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Kirchner, a líder atacada no ápice da polarização política na Argentina

O homem, que foi preso, apontou uma arma para o rosto da ex-presidente a uma distância muito próxima, quando ela chegava a sua casa, onde uma multidão de apoiadores a aguardava

Os países latino-americanos apoiaram de forma unânime a Argentina ©AFP / juan mabromata
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Combativa, desafiadora, sarcástica, a ex-presidente Cristina Kirchner, que provoca amor e ódio entre os argentinos, escapou de um ataque com arma de fogo cometido por um brasileiro na quinta-feira (1º), coincidindo com a reta final de seu julgamento por suposta corrupção.

“Cristina continua viva porque, por um motivo ainda não confirmado tecnicamente, a arma que tinha cinco balas não disparou apesar de ter sido acionada”, revelou o presidente Alberto Fernández, que descreveu o incidente como “o mais grave” desde a restauração democrática de 1983.

Aos 69 anos, vice-presidente desde 2019 e duas vezes presidente entre 2007 e 2015, Kirchner é acusada de corrupção na concessão de licitações de obras públicas na província de Santa Cruz (sul), seu berço político.

O Ministério Público pediu na semana passada que ela fosse condenada a doze anos de prisão, além de inabilitação política perpétua.

Na próxima semana, os argumentos da defesa começarão no julgamento oral em que outras doze pessoas também são acusadas.

Desafiadora, Kirchner, que também preside o Senado, respondeu em um discurso apaixonado que a Justiça busca bani-la e perseguir o peronismo.

Como efeito imediato, seus seguidores se reuniram na porta de sua residência, no elegante bairro da Recoleta, em Buenos Aires.

E entre a multidão que a esperava, como todas as noites, estava o agressor.

Kirchner, que goza de privilégios parlamentares que a preservarão em caso de condenação, foi absolvida em vários casos, embora ainda tenha cinco pendentes.

Os “K”

Viúva do ex-presidente Néstor Kirchner (2003-2007), falecido em 2010, o casal foi registrado com a marca “K”, letra usada pelos argentinos para se referir tanto ao casal quanto a seus apoiadores, sejam eles ativistas, juízes ou empresários.

Cristina casou-se com Néstor Kirchner quando ambos ainda eram estudantes de direito na Universidade de La Plata (60 km de Buenos Aires). Desde então, eles se mostraram como um casal indissolúvel na vida privada e pública.

Tiveram dois filhos: Máximo, parlamentar, e Florencia, cineasta distante da política.

“Desde que conheci Néstor, nunca mais nos separamos, estávamos sempre juntos”, diz ela em seu livro autobiográfico “Sinceramente”.

Militantes do peronismo desde os tempos de universidade, Néstor e Cristina Kirchner foram detidos por 17 dias em janeiro de 1976, pouco antes do golpe que instituiu a última ditadura militar (1976-83).

A partir desse episódio, eles se concentraram no escritório de advocacia que montaram na cidade de Río Gallegos (sul), que segundo relato da ex-presidente fez muito sucesso e lhes deu a base de sua fortuna com a compra de mais de 20 imóveis na Patagônia.

Após a ditadura, iniciaram a carreira política. Nestor foi prefeito de Río Gallegos e depois governador de Santa Cruz. Cristina foi deputada e também senadora pela mesma província.

Em última análise, os dois chegaram à presidência em um plano combinado. “Pensávamos na necessidade de garantir ao longo do tempo um processo político virtuoso de transformação do país”, explica no livro.

Protecionismo, esquerda e feminismo

Seu governo caracterizou-se por políticas protecionistas e programas de assistência social, com múltiplos subsídios que aumentaram os gastos públicos.

Confrontou setores poderosos, como proprietários de fazendas, grandes meios de comunicação e instituições financeiras internacionais, embora também tenha apoiado importantes empresários.

Naqueles anos se aproximou dos líderes da esquerda que então governavam o Brasil, Equador, Bolívia e Venezuela.

Em particular, Cristina Kirchner evoca com carinho Fidel Castro e Hugo Chávez.

Também possui um relacionamento próximo com o papa Francisco, ex-arcebispo de Buenos Aires.

Forte rival de seu sucessor, o ex-presidente Mauricio Macri, recusou-se a participar de sua cerimônia de posse quando assumiu o cargo em dezembro de 2015.

Durante seu mandato, foi aprovado o casamento entre pessoas do mesmo sexo e uma lei de identidade de gênero, tornando a Argentina pioneira na América Latina.

Como presidente do Senado, ela acompanhou em 2020 a aprovação da lei do aborto.

Filha de um motorista de ônibus e uma dona de casa, Cristina Kirchner é a mais velha de duas irmãs. Ele reivindica suas origens de classe média baixa, embora não esconda sua preferência por marcas de luxo ou seu gosto por viagens.

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