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Brasileiros que vivem na Argentina temem xenofobia após atentado contra Cristina Kirchner

Com grande destaque midiático, a narrativa sobre a identidade do suspeito está em disputa

Foto: Reprodução/La Nación
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Por Amanda Cotrim, de Buenos Aires

Desde que a nacionalidade do responsável pelo atentado contra a vice-presidente argentina Cristina Kirchner foi identificada – e constantemente ressaltada pela imprensa local –, não demorou a surgir temores entre brasileiros que vivem no País.

O autor dos dois disparos malsucedidos contra Cristina foi identificado como Fernando Salim Montiel, de 35 anos. Segundo a polícia, ele nasceu no Brasil e mora na Argentina desde os seis anos de idade. O jornal Clarín chegou a divulgar a certidão de nascimento do suspeito, que seria filho de mãe argentina e pai chileno.

Com grande destaque midiático, a narrativa sobre a identidade do suspeito está em disputa. Alguns defendem que o autor do atentado “só” nasceu no Brasil. Outros, que Montiel seria “uma vergonha” para o País.

No maior grupo Brasileiros em Buenos Aires no Facebook, com mais de 45 mil membros, os residentes recomendam, em tom de denúncia, que os compatriotas “guardassem o português em casa”. No mesmo post, uma brasileira desabafou: “Nossa vida já não é fácil aqui…”. Ainda teve um brasileiro que em um tom de piada escreveu que “daqui a pouco vão queimar brasileiros na praça”.

Em grupos de WhatsApp de residentes, um brasileiro que preferiu não ser identificado, pediu aos compatriotas e turistas que visitam a Argentina não saiam com a camisa da seleção nas ruas, por temer alguma violência por sua nacionalidade.

O epicentro dos discursos xenofóbicos é sustentado por uma relação entre memória e esquecimento. Algumas vezes, se esquece que a questão é o delito, e se foca na nacionalidade, o que traz à tona imaginários e memórias que sempre relacionam o estrangeiro à insegurança e à instabilidade. O perigo de meios de comunicação passarem a dar ênfase na certidão de nascimento do suspeito é “esquecer” que o foco é o crime.

“É assustador a violência política crescente na América do Sul, principalmente contra mulheres”, afirma a brasileira residente em Buenos Aires, Jorgia Machado dos Santos, de 32 anos. “Dito isso, é importante dizer que a Argentina é um país xenofóbico, inclusive se a gente lembra o que disse o presidente no ano passado, que os argentinos vieram de barco, da Europa, é preocupante que uma pessoa muitas vezes sem instrução ouça esses discursos.”

O Presidente da Argentina, Alberto Fernandez, em rede nacional, na noite de ontem, decretou feriado nacional pela paz nesta sexta-feira. Todos os jogos de futebol que aconteceriam hoje foram suspensos, segundo informou a AFA (Associação de Futebol Argentino).

Também nesta sexta-feira, organizações de esquerda e de direitos humanos convocaram um ato político em apoio a Cristina Kirchner, a partir do meio-dia, na Praça de Maio, em frente a sede do governo argentino, a Casa Rosada.

O Núcleo PT da Argentina, criado em apoio à candidatura de Lula à presidência, suspendeu a agenda pública da campanha no país. O coordenador local Paulo Pereira reforça que não acredita em onda xenofóbica contra a comunidade brasileira, mas que há uma preocupação mais ampla com a segurança de ‘companheiros e companheiras’, referindo-se aos brasileiros que participam de coletivos sociais e políticos no país.

A Embaixada do Brasil em Buenos Aires informou que, por motivos de conhecimento público, a recepção programada para celebrar os 200 anos de aniversário da Independência do Brasil, prevista para esta sexta-feira, foi cancelada.

Mais cedo, o brasileiro Marcelo Lauton, que mora em Rosário, na província de Santa Fé, a 300 km de Buenos Aires, relatou em sua rede social que foi hostilizado verbalmente por um taxista por ser brasileiro.

No entanto, não é unânime que brasileiros residentes estejam temerosos quanto a possíveis atos xenofóbicos. É o caso do empresário Marcelo Nunes Coelho, do ramo de turismo receptivo para brasileiros em Buenos Aires. “Tenho certeza que não vai acontecer nada com nenhum brasileiro aqui.”

Na capital, nenhum incidente dessa ordem foi registrado até o fechamento da matéria.

Entenda o caso

Na noite de quinta-feira, a polícia argentina prendeu Montiel por apontar uma arma para o rosto da ex-presidente a uma distância muito próxima, quando ela chegava em sua casa, onde uma multidão de apoiadores a aguardava.

Dezenas de militantes peronistas estão há 10 dias acampados em frente a residência da vice-presidente desde que o promotor Diego Luciano pediu sua prisão por 12 anos e a cassação de seus direitos políticos.

Na manhã desta sexta-feira, testemunhas prestaram depoimento à polícia. A juíza à frente do caso, Maria Eugênia Capuchetti, foi pessoalmente à casa da vice-presidente, no bairro de Recoleta, na capital portenha, para tomar o depoimento sobre o atentado.

As motivações do crime ainda não foram reveladas, já que Fernando Salim Montiel, segundo a imprensa local, ainda não prestou depoimento às autoridades. Fotos de uma conta na rede social, já desativada, mostram que o suspeito tem tatuagem de símbolos nazistas e fazia posts sobre satanismo.

Há alguns dias, ele chegou a ser entrevistado por um canal de TV argentino enquanto participava de uma manifestação contra os programas sociais do governo peronista. Nessa entrevista, o suspeito e uma mulher que o acompanham reforçam que abriram mão de programas sociais do governo por acreditar que “todos têm que trabalhar e deixar de receber auxílio.”

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