Entrevistas

Benedita da Silva: ‘Hoje, nós temos muito mais evangélicos votando no PT’

Em entrevista a CartaCapital, a deputada – que ajudou Lula a escrever cartas a evangélicos desde a era Collor – avalia os desafios da campanha eleitoral de 2022

A deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ), coordenadora do núcleo evangélico do partido. Foto: Ricardo Stuckert
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“Eu sou veterana. Toda vez a gente tem que fazer uma carta para os evangélicos.”

A deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ), que é evangélica, diz ter ajudado o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a escrever cartas para o segmento desde a eleição contra Fernando Collor, nos anos de 1990.

Em entrevista à CartaCapital, logo após o encontro de Lula com pastores em São Paulo, a parlamentar disse ter adotado a mesma posição do ex-presidente e resistido à ideia de lançar o documento.

Na posição de coordenadora do núcleo evangélico do PT, Benedita disse ter colocado dúvidas sobre a capacidade de alcance de um texto como esse, diante da “fábrica de fake news” do adversário Jair Bolsonaro (PL).

Porém, tanto Lula como ela cederam à pressão de religiosos que reivindicaram um aceno direto do ex-presidente a esse segmento. Uma das principais articuladoras do gesto foi a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA).

Para a petista, o que mudou nesses trinta anos foi a obtenção de mais votos a Lula entre os evangélicos. Neste momento, a tarefa é “não cair na armadilha de Bolsonaro” e priorizar a discussão econômica, em vez de “cair na canoa furada dele falando de costumes”.

Pesquisa Datafolha desta quarta mostra, contudo, que é grande a tarefa de Lula para virar votos entre evangélicos. Bolsonaro lidera no segmento com 66% das intenções de voto, contra 28% do petista. Entre católicos, Lula é o favorito, mas com uma vantagem menor: está com 58%, contra 42%.

Confira os principais trechos da entrevista a seguir.

Lula (PT) fez encontro com evangélicos. Foto: Ricardo Stuckert

CartaCapital: Quando era questionado pela imprensa, Lula dizia que não queria fazer carta. O que convenceu o ex-presidente?

Benedita da Silva: O assunto é o mesmo desde a primeira vez que ele saiu candidato. A Universal distribui milhões de jornaizinhos. Dizem que ele era a besta do Apocalipse, que ele ia fechar as igrejas, que ele ia tomar o terreno das pessoas. Eram coisas inacreditáveis.

Nós evangélicos somos muitos no PT. Aí, a maioria de nós fica pressionando o Lula: você tem que falar, você tem que fazer. Como eu sou a coordenadora nacional, eu disse assim: olha gente, eu vou colocar a minha posição, que é a mesma posição do Lula. Não adianta, porque eles têm uma fábrica de fake news.

Eu vou fazer uma carta, será que consigo alcançar o mesmo número de pessoas que eles alcançaram com as mentiras? Não sei. Mas como todo mundo resolveu que ele tinha, ele cedeu. Então, vamos fazer.

CC: Então foi por pressão, e não por argumentação?

BS: Não. Foi o argumento. O argumento, para mim, não me convenceria, porque eu acompanhei o tempo todo. Eu sou a primeira evangélica dentro dos partidos de esquerda, das assembleias de Deus, meu querido. Então, eu conheço tudo, como acontece de um lado e do outro. A primeira carta aos evangélicos foi feita pela minha mão, quando ele disputou com o Collor. Eu fiz, e o Lula assinou. Toda vez a gente tem que fazer uma carta para os evangélicos.

CC: Algo mudou na carta de hoje, em comparação com a que a senhora fez?

BS: Não mudou quase nada. Mas mudou uma coisa: hoje, nós temos muito mais evangélicos votando no PT. E é em nome desses evangélicos que votam no PT, que conhecem o Lula, é que nós fizemos uma discussão. E dissemos assim, bom, se a maioria quer que a carta seja feita, inclusive os evangélicos que não são do PT e que estão apoiando o Lula… Por exemplo, a senadora pediu para que a carta fosse feita… Mas eu sou veterana. Então, eu sei desde lá trás como essas coisas funcionaram.

