, enquanto o adversário Jair Bolsonaro (PL) flutou de 65% para 66%. A margem de erro é de quatro pontos para mais ou para menos.

Carta aos Evangélicos de 1989

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