O Lula disse assim: então, eu vou ter que falar a mesma coisa, eu me comprometo a fazer… Foi o que ele disse ali.

CC: A senhora não acha que essa iniciativa foi tardia? São 11 dias para a eleição.

BS: Não, não… Você me desculpe. Mas, na maioria daqueles que estão convictos de que tudo o que o Bolsonaro fala é verdade, você não vai mexer um dedo. Você está fazendo exatamente para aquelas pessoas que são evangélicas, que ainda estão em dúvida, que têm um filho, que são da comunidade, que foram do Bolsa Família, que tiveram filho na universidade. Essas pessoas acabam entrando em conflito.

Então, o Lula está se dirigindo para essas pessoas. É isso o que ele está dizendo: você me conhece, sabe que eu não fecho igreja, que eu não vou mandar as crianças virar LGBT. 

CC: Falar contra o banheiro unissex e o aborto não pode, em alguma medida, incomodar setores da esquerda, como LGBTs e mulheres?

BS: Não, não pode. Até porque cada um tem o seu segmento e a sua luta. E a cada luta, nós avançamos. Porque nós, negros e negras, estamos aí há muito tempo. Os direitos das mulheres avançaram. Vê se avançou os direitos das mulheres negras? Mas nem por isso a gente levanta a bandeira da violência contra a mulher.

Nesse momento, é uma reivindicação de um segmento que a gente considera que não é uma coisa que seja impossível de fazer, mas não é o principal de uma pauta de um candidato à Presidência da República, gente.

Se é coisa de costumes, é no Congresso Nacional. É aborto? Quem vai votar vai ser lá. Casamento das pessoas do mesmo sexo? É no Congresso que vai votar. Legalização de drogas? É no Congresso que vai votar. Entendeu? Não passa pelo presidente da República.

Você tem que ter foco. Nós combatemos o racismo, a LGBTfobia. Por exemplo, eu fui governadora. Criei subsecretaria do LGBT, do racismo. Criamos o centro de referência LGBT quando fui secretária de Direitos Humanos. Mas eu sou evangélica, eu não sou homossexual. Qual foi o meu papel? O de gestora pública. Eu tenho que garantir que essas demandas sejam colocadas.

Mas a Presidência da República vai cuidar de banheiro? Numa boa. Não. Ele vai cuidar para que não haja discriminação na educação na escola, seja de hetero, de homo, de qualquer um. Ele vai cuidar para que não haja violência para o cidadão LGBT, para a cidadã LGBT. O Estado tem que garantir a proteção.

Nós não queremos cair na armadilha do Bolsonaro. Enquanto ele fica botando essas coisas, que a gente chama de costumes, ele não precisa responder pelas milhares de pessoas que ficaram sem vacina e morreram, pelo desemprego, pelas famílias morando no meio da rua.

A questão de costumes é o fundamental para ele e vai conformando a sua base de apoio. O Bolsonaro não fala para o conjunto da sociedade. Ele fala direcionado para aquelas pessoas. Eu defendo a família… Não defende não. Porque eu já vi ele batendo em uma mulher na Câmara, no plenário. Fez o que fez com a Maria do Rosário. E eu sou evangélica. Acha que vou cair na canoa furada dele falando de costumes? Eu vou é meter o pau nele.

CC: Dizia-se que a pauta econômica seria a protagonista da eleição. Ela está perdendo protagonismo para a questão religiosa?

BS: Não. O PT sempre teve esse problema. A Igreja Evangélica dizia que o Partido dos Trabalhadores era igrejeiro, porque as comunidades eclesiais de base o apoiavam. É assim, meu querido, um buraco sem fundo. Quem tem que cuidar de religião são os líderes religiosos. Quem tem que cuidar do Estado é o governo.

Isso é a síntese do papel que nós temos. E quando o Lula disse que vai ter emprego, comida, Minha Casa Minha Vida, ele está priorizando a geração de emprego. Não que essas questões de costumes não sejam questões importantes. Mas não são de um plano de governo nacional.

